Saúde

Técnica recupera a juventude do cérebro

Por meio de intervenções genéticas e bioquímicas, cientistas dos EUA conseguiram resgatar em ratos adultos habilidades cerebrais de quando eram filhotes. A técnica poderá ajudar na recuperação de lesões em humanos

Bruna Sensêve

Aprender um idioma quando criança é fácil, mas tudo muda de figura quando o aluno é um adulto. Da mesma forma, crianças que nascem com defeitos oculares podem recuperar a visão se o problema for corrigido logo. Isso porque, com o passar do tempo, o cérebro altamente plástico e adaptável na infância se torna mais “rígido” e resistente às mudanças. Estudo publicado na revista científica Science Translational Medicine, porém, relata uma maneira de “desbloquear” a plasticidade no cérebro de camundongos adultos. A técnica ajudaria na recuperação após lesão ou na correção de distúrbios de desenvolvimento em humanos.


Segundo a equipe de pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, liderada por Carla Shatz, uma forma de acompanhar a queda da plasticidade cerebral é monitorando a capacidade do órgão de coordenar os dois olhos, aprendida nos primeiros meses de vida. Para trazer essa realidade ao laboratório, Shatz produziu camundongos com ambliopia — uma redução da acuidade visual em um dos olhos e mais raramente em ambos — e descobriu que o cérebro adulto, na verdade, não perde a capacidade de agir plasticamente. Ele simplesmente desliga essa habilidade ao ativar a via de um receptor chamado PirB (veja infográfico).
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Os autores tentaram o bloqueio genético e bioquímico desse receptor em camundongos, o que permitiu às cobaias se ajustarem ao deficit em um olho, assim como fariam se fossem jovens. Essa restauração do olho preguiçoso nos animais seria uma evidência de que é possível restaurar a capacidade do cérebro para agir jovialmente. Isso porque, quando o receptor é excluído, permitem-se as sinapses nos neurônios, tornando os circuitos cerebrais menos resistentes. Assim, podem dobrar, mudar e criar circuitos com mais facilidade. Os pesquisadores, porém, advertem que ainda é preciso investigar a fundo a questão, já que pode haver efeitos negativos da supressão do PirB.

A estratégia pode fazer também com que algumas ligações neurais importantes se enfraqueçam. Os seres humanos têm o equivalente a cinco moléculas PirB no cérebro, e os camundongos apenas uma. Não é possível saber ainda se o alvo em humanos seriam todas, algumas ou somente uma delas. “Essas observações sugerem que PirB atua ativamente para reprimir a plasticidade cortical ao longo da vida. Ao validar o receptor PirB como alvo para intervenção terapêutica, podemos melhorar a recuperação de lesões, corrigir a plasticidade do desenvolvimento disfuncional e, talvez, mesmo que temporariamente, melhorar a aprendizagem em indivíduos normais”, diz Shatz.

Segundo o coordenador do Departamento Científico de Atenção Neurológica e Neurorreabilitação da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Cristiano Milani, a equipe vem trabalhando nessa linha há alguns anos. Em 2006, a mesma autora publicou na Science as primeiras notícias sobre esse receptor. A atuação dele no cérebro começou a ser divulgada, no fim do ano passado, na revista Pnas. “Essa nova publicação deve gerar um alto impacto de replicação desses estudos, inclusive com novas possibilidades de uso em outras condições neurológicas e não apenas na que eles citaram.”

O especialista explica que a pesquisa tem como base uma extensa família de receptores imunológicos que trabalham na regulação celular não só dos neurônios, mas em todo o organismo. “Esses de agora parece que têm uma relação maior com alterações neurológicas, e a inibição deles aparentemente provocou uma regeneração acelerada dos processos de lesão cerebral”, diz. Segundo Milani, isso levaria a diversas implicações na neurologia, principalmente nos quadros ligados à neurorreabilitação que envolvem os conceitos de neuroplasticidade e alterações punitivas em situações de dano do tecido cerebral. “Vejo até que, se isso se comprovar, é um grupo que tem uma grande chance de um dia no futuro ser indicado para um Nobel de medicina tamanha a possibilidade de aplicação dessa técnica”, aposta.

Sistemas intactos
Para a pesquisadora Joanna Brooks, da Universidade Nacional da Austrália, a novidade do estudo de Stanford está na descoberta exclusiva da ação do receptor. Uma pesquisa divulgada por ela na 12ª Conferência Internacional de Neurociência Cognitiva, em julho deste ano, na Austrália, mostrou que pelo menos uma parte do cérebro humano com certeza processa informações da mesma forma independentemente da idade do indivíduo. Na época em que desenvolveu o trabalho, Brooks era pesquisadora convidada das faculdades de Psicologia e de Medicina da Universidade de Adelaide (EUA) e o projeto do qual fazia parte era uma colaboração internacional com cientistas da Universidade de Edimburgo e da Queen Margaret University, na Escócia.

Ela comparou a habilidade de 90 pessoas que tinham de 55 a 95 anos com a de indivíduos mais novos, entre 18 e 38 anos. Os voluntários responderam a estímulos visuais e não visuais para que fosse medida a capacidade de cada um para “atenção espacial” — o que ajuda na locomoção, por exemplo. “Os dois mais jovens e os mais velhos tiveram as mesmas respostas para as tarefas envolvendo toque, visão ou som”, conta Brooks.

Ao pensar em envelhecimento, as pessoas analisam aspectos físicos e cognitivos, especialmente quando se trata de questões como tempo de reação, que tende a ser comprometida em idosos. O trabalho de Brooks, porém, mostrou que alguns tipos de sistemas cognitivos no hemisfério cerebral direito estão “encapsulados” e podem ser protegidos contra o envelhecimento. “Nossos resultados desafiam os modelos atuais porque mostram que o lado direito do cérebro dominante para o processamento espacial permanece durante toda a vida adulta”, acrescenta. Segundo ela, a ideia agora é entender melhor como e por que algumas áreas parecem ser mais afetadas pelo envelhecimento do que outras.