A partir desta quarta-feira (15), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) coloca em consulta pública duas resoluções para reduzir o número de cesarianas desnecessárias entre as consumidoras dos planos de saúde. Dos mais de 2,9 milhões de partos que acontecem no Brasil, 521 mil são realizados na rede privada. Apesar de a incidência de cesariana ainda ser alta no Sistema Único de Saúde, que é de 40%, é na rede privada que a situação é mais crítica: 84,6%. A média do país é de 55,6%.
"O mais seguro para a mãe e o bebê é o parto normal”. A frase da gerente de atenção à saúde da ANS, Karla Coelho, resume a resposta à pergunta mais delicada feita na coletiva de imprensa em que a Agência e o Ministério da Saúde (MS) anunciaram medidas para promover o parto normal no Brasil: ‘Mulheres que quiserem uma cesariana terão direito a essa escolha?’. “Parto não é questão de consumo, é questão de saúde”, respondeu a representante da ANS que lembrou que o procedimento cirúrgico é uma tecnologia científica para salvar vidas. “Em alguns casos a cesariana será necessária, mas essa necessidade terá que ser justificada em laudo”, explicou.
O ministro da saúde, Arthur Chioro, reforçou que a taxa de cesariana recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 15%. "Nada justifica inverter a indicação de um procedimento”, declarou. Karla Coelho apresentou dados assustadores que apontam para a necessidade de o país enfrentar a epidemia de cesáreas. “Estudos científicos mostram que a cesariana aumenta em até 120 vezes a probabilidade de o bebê nascer prematuro e ter a síndrome de angústia respiratória”, afirmou. Quando a gestante passa pelo procedimento cirúrgico antes de entrar em trabalho de parto, ou seja, por uma cesárea eletiva ou cesárea marcada, o risco de a criança nascer antes da 38ª semana é alto. “Dezesseis por cento dos óbitos infantis são causados por prematuridade”, declarou ainda.
Representante da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Joaquín Molina lembrou que o parto normal reduz a mortalidade materna, um dos objetivos do milênio estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) que o Brasil não conseguirá atingir até 2015 justamente pelo excesso de cesarianas praticadas por aqui (saiba mais). “O risco de mortalidade materna na cesariana triplica em relação ao parto normal”, revelou Karla Coelho.
Consulta pública
A primeira medida proposta pela ANS se sustenta na ideia de que é a informação que vai mudar a dimensão cultural que envolve o nascimento no Brasil, como por exemplo, o medo da dor do parto normal. A Agência vai ampliar o acesso a dados pelas mulheres que poderão solicitar as taxas de cesáreas e de partos normais por estabelecimento de saúde e por médico, independentemente de estarem grávidas ou não.
As resoluções prevêem ainda a apresentação de um partograma pela unidade de saúde para que o pagamento do profissional seja realizado. O documento deverá conter as anotações do desenvolvimento do trabalho de parto e das condições maternas e fetais - o que vai impedir que uma cesariana seja marcada sem que a mulher entre em trabalho de parto.
Outra medida é a distribuição, por parte das operadoras de planos de saúde, do Cartão da Gestante com a Carta de Informação à Gestante, instrumento para registro das consultas de pré-natal, com orientações e dados de acompanhamento da gestação.
Segundo a ANS, as novas normas e os demais documentos necessários para detalhamento da consulta pública estarão disponíveis para análise de toda a sociedade. O envio das contribuições ocorrerá de 24 de outubro a 23 de novembro e deverá ser feito exclusivamente em formulário disponível no portal da ANS. A expectativa é que as normas entrem em vigor em dezembro. “Espera-se que em dois anos a cultura hospitalar seja mudada”, declarou Chioro.
Questionado sobre a suposta reivindicação dos médicos obstetras sobre a necessidade de uma remuneração maior pelo parto normal, Arthur Chioro foi enfático: “A vida não pode ter preço. Inverter uma indicação de procedimento é aumentar o risco de mortalidade materna, de óbito infantil, de riscos para a criança para uma vida inteira. Não é pagando mais o valor do parto que conseguiremos a inversão das taxas de cesariana no setor privado. Se fosse esse o problema, os mecanismos de controle eram mais fáceis”, defendeu o ministro.