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Primeiro, os cientistas, da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, descobriram que a família de bactérias Christensenella é mais frequente na flora intestinal (grupo de micro-organismos que habita o intestino) de pessoas magras. Depois, para testar se essa relação não era uma simples coincidência, os autores implantaram uma espécie desse grupo, a Christensenellaceae minuta, em ratos e notaram que os animais engordaram menos que outros que não receberam os micróbios e foram alimentados da mesma forma.
O estudo não só abre uma nova frente de investigação para o controle da obesidade como traz pistas de como a genética atua para tornar alguns indivíduos mais predispostos ao sobrepeso do que outros. Isso porque o estudo contou com a participação de 416 pares de gêmeos, sendo 171 idênticos e 245 fraternos. Ao analisar o material fecal desse grupo de voluntários, os especialistas notaram que a quantidade de bactérias Christensenella era muito mais semelhante entre os gêmeos idênticos — que compartilham 100% do material genético — do que entre os fraternos — que têm apenas 50% do DNA igual.
Ou seja, fatores hereditários parecem favorecer a presença do micro-organismo que auxilia o emagrecimento. “Nossa pesquisa mostra que a composição da microbiota intestinal é influenciada parcialmente pela genética humana. Isso significa que existem genes que possuem algum efeito sobre a abundância de tipos específicos de micróbios no intestino”, resume ao Correio Ruth Ley, primeira autora do artigo e pesquisadora do Laboratório de Microbiologia da Universidade de Cornell. “Esse é o primeiro estudo a estabelecer firmemente que certos tipos de micróbios do intestino são hereditários, e que sua variação em uma população é, em parte, devido ao genótipo, e não apenas às influências ambientais”, completa.
Ley e colegas estão animados com a possibilidade de desenvolver terapias personalizadas que levem em conta a genética das pessoas para regular a presença das bactérias na flora intestinal. A empolgação é alimentada pelo resultado obtido com o experimento em ratos. “Depois de três semanas, os animais que receberam esses micróbios ficaram mais magros do que aqueles que não o receberam. Por conta disso, acreditamos que os genes humanos estão envolvidos na regulação dos níveis de bactérias no intestino e podem ajudar as pessoas a manterem um peso saudável”, afirma a cientista.
“Nossa grande surpresa com esse estudo foi descobrir que as bactérias mais influenciadas por nossos genes também promovem a saúde”, prossegue Ley. “Nossos genes podem influenciar nosso fenótipo (expressão das características genéticas) por meio de seus efeitos sobre o microbioma. Portanto, se queremos manipular como nossos genes afetam nosso fenótipo, poderíamos fazer isso por meio da manipulação do microbioma, por exemplo”, explica.
Para Marco Antonio Lemos, professor do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o trabalho dos americanos se destaca por ter identificado uma bactéria com função tão importante e com potencial de ser utilizada em terapias futuramente. “A parte mais difícil é encontrar os micro-organismos que possuam funções específicas, como no caso desse, que está ligado a um melhor gerenciamento de nutrientes”, destaca o especialista.
Segundo o brasileiro, que não participou do estudo, investigações que buscam desvendar como os micróbios interferem no funcionamento do corpo têm se tornado cada vez mais comuns. “Há 20 anos, não possuíamos as ferramentas que temos hoje. Agora, é possível conseguir dados que ou demoravam muito tempo para ficarem prontos ou eram inviáveis de se obter em laboratório”, diz. “E é importante lembrar que os micro-organismos são 10 vezes mais numerosos em nosso corpo do que nossas próprias células. Entender as bases e tirar o melhor proveito desse convívio pacífico é a melhor estratégia”, acrescenta.
Possibilidade
Na avaliação de Cristina Blankenburg, endocrinologista do Hospital Santa Luzia, a influência hereditária na presença das bactérias mostrada pelo estudo é muito importante para estratégias de combate à obesidade. “Sabemos que grande parte da microbiota é influenciada pelo ambiente, mas o estudo estabelece uma ligação genética. Com isso, temos indícios de que outros fatores fazem parte dessa regulação do metabolismo”, analisa.
Blankenburg diz ainda que o trabalho da Universidade de Cornell abre uma possibilidade interessante de tratamento. “Ainda não se conquistou um tratamento efetivo para a obesidade. Quem sabe ao melhorar a qualidade das bactérias intestinais seja possível regular o ganho de peso?”, indaga. “Sabemos que vários fatores estão ligados a essa doença, e acredito que essa área de pesquisa pode ser mais uma possibilidade terapêutica. Quanto mais caminhos, mais chances de combater a obesidade”, acrescenta a endocrinologista. Os cientistas americanos, no entanto, ainda precisarão percorrer um longo caminho. “Primeiro, precisamos saber muito bem como a bactéria funciona em camundongos, para depois nos concentrarmos no organismo humano e observar se os efeitos se repetem”, informa Ruth Ley.