No mês passado, o MadreCor, único hospital particular na cidade do Triângulo Mineiro que oferecia a assistência humanizada ao parto, foi envolvido em uma polêmica após ter distribuído uma ata à equipe médica da instituição em que dizia que os gritos das parturientes incomodavam outros pacientes. O hospital veio a público e declarou que o motivo da interrupção do serviço seria a falta de estrutura. “O Hospital MadreCor ressalta que não se opôs em momento algum ao parto humanizado e que a atitude de suspender a modalidade deu-se devido aos argumentos anteriormente divulgados, em especial à falta de estrutura adequada confirmada por um laudo atestado, recentemente, pela Vigilância Sanitária”, informou a instituição em nota enviada à imprensa nesta sexta-feira (3).
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Grávida de 30 semanas, a cirurgiã-dentista, Cibele Marcondes, 42 anos, compareceu à audiência e questiona o laudo da Vigilância Sanitária de Uberlândia que fundamentou a decisão da promotoria. “A gente já esperava, não foi uma surpresa. As pessoas não entendem o que é a assistência humanizada ao parto. Se um laudo diz que não tem estrutura para esse tipo de atendimento é por que não tem estrutura para parto nenhum”, afirma.
A utilização da expressão ‘parto humanizado’ dificulta o entendimento das boas práticas de assistência ao parto preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), porque sugere que exista uma terceira modalidade de parto além do parto normal (ou parto vaginal) e cesariana. Parto humanizado é a mesma coisa que assistência humanizada ao parto, que pode ser resumida em um conjunto de medidas em respeito à vontade da mulher e proteção da saúde da mãe e do bebê. Respaldadas em evidências científicas atualizadas, as diretrizes da OMS são claras e, como mostra a lista abaixo, assistência humanizada não tem relação direta com estrutura hospitalar e estão mais relacionadas às decisões dos profissionais de saúde.
Confira as recomendações:
- Respeitar a evolução fisiológica do parto vaginal;
- Que a mulher seja consultada sobre os procedimentos para compartilhar das decisões médicas a serem realizadas;
- Que sejam utilizados métodos e procedimentos seguros e de comprovada eficiência pelas evidências científicas;
- Que a mulher tenha direito ao acompanhante de sua escolha durante todo o pré-parto, parto e pós-parto imediato;
- Que a mulher tenha acesso a ingestão de líquidos/alimentos durante o trabalho de parto;
- Que a mulher possa escolher a melhor a posição para o parto e a OMS preconiza que, preferencialmente, seja verticalizada e que se evite posições supinas (com as pernas para cima, na posição de exame ginecológico, por exemplo);
- Que a episiotomia seja usada com restrição (somente com indicação precisa);
- Que sejam oferecidos métodos para alívio da dor e executados os procedimentos anestésicos;
- Que seja estimulada a amamentação na primeira meia hora após o parto;
- Que o bebê tenha contato olho a olho com os pais antes de se realizar a credeização (aplicação de nitrato de prata nos olhos do bebê);
- Que o cordão umbilical do bebê seja cortado somente após parar de pulsar.
Cibele Marcondes diz que a luta não terminou e que o próprio promotor garantiu na ata da audiência que as investigações vão continuar. Em 24 de setembro, a Artemis (Aceleradora Social pela Autonomia Feminina) encaminhou denúncia à Agência Nacional de Saúde (ANS) e já obteve resposta do órgão que se comprometeu a tomar providências sobre o caso (saiba mais). Além disso, as gestantes em Uberlândia estão se organizando enquanto usuárias de plano de saúde que estão tendo seus direitos lesados. “Já fiz minha denúncia na ANS e muitas outras mulheres também”, reforça a cirurgiã-dentista.
Protagonismo da mulher
O Brasil é campeão mundial em cesarianas, no MadreCor a taxa é de 97,5% (em 2013 foram 930 cesarianas e 23 partos normais) e a OMS recomenda que o procedimento cirúrgico não ultrapasse os 15%. A luta das gestantes de Uberlândia e de muitas outras mulheres brasileiras é por um atendimento centrado nas necessidades físicas e psicológicas de cada parturiente, que a vontade delas sejam respeitadas e que nenhum procedimento seja realizado sem o consentimento das pacientes.
No país, até o parto normal é motivo de controvérsia: 53,5% das mulheres que têm seus bebês via vaginal são submetidas à episiotomia (corte entre a vagina e o ânus) frente à uma recomendação de 10%. Além disso, a mulher recebe ocitocina sintética para acelerar o trabalho de parto, ou seja, a evolução fisiológica não é respeitada.
Grávidas precisam se informar para evitar episiotomia desnecessária e 'ponto do marido' no parto vaginal
Com a incidência de cesariana de 52% no Brasil, as mulheres que querem parir via vaginal têm que enfrentar uma série de batalhas. Por isso, a elaboração de um plano de parto é tão importante nesses casos (saiba o que é e como fazer aqui). Cibele Marcondes e outras gestantes de Uberlândia que estão com menos de 36,5 semanas e programaram seus partos no Hospital MadreCor por causa da assistência humanizada que era oferecida terão que parir em bloco cirúrgico e em posição ginecológica. Ou seja, na contramão do que é preconizado pela OMS.