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Pensando no bem-estar de pacientes submetidas à fertilização, pesquisadores da Escola de Psicologia da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, entrevistaram mais de 7 mil voluntárias que passaram pelo procedimento num período de 17 a 11 anos anteriores à pesquisa com o objetivo de analisar a saúde mental delas. A partir dos resultados, concluíram que mulheres que não conseguem engravidar depois desse tipo de tratamento e continuam com vontade de ter um filho têm mais chance de apresentar piora na saúde mental em comparação àquelas que desistem de gerar um filho.
“Esse resultado foi percebido em mulheres com ou sem filhos, mas o problema ocorre com mais frequência com aquelas que não têm”, explica Sofia Gameiro, responsável pela pesquisa. As chances de desenvolvimento de problemas psicológicos aumentam 2,8 vezes para as pacientes que nunca engravidaram e 1,5 para aquelas que concluíram uma gestação e têm filho. A maioria das participantes da pesquisa não conseguiu engravidar depois da fertilização e 6% delas continuavam querendo ter um bebê.
Suely Sales, professora do Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos da Universidade de Brasília (UnB), acredita que a pesquisa só reforça um resultado constatado nos consultórios. “Os dados mostram, como percebemos, que o resultado negativo da fertilização para mulheres que não conseguem engravidar naturalmente gera um aumento significativo das respostas de ansiedade, depressão e frustração”, detalha. Para a especialista, o motivo dessa piora na saúde mental pode estar ligado à maneira como o ideal de lar é ensinado na infância. “É comum que as pessoas cresçam imaginando que terão uma família que inclui filhos, e a percepção de que isso não é possível mesmo depois da fertilização pode causar ansiedade e desencadear sintomas de transtorno de humor”, explica.
Liu Pereira, 39 anos, desistiu de tentar engravidar por tratamentos de fertilização após três tentativas. “É um desgaste emocional gigante. Não tenho mais ânimo e disposição para tentar de novo”, conta. O processo in vitro foi sugerido pelo médico, já que, por causa da endometriose, ela não conseguiu ter filhos de forma natural. Antes de procurar um especialista, Liu já havia recorrido a tratamentos alternativos. “Tentei os métodos naturais com o acompanhamento do ginecologista. Até tratamento homeopático procurei”, conta.
Durante o processo, ela sentiu um aumento da ansiedade. “É uma fase de desgaste emocional. É não só para a mulher, mas para o casal.” Disposta a tentar lidar melhor com o que estava acontecendo, a funcionária pública procurou consultas psicológicas com mais frequência. “Eu já fazia terapia e, nesse período, ela se intensificou e ficou quase voltada só para o tratamento.” Liu chegou a mudar de clínica depois de algumas tentativas. “Você acaba trocando de médico porque acha que ele não te ajudou e tem certeza de que o outro vai te ajudar”, relata. Em uma dessas clínicas, uma avaliação com psicólogos era oferecida após a primeira consulta, além do alerta do médico sobre as chances de sucesso da intervenção. “Ele deixou bem claro, mas não te ajuda em nada. Acredito que é mais um resguardo para o médico do que uma tentativa de ajudar a paciente.”
Apoio simultâneo
Para tentar amenizar a frustração de uma inseminação malsucedida, Gameiro destaca a importância de apoio psicológico para as pacientes durante todo o processo. “Em primeiro lugar, a possibilidade do tratamento não dar certo precisa ser alertada desde o início. Durante o processo, um trabalho preventivo pode ser feito com a ajuda dos médicos, e não só dos profissionais da psicologia”, indica. Suely Sales ressalta que surgem novas demandas ao longo das tentativas. “O que a gente sugere é que haja um tratamento simultâneo (à fertilização) porque a resposta psicológica da mulher vai mudando ao longo desse processo.”
A médica Rosaly Rulli, do Centro de Ensino e Pesquisa em Reprodução Assistida (Cepra) do Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), acredita que a parceria entre os médicos e os psicólogos está cada vez melhor. “De uns 10 anos para cá, vimos aumentar os trabalhos, a atenção ao aspecto psicológico. Trabalhar os aspectos psicológicos tem extrema importância. O nível de ansiedade, de frustração é maior. E, quando a cabeça não está boa, o corpo também não fica bem”, explica.
Além de acompanhar, com sua equipe, as mulheres que engravidaram com o tratamento, Rulli conta estar atenta às tentativas que não dão certo. “Nós damos importância para os dois casos. Acolhemos e apoiamos as famílias pois sabemos as consequências para quem não consegue engravidar.”
A professora Suely Sales também ressalta a importância da ajuda psicológica. “O que a gente sugere é que haja um tratamento simultâneo (à fertilização), porque a resposta psicológica da mulher vai mudando ao longo desse processo.” Para ela, a equipe médica deveria trabalhar com os psicólogos, pois as chances da mulher sofrer com os resultados negativos do tratamento são grandes. Com os psicólogos, a paciente conseguiria trabalhar aspectos como a expectativa e a ansiedade. “No caso de insucesso, também pode-se trabalhar com o casal outras possibilidades, como a adoção.”
Sucesso de até 25%
Na técnica de fertilização in vitro, os óvulos são estimulados com o uso de hormônios, e o crescimento dos folículos, bolsas em que estão guardados os óvulos, é acompanhado por ultrassom. Quando os óvulos estão maduros, são recolhidos por um procedimento médico que dura aproximadamente 20 minutos. Após três ou cinco dias da fertilização com os espermatozoides selecionados, os óvulos são implantados no útero da mulher. A possibilidade de que a paciente engravide varia de 18% a 25% a cada tentativa.
Inflamação crônica
É uma doença inflamatória causada por células do endométrio que não são expelidas pelo organismo. Em vez disso, elas entram nos ovários ou na cavidade abdominal. A doença crônica pode causar de fortes cólicas e até infertilidade. Para algumas mulheres, a endometriose é assintomática. Ingestão de remédios e cirurgia para retirar o ovário e o útero, em casos mais graves, fazem parte do tratamento.
Adoção, uma grande escolha
Úrsula Morelo, 43 anos, estava entrando no quinto tratamento de fertilização quando conseguiu adotar Enzo, 3. “Meu marido pediu para que eu tentasse engravidar com o tratamento, mas entramos na fila da adoção também”, conta. Durante cinco anos, ela submeteu-se a quatro tentativas, uma em uma clínica da cidade e três em São Paulo. “Lá, passava 30 dias na casa de amigos ou em hotel.” A outra intervenção seria feita no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib). “Como o tratamento é muito caro, a gente tem que se programar. Então, decidi tentar pela rede pública. Mas eles têm uma fila porque não dão conta do número de pessoas (que querem atendimento).”
Antes da primeira consulta, Enzo, com 3 meses à época, chegou à casa de Úrsula. Mesmo depois da adoção, a servidora pública tentou fazer o procedimento no hospital público, mas desistiu depois de receber os resultados de exames. “Eu ia ter uma gravidez de risco, poderia ter um bebê com dificuldades. Quando os especialistas colocaram todos os riscos, resolvi que eu não queria mais.” Ela conta que, durante o período do tratamento, a ansiedade e a expectativa eram grandes. “Costumo dizer que, se a gente soubesse como é o processo, não entrava.”
Úrsula explica que, ao contrário de uma mulher que engravida de maneira natural, aquela submetida à fertilização sabe todos os passos do procedimento — do início do período fértil à fecundação. Por isso, a expectativa de um resultado positivo cresce. “É impossível não ficar ansiosa.” Ela teve avaliações psicológicas nas clínicas em que foi atendida, mas não procurou outro tipo de ajuda profissional para lidar com os aspectos emocionais. “Em casa, eu e meu marido conversávamos muito. Resolvíamos as coisas entre a gente”, explica.
Hoje, a servidora pública não pensa mais em tentar o tratamento. Ela e o marido entraram pela segunda vez na fila para adoção. “Se eu tivesse que passar de novo por tudo que eu passei para ter o Enzo, eu passaria. E não faz diferença (a adoção), o amor é o mesmo.”
Martha Freire, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que a adoção é uma boa possibilidade para as pacientes que não conseguiram engravidar de maneira natural, e destaca o aumento da escolha no Brasil. “Nunca se falou tanto em adoção como agora. Há, sim, um crescimento de candidatos.”
Em todo o Brasil, 995 pessoas foram adotadas em 2013. Até agosto deste ano, o número era de 678. Atualmente, mais de 32 mil pessoas estão inscritas no Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e quase 6 mil crianças esperam por uma nova família. Freire avalia que a cultura da adoção está mudando. “Não se trata mais apenas de dar um filho a uma família que não o tenha, mas de dar uma família para a criança que não tem.” Mas ressalta que adotar alguém não muda o papel da mãe. “Para muitas, pode parecer um prêmio de consolação, mas é igual.”