Saúde

Nova técnica deixa cientistas mais próximos de regeneração de tecidos

Uma das vantagens do procedimento é que ele reduz consideravelmente o risco de rejeição

Isabela de Oliveira

Pesquisadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, anunciaram, no 168º encontro da Sociedade Acústica da América, uma técnica que aproxima mais médicos e cientistas do sonho de regenerar e recriar tecidos e órgãos danificados. Ela promete ser menos invasiva do que as disponíveis hoje. Em vez de substâncias químicas e processos enzimáticos, os estudiosos descobriram que é possível induzir com som a geração de estruturas necessárias para a engenharia de tecidos.


A técnica seria uma aliada da medicina regenerativa na cura de lesões e danos sem solução. Já se sabe que as células-tronco são indispensáveis nesse processo. Entretanto, assim como nas obras de pedra e cimento, os tecidos humanos necessitam de uma espécie de bloco estrutural. Sem ele, as células- tronco não conseguem se desenvolver, por exemplo. As estratégias mais comuns desse campo de estudo empregam suportes em 3D que imitam a matriz celular natural.

Essa rede estrutural é imprescindível para a adesão celular, a diferenciação e a proliferação das células-tronco e a consequente geração de tecidos. Quase que por acaso, a equipe liderada por Yak-Nam Wang desenvolveu uma técnica para criar esse “andaime biológico”. Tudo começou quando tentavam eliminar células cancerígenas de animais utilizando um método chamado histotripsia. Basicamente, o processo utiliza rajadas longas de alta intensidade de ultrassom para derreter as estruturas doentes.

Wang surpreendeu-se ao perceber que os restos dessas células não eram eliminados pelo corpo, ao contrário do esperado. Sem querer, ele havia encontrado a tão procurada matriz celular em seu estado natural. “Em alguns dos nossos experimentos, descobrimos que tecidos ficavam para trás. Então, tivemos a ideia de usar a técnica para auxiliar a engenharia de tecidos e a medicina regenerativa”, disse o pesquisador-sênior em comunicado à imprensa.
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Mais rápido
Normalmente, descelularizar (expelir as células ) dos tecidos depende de técnicas demoradas e agressivas que envolvem o uso de substâncias químicas e processos enzimáticos. A histotripsia, por outro lado, oferece rapidez com poucos danos à matriz. A maior vantagem, diz Wang, é que as chances de o corpo recusar essa rede natural de celular é pequena. Por ter uma composição semelhante, a matriz pode ser alimentada com células-tronco do próprio paciente para a regeneração de um órgão específico, um fígado, por exemplo.

“As recusas que acontecem nos transplantes se dão porque, em alguns casos, as pessoas (doadora e receptora) não fazem parte do mesmo grupo genético. Acontece o mesmo quando se fala de transplante de células, é preciso respeitar a configuração genética”, explica Luciana Auxi, médica e pesquisadora na área de biologia molecular e celular. “Caso a ideia seja substituir uma pequena área de tecido, talvez seja possível apenas implantar a matriz. Em seguida, o próprio organismo se ‘autossemearia’”, especula Wang.

“Você não terá quaisquer problemas do sistema imunológico porque esse andaime biomimético é muito próximo do tecido nativo. Dessa forma, a cura seria melhor. O corpo iria reconhecê-lo como um tecido normal”, completa o pesquisador. Agora, Wang estuda como descelularizar o rim e o fígado de animais de grande porte. Ele planeja ampliar os estudos para tecidos maiores a fim de avaliar também a eficiência de regeneração em organismos vivos.


Apoio robótico
“Todos os órgãos têm células-tronco, mas elas não estão em constante atividade. Elas ficam paradas, como um estepe do carro, e se renovam em certas ocasiões. Até os tumores têm células-tronco. Por isso, é possível quebrá-las sem afetar essa matriz que gera a estrutura celular. Isso faz com que pesquisadores tenham grande interesse em conhecer esse processo detalhadamente. Até porque algumas células-tronco também podem se transformar em câncer. Hoje, é possível construí-las em laboratório, com uma célula de gordura, por exemplo. Criamos condições para que elas virem estruturas especializadas com uma ‘comidinha especial’, que são substâncias e enzimas. Já existem pedaços do corpo produzidos com essas técnicas, como nariz e ouvido. O desafio é ligar essa orelha ao cérebro, fazendo com que ela ouça. Na minha opinião, não conseguiremos vencer isso com estrutura 100% celular, vamos precisar da ajuda da robótica.”

Lucianna Auxi, médica pesquisadora de biologia celular e molecular, e integrante da Brasil-American Academy for Integrative & Regenerative Medicine