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Para o visagismo, a beleza tem valor reduzido se vier isolada. O foco é criar uma imagem pessoal única, que revele as qualidades interiores e reflita a personalidade. O resultado almejado só é possível levando em consideração as características físicas e de comportamento. A arquiteta e urbanista Lianez Padilha, 31 anos, reconhece as vantagens desse processo. “A aparência é muito importante. O meu cliente quer uma casa bonita, e você tem que se apresentar assim. Ele olha o seu estilo e vai se identificar se você for mais patricinha, clássica ou despojada. É como uma vitrine”, avalia.
O artista plástico Philip Hallawell está na vanguarda dos estudos sobre o tema. O nome pode enganar, mas o pesquisador nasceu em São Paulo, cidade na qual voltou a morar após mais de uma década no exterior. O maior diferencial dele foi se aliar a outras áreas, principalmente à psicologia. Ele se baseou nos arquetípicos analisados pelo psicanalista Carl Jung, os símbolos com significados semelhantes em diferentes culturas e tempos. Eles agem no inconsciente das pessoas, provocando sensações e reações emocionais.
No livro Visagismo integrado: identidade, estilo e beleza, Hallawell explica que as figuras geométricas e as linhas que as constituem são os símbolos arquetípicos mais simples e, provavelmente, os mais potentes também. “Nós reconhecemos o sentido e reagimos emocionalmente às formas presentes no rosto, nas feições, no corte do cabelo, na barba, na costeleta ou no bigode, nos acessórios, nos gestos, no porte e nas vestimentas. Essas linhas e formas são os elementos mais importantes na definição da identidade de uma pessoa para os outros e para si, quando ela se olha no espelho.”
Não por acaso os conservadores são chamados de “quadrados”. As linhas retas e horizontais representam estabilidade, segurança, poder, força. Um rosto nesse formato ou retangular transmite a ideia de uma pessoa forte, determinada. As linhas inclinadas são dinâmicas e mais instáveis e podem passar a sensação de insegurança. O triângulo invertido, formato associado à cabeça das cobras, por exemplo, remete a perigo. O rosto assim passa a sensação de dinamismo, extroversão, mas também traz dificuldades em suscitar confiança. Já as linhas curvas estão ligadas ao prazer e à feminilidade. O rosto oval remete a pessoas mais suaves e introvertidas, fechadas.
Todas essas formas, presentes naturalmente nas faces e nos corpos, são expressões do temperamento. “É uma disposição inata e particular de cada pessoa, pronta a reagir aos estímulos ambientais. É a maneira interna de ser e agir, geneticamente determinada”, conceitua o psicólogo José Henrique Volpi. A classificação mais conhecida de temperamento surgiu na Grécia, por volta dos séculos 4 e 5 a.C. Hipócrates desenvolveu uma teoria com quatro humores corporais. O equilíbrio adequado entre eles determinaria a saúde, e o desequilíbrio causaria a doença. Baseado nisso, Galeno criou a terminologia que se tornou bastante conhecida e influenciou estudos posteriores por teóricos na Alemanha, nos Estados Unidos, na França, na Itália e na Polônia, entre outros países.
Eram quatro humores básicos: o sanguíneo, no qual o humor predominante era o sangue e os indivíduos eram atléticos e vigorosos; o colérico, com maior quantidade de bile amarela e marcado pela fácil irritabilidade; o melancólico, com excesso de bile negra e tendência à tristeza; e o fleumático, com predominância da fleuma e indivíduos cronicamente cansados e lentos nos movimentos. O tipo ideal seria a mistura estável das quatro qualidades. Dependendo da abordagem de cada autor, diferentes classificações surgiram, com oito ou até mais categorias.
É importante entender que as características indicadas no rosto das pessoas não são determinantes. “Seria muito estranho se a natureza colocasse símbolos em nós que não tivessem nada a ver conosco”, observa Philip Hallawell. “Mas isso indica apenas o temperamento, o que é diferente da personalidade. Ela é a autoimagem da pessoa, o que ela quer transmitir, e é influenciada por muitos fatores, como a educação, a sociedade, a cultura, as experiências, a projeção da imagem dos pais”, ressalta. Além disso, as pessoas apresentam, em alguma medida, aspectos dos outros temperamentos que não são o principal.
O caráter também cumpre importante papel. Ele é conjunto de reações e hábitos de comportamento que vão sendo adquiridos ao longo da vida. “O temperamento é biológico e, portanto, não se modifica. O que muda é o caráter, que, por sua vez, abranda o temperamento”, pontua Volpi. Ele também explica que esses aspectos estão interligados. O caráter é o externo, o que a pessoa mostra por atitudes (comportamento), e a personalidade é o mundo interno, que, às vezes, é mostrada de forma falsa, tentando esconder o verdadeiro eu.
Caso ocorra uma dissociação entre o temperamento, a personalidade e o caráter, as consequências podem ser nocivas. “O corpo é traído. Você está passando uma informação errada para o mundo”, alerta Philip Hallawell. “Muitas pessoas, ao se olharem no espelho, não se veem na sua plenitude, mas uma caricatura de si mesmas.” Elas destacam características negativas ou estão completamente escondidas por trás da imagem pessoal.
O conceito de personalizar a imagem é muito antigo, inerente ao ser humano, mas o termo “visagismo” foi criado apenas nos anos 1930, por Fernand Aubry. O cabeleireiro francês deu fama à ideia (às vezes, um tanto piegas) de que “não existe mulher sem beleza, somente belezas que ainda não foram reveladas”. Para despertar o belo, o visagismo busca acentuar ou atenuar determinadas características que sejam harmônicas com o estilo interior de cada um. “Muitas vezes, as pessoas chegam com a foto de um artista. Mas o objetivo não é seguir um padrão. A mudança tem que combinar com a índole, a vida profissional, social e doméstica de cada pessoa”, destaca o cabeleireiro visagista Cleverson Ferreira.
Cada ajuste para conquistar a própria beleza deve ser feito com cuidado. Um resultado pode ser esteticamente bonito, mas negativo, caso altere o senso de identidade. O nariz, por exemplo, é a área da ação do rosto, indica a tendência de como agir na vida. Se é proeminente, é associado à curiosidade, coragem de se envolver com novidades e abraçar a vida. Mas também pode ser alvo de comentários maldosos. A redução nessa parte do rosto pode descaracterizar a pessoa, deixando-a mais bonita, num sentido superficial, porém “sem graça”, avisa Philip Hallawell. “A pessoa pode buscar diminuir, mas não deve transformar em um nariz pequeno.” Ele ainda avalia que o nariz feminino menor condiz com um ideal antigo de mulher: delicada, retraída e submissa. “Hoje, a mulher mudou, mas as cirurgias plásticas ainda continuam usando esse padrão”, lamenta.
No entanto, os resultados bem-sucedidos podem ser bastante benéficos. “A partir do momento em que se levanta para escovar os dentes e se olha no espelho, a pessoa vê uma imagem que vai afetando ela própria. Se ela se vê linda, vai agir como tal”, analisa Cleverson. Foi assim que Daniela Miranda se sentiu após alguns procedimentos cirúrgicos, entre eles, a mamoplastia. A advogada de 31 anos viu a autoestima cair com as alterações decorrentes da maternidade de dois filhos, hoje com 14 e 4 anos.
“Com a gravidez, o corpo muda bastante e tem aspectos que você não consegue recuperar só com a academia”, pondera. “Eu estou amando cada mudança, me sentindo mais bonita e melhor.” O cirurgião plástico Armando Cunha deixa claro que o estado psicológico é um agente fundamental. “Às vezes, a pessoa tem uma visualização errada de si mesma, imaginando um problema enorme para algo muito pequeno.”
O fotógrafo André Amaral, que também é cabeleireiro visagista, ressalta a necessidade de se afastar dos objetivos surreais. “O uso excessivo do Photoshop é uma coisa absurda. Nós buscamos uma perfeição irreal. As mulheres não existem da forma como são retratadas”, critica. O caminho apontado pelo visagismo é buscar, dentro das características individuais, o que desejamos expressar com a nossa imagem. No livro Visagismo integrado, Philip Hallawell logo avisa: “Não é uma pergunta fácil de responder, porque nela está embutida outra pergunta: quem é você?”
O rosto por partes
- Testa: ocupa o terço superior do rosto e representa o intelecto. Cobrir a testa com uma franja pode criar um aspecto infantil ou indicar que a pessoa prefere se apoiar mais nas emoções e na intuição.
- Olhos e sobrancelhas: responsáveis pela parte da emoção. O design de sobrancelhas é capaz de mudar radicalmente a expressão de uma pessoa. Mais finas e arqueadas, elas podem dar um ar de poder e imponência e, se em exagero, até de arrogância e maldade.
- Nariz: representa a parte da ação e ritmo, a maneira como a pessoa age. Cada formato transmite sensações variadas. Narizes pequenos, proporcionais e delicados expressam sensibilidade, enquanto o nariz grande, largo, arredondado e com as narinas abertas é sinal de uma pessoa emotiva e aberta.
- Boca: relacionada à intuição, é a parte mais expressiva do rosto depois dos olhos. Ela também se refere à comunicação e à sensualidade. Por isso, é importante ter cuidado ao realçar a boca caso o destino seja um ambiente profissional.
- Queixo: é a parte da vontade e reflete o grau de força, estabilidade e determinação da pessoa. Quanto mais pronunciado, mais a pessoa impõe a sua vontade. O retraído, ao contrário, indica tendência a ser mais maleável.
Os tipos de temperamento
- Colérico: tem gestos firmes e decididos. O formato do rosto é quadrado, com queixo forte e pronunciado. É marcado pelas linhas retas e horizontais. O olhar penetrante e intenso e o cabelo tende ao ruivo ou castanho médio. O tipo colérico é determinado, persistente, objetivo e explosivo. Gosta de liderar e é motivado pelo desafio. Costuma ser direto e franco e pode chegar a ser indelicado ou rude. Entre as fraquezas, estão a impaciência, a intolerância e o autoritarismo. A cor é o vermelho-alaranjado, e o elemento é o fogo. É comum em culturas intensas, fortes e passionais, como a irlandesa, a alemã e a russa.
- Fleumático: os gestos são lentos e prezam pelo conforto e pelo relaxamento. O rosto é, em geral, redondo, mas pode ser triangular, quadrado largo ou oval. O queixo geralmente é retraído e os olhos cerrados, com pálpebras grandes e pesadas, o que lhe dá um olhar cansado. A cor é o roxo e o elemento, a água. É diplomático, pacificador, místico e amigável. Não gosta de confrontos e não é apegado a coisas materiais. Pode se tornar apático e acomodado, com dificuldade de tomar decisões. As culturas fleumáticas valorizam a espiritualidade e tendem a suprimir o indivíduo em favor da coletividade, como a japonesa e a chinesa.
- Melancólico: pode ter tendências artísticas ou científicas. É disciplinado, perfeccionista, paciente, profundo e pensativo. Tende a ser magro e longilíneo e ter o rosto oval. O nariz é longo e fino, a testa, alta, e o queixo frequentemente retraído. É guiado pelas linhas curvas, que expressam lirismo, sensibilidade e delicadeza. Entre as fraquezas, estão a ansiedade, a introversão e a timidez. Pode exigir demais de si próprio, o que leva a problemas de autoestima. A cor é o azul e o elemento, a terra. As culturas em que a organização, a lógica e a reserva são valorizadas tendem a ser melancólicas, como a inglesa.
- Sanguíneo: é ágil, atlético, tem muita energia. Gesticula muito, com movimentos rápidos, expressivos e largos. A fala é clara e articulada. É marcado pelas linhas inclinadas, e o rosto tende a ter formato angular. O perfil é triangular, com a testa inclinada. O cabelo costuma ser escuro e o nariz grande, arrebitado ou proeminente. Os olhos são amendoados ou grandes, a boca expressiva e o sorriso cativante. São pessoas extrovertidas, comunicativas e alegres. No lado negativo, podem apresentar desorganização, dificuldade de se concentrar e ter oscilações entre a euforia e a depressão. É típico das culturas do Mediterrâneo, como a italiana, e, em muitos aspectos, as dos países árabes. A cor do tipo sanguíneo é o amarelo e o elemento, o ar.
Curiosidade
No ano passado, o Brasil superou os Estados Unidos e se tornou o líder mundial em quantidade de cirurgias plásticas. A mais comum é o aumento da mama, seguida pela lipoaspiração. Mas os norte-americanos ainda encabeçam a lista dos procedimentos estéticos que não precisam de intervenções cirúrgicas, como a aplicação de botox.