O médico faz logo uma ressalva: “Não estamos descobrindo a pólvora, é simplesmente um programa bem resolvido, cujo tratamento está à disposição de todos, através do Sistema Único de Saúde (SUS). Estamos apenas implementando um programa que já existe e com medidas disponíveis. Para desfrutar disso, basta apenas que a gestante procure um dos postos de saúde do SUS, principalmente durante os três primeiros meses de gravidez. A partir daí, o médico atendente pedirá os exames e, por meio destes, passará a devida prescrição à paciente”.
Jorge explica que, assim que o bebê nasce, é submetido a um teste para ver se adquiriu o vírus. Mesmo que este não tenha sido infectado, a criança deverá tomar, profilaticamente, o retroviral durante seis semanas. “A partir daí, faz-se um outro exame, entre seis e 12 semanas e outro, entre quatro e seis meses. Assim já teremos condições de saber se o bebê está infectado ou não”, diz Jorge. Ele esclarece que embora o trabalho tenha obtido êxito com as jovens que participam seguidamente do estudo, a taxa de transmissão vertical registrada pelo grupo, no geral, ainda é de 2%. “Mas, isto é devido a casos de mulheres identificadas no final da gestação e até mesmo em trabalho de parto, ou seja, que não fizeram o pré-natal pelo SUS.
Redução Jorge ressalta que na década de 1990 a taxa de infecção chegava a ser de 25%. Nos últimos oito anos este índice baixou para 2% e, nos últimos três a quatro anos, chegou a zero. “Felizmente, conseguimos sair de uma taxa de transmissão de 1 para 4 bebês, para menos de 2%. E, nos últimos anos estamos tendo zero de índice”, orgulha-se o médico. Ele salienta que o grupo de pacientes pesquisados já está na terceira geração do HIV e que algumas pacientes que já fizeram o pré-natal no SUS conseguiram ter filhos não infeccionados. “Sabemos como bloquear a transmissão vertical, como tratar essas crianças precocemente, quais drogas utilizar, como manuseá-los do ponto de vista nutricional e de imunização. Infelizmente, ainda temos problemas que dizem respeito a comportamentos, como aceitação da revelação diagnóstica e adesão ao tratamento.”
Jorge salienta que o grupo de pesquisa da UFMG monitora cerca de 1,5 mil pares (mãe o bebê) durante esses 15 anos. “São mães que são identificadas no momento certo e que recebem as intervenções que são preconizadas, uso de retroviral, durante a gestação, vias de parto, fornecimento de formula infantil leite artificial, que é fornecido pelo estado. E, através desse acompanhamento, pudemos chegar à conclusão de que a transmissão vertical pode ser erradicada. É claro que tudo irá depender também do comportamento das pacientes, que deverão procurar os postos de saúde lo no primeiro trimestre da gravidez, fator que é de suma importância”, alerta o médico.
De acordo com o departamento de DSTAids e Hepatite Virais do Ministério da Saúde, a taxa de transmissão do HIV de mãe para filho durante a gravidez, sem qualquer tratamento, pode ser de 20%. Mas, em situações em que a grávida segue todas as recomendações médicas, a possibilidade de infecção do bebê reduz para níveis menores que 1%. O Ministério da Saúde alerta que a testagem para HIV é recomendada no primeiro trimestre. Mas, quando a gestante não teve acesso ao pré-natal adequado, o diagnóstico pode ocorrer no terceiro trimestre ou até na hora do parto. As gestantes que souberem da infecção durante o pré-natal têm indicação de tratamento com os medicamentos para prevenir a transmissão para o feto. Recebem, também, o acompanhamento necessário durante a gestação, parto e amamentação. A mãe que tem o vírus não deve amamentar o bebê, porque há risco de transmissão do vírus da mãe para o filho.
Adesão Jorge Pinto explica que a aids é hoje uma doença crônica, como diabetes e nefropatias, e pondera que uma série de dificuldades já foram ultrapassadas.“Sabemos como bloquear a transmissão vertical, como tratar essas crianças precocemente, quais drogas utilizar, como manuseá-los do ponto de vista nutricional e de imunização. Agora temos problemas mais sutis, que dizem respeito a comportamentos, como aceitação da revelação diagnóstica e adesão ao tratamento”, avalia.
O médico destaca que esses pacientes terão que tomar medicação para o resto da vida e vê com naturalidade a postura contrária ao tratamento demonstrada por adolescentes. “São problemas próprios do jovem que vive uma condição crônica, não da doença em si. Mas estamos buscando novas drogas e intervenções que facilitem a adesão”, diz.
Infectada pela mãe Alessandra, que a perdeu quando tinha quatro anos, conta que aos 12 anos parou de tomar os medicamentos. “O que me ajudou muito foi a participação em grupos de apoio a adolescentes mantidos pelo Hospital das Clínicas. Lá, percebi que era difícil não apenas para mim, que morava em abrigo, mas também para os que tinham família estruturada”, relata. E sabendo da boa notícia, já planeja ter filhos, com a segurança, sem correr o risco de infectar os bebês.
“Outro aspecto importante diz respeito a como estamos preparando esses adolescentes para a vida adulta, para uma inserção produtiva na sociedade”, afirma Jorge Pinto. De natureza multidisciplinar, o grupo de pesquisa também investiga os aspectos psicossociais dessa população, com o intuito de ajudá-la a lidar com as comorbidades psiquiátricas e metabólicas derivadas do uso prolongado de medicação. Um desses trabalhos, coordenado pelo professor Vitor Haase, do Departamento de Psicologia, procura identificar o desempenho neuropsicológico de crianças e adolescentes brasileiros infectados verticalmente e que foram submetidos à terapia antirretroviral.
Medicação fica mais simples
O ritonavir 100 miligramas (mg) termoestável começa a ser distribuído pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nesta semana e um novo comprimido, denominado “dois em um”, por reunir dois princípios ativos, deve chegar aos postos de saúde em dezembro para pacientes com HIV/Aids. De acordo com o diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita, o ritonavir integra o coquetel de medicamentos desde 1997, mas ele dependia de armazenamento em geladeira, pois precisava de uma temperatura de 2Co a 8Co para a conservação. Para Mesquita, os novos medicamentos vão simplificar a vida do paciente e, com isso, melhorar a adesão ao tratamento.
“O paciente tinha que estar próximo de uma geladeira na hora de tomar a medicação. Do ponto de vista de logística, havia a dificuldade de distribuir em todo o Brasil, mantendo a temperatura, e ter geladeira em todos os serviços provedores de antirretrovirais. Era bem mais complexo”, avalia o diretor. Cerca de 60 mil pessoas deverão ser beneficiadas com a nova versão do medicamento.
O “dois em um” é uma combinação do tenofovir 300mg com a lamivudina 300mg em um único comprimido. Segundo Mesquita, os pacientes que tomam os medicamentos precisavam tomar três comprimidos, dois de lamivudina e um de tenofovir, agora reduzidos a um.
O “dois em um” será disponibilizado somente para os pacientes que não têm indicação clínica do “três em um” que, além da composição do “dois em um”, conta com o efavirenz 600 mg. O “dois em um” é produzido no Brasil pela Farmanguinhos/Fiocruz e deve beneficiar aproximadamente 75 mil pacientes.