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Parece — e é — paradoxal. Gastar tempo e dinheiro para passar medo. Ninguém, contudo, é obrigado a isso. “As pessoas vão ver filmes de terror porque querem ser assustadas. Ou, então, não fariam isso duas vezes”, alega o professor de psicologia social Jeffrey Goldstein, da Universidade de Utrecht, no livro Why we watch: the attractions of violent entertainment (Por que assistimos: as atrações do entretenimento violento, sem edição no Brasil), da Universidade de Oxford. “Todos esses efeitos que se sentem num filme desses, de tensão, medo, frio na espinha… O espectador quer aquilo tudo e, se o filme não fornecer essas sensações, ele vai sair frustrado”, observa.
Goldstein acredita que as pessoas gostam do terror ficcional — séries, livros e casas do espanto também foram pesquisadas por ele — movidas por razões diversas. As principais seriam o pico de adrenalina e a distração que isso causa da vida mundana, sentidas de um lugar muito confortável: a poltrona do cinema, bem longe dos fatos encenados na tela. Para o psicólogo Glenn D. Walter, professor da Universidade de Kutztown, no Texas, e também pesquisador do tema, há três fatores principais por trás do gosto por filmes de terror: tensão, relevância e irrealismo.
Universal
A tensão provocada por uma boa história de mistério, suspense ou terror não é nova. Sentar-se ao redor do fogo para ouvir relatos apavorantes é um hábito universal e, provavelmente, ancestral, segundo a antropóloga Polly Weissner. Como parte de sua pesquisa de campo, ela investigou o teor da conversa dos membros da tribo africana dos Kalahari, caçadores-coletores que vivem de modo semelhante aos homens modernos do período pré-agrícola. Ela constatou que 81% dos diálogos noturnos versam sobre assuntos sobrenaturais.
Na análise de Walter, o nível de identificação com o tema também desempenha um papel no gosto que se tem por histórias apavorantes. “Para um filme de terror ser visto, ele tem de ser relevante para a audiência. Esses filmes geralmente capturam o medo universal que temos de coisas como a morte e o desconhecido”, afirma. Por último, ele concorda com Jefrey Goldstein sobre a importância de se saber que nada daquilo é verdadeiro. “Os filmes estão cada vez mais sofisticados em relação aos efeitos especiais, mas todos nós sabemos que o que estamos vendo não é verdadeiro”, diz. Ele cita um estudo da década de 1990, no qual psicólogos exibiam documentários contendo imagens fortes (como acidentes e suas vítimas) para estudantes. “Poucos conseguiram ir até o fim. Mas esses mesmos jovens pagavam para ver atos muito piores em uma tela de cinema”, diz.
O psicólogo argumenta que quando vai ver um filme, por mais terrível que ele seja, o espectador sabe que ele assiste ao produto de uma realidade fabricada. “Os diretores têm uma técnica interessante que é a da pitada do humor negro, que geralmente aparece em uma cena ou outra. Isso é usado para que você se lembre que nada daquilo é real. Crianças têm mais dificuldade para separar realidade de ficção, por isso tínhamos mais medo quando éramos pequenos”, diz. Mesmo títulos feitos para parecerem reais, como a Bruxa de Blair e Atividade paranormal não fogem à regra da irrealidade. “Você sabe que, quando sair do cinema ou apagar a TV, nada daquilo estará ali.”
Em seu laboratório, na Universidade de Nova York, o neurologista Joseph LeDoux investiga os mecanismos fisiológicos e psicológicos associados ao medo. “Minha pesquisa tem como foco a maneira pela qual o cérebro reage diante de uma ameaça”, diz. Essa ameaça tanto pode ser real, quanto um animal peçonhento, quanto aquela provocada pela ficção de terror.
“O medo não é apenas uma reação biológica, mas uma emoção, provavelmente a mais extensivamente estudada, derivada tanto de fatores evolutivos quanto de coisas recém-aprendidas. É essa conversa entre a amígdala, uma estrutura cerebral muito primitiva, e o córtex, região mais recentemente adquirida, que nos permite interpretar um evento e responder a ele com emoção”, ensina.
Diante de uma situação assustadora, o cérebro dispara um alarme e ativa a reação de luta ou fuga. O ameaçado pode ficar e enfrentar o perigo, caso aquilo pareça vantajoso. Ou sair correndo dele. Em questão de segundos, o organismo todo se prepara tanto para uma opção quanto para a outra: há liberação de hormônios, enrijecimento muscular, alterações no ritmo cardíaco e até renal… Esses processos fisiológicos trazem um tipo de excitação, o famoso frio na espinha, que também é prazeroso. No caso dos filmes ou livros de terror, nada daquilo é real. Portanto, todos os efeitos do coquetel de hormônios e neurotransmissores ativados pelo “lute ou fuja” vêm de graça, sem perigo no combo.
Apaixonada por filmes de terror desde criança, a socióloga Margee Kerr resolveu pesquisar o medo, tornando-se consultora de uma das atrações mais concorridas de Pittsburgh, uma casa do terror que abre o ano todo, com picos de visitantes no Halloween. A um ano do lançamento de seu livro Scream (Grito), que será publicado em outubro de 2015, ela diz que passar medo “de mentirinha” traz outro benefício, além da “injeção” de adrenalina e endorfina. “Nessa situação, seja no cinema, seja dentro da casa do terror, os laços entre as pessoas se estreitam”, conta Kerr.
Em suas pesquisas, ela se interessa particularmente nos elementos que mais aterrorizam as pessoas. Entre eles, estão os palhaços, diz. “É estranho pensar que uma coisa que seria tão amistosa para crianças, na verdade causa medo, e não só nelas, mas nos adultos também”, diz a socióloga. “Muito antes do filme It, de Stephen King, os palhaços já nos assustavam com seu sorriso estranho e seu nariz vermelho.”
Sem empatia
Ela conta que, em 2008, um estudo da Universidade de Sheffield perguntou a 250 crianças o que elas pensavam da decoração de palhaços do hospital universitário, e a resposta foi “horripilante”. “Essencialmente, o palhaço é uma face mascarada. Uma face mascarada permanentemente feliz, e isso é estranho, nós não gostamos de rostos que não alteram sua expressão. Muito das nossas interações, sensações de confiança e comunicação depende de sermos capazes de ler as expressões de alguém. Quando não podemos fazer isso, nos assustamos, e nesse sentido, um palhaço é como um Michael Myers (o assassino de Sexta-Feira 13)”, argumenta.
Já a boneca Annabelle e seus semelhantes de plástico ou louça causam terror pelo aspecto dúbio: eles têm cara de gente, mas não possuem vida. Essa sensação, que recebeu a alcunha de “vale da estranheza” pelo psicólogo Ernst Jentsch ainda em 1906, também foi alvo de um ensaio de Sigmund Freud, na década seguinte. A ideia é que humanos não conseguem desenvolver empatia por seres que, ao mesmo tempo em que são extremamente parecidos, com rosto, braço, perna, cabelo etc., não são iguais. Isso causaria uma espécie de repulsa. Segundo Freud, objetos que provocam o efeito do vale da estranheza assustam porque são muito familiares.
Mas, para um expert no assunto, as bonecas causam medo porque são, de fato, malignas. Em entrevista ao jornal Huffington Post, ele disse: “Se você pensar sobre elas, a maior parte das bonecas imitam uma figura humana. Mas falta uma grande coisa a elas, a emoção. Então, elas são um veículo natural para que demônios tomem conta delas. Se você olha para os olhos de uma boneca, ela apenas o encara. Isso é horripilante. Elas são ocas por dentro. E esse espaço precisa ser preenchido.” Palavras de John R. Leonetti, diretor de Annabelle.