Por parto humanizado entende-se o respeito às escolhas da mulher no momento do parto, é acreditar na capacidade feminina em parir sem nenhuma interferência, é garantir que nenhum procedimento seja realizado se não for o desejo da paciente. É, por exemplo, estimular a movimentação da gestante durante o trabalho de parto e oferecer métodos não farmacológicos de alívio da dor, como massagens, utilizar água morna em banheira ou chuveiro.
O Brasil é campeão mundial em cesarianas e Uberlândia não foge à estatística. Na cidade do Triângulo Mineiro, o MadreCor é o único hospital que oferecia às gestantes a chance de práticas de assistência humanizadas ao parto e recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O reconhecimento do trabalho é tão significativo que as gestantes que lideram a mobilização na esperança de que a diretoria reveja a postura estão organizando uma passeata para o próximo sábado, 27 de setembro, às 16h, para, em primeiro lugar, agradecer pelo trabalho que o MadreCor tem feito até então. “É uma passeata pacífica, levaremos flores. Vamos marchar em agradecimento a todos os partos que aconteceram lá. Vamos falar da experiência fantástica das gestantes que tiveram seus filhos no hospital, queremos reconhecer o trabalho da equipe de saúde que atua no parto humanizado. Queremos pedir que o MadreCor repense a decisão”, afirma a cirurgia-dentista Cibele Marcondes, 42 anos, que é mãe de Gabriela, de 7 anos e está grávida de 7 meses de um menino, Miguel.
Mas esta é apenas uma linha de frente do protesto. A escolha do tipo de parto é um direito da mulher garantido por lei. “Entramos com ação no Ministério Público para exigir que a Vigilância Sanitária tome as medidas cabíveis em relação ao cumprimento de portarias e normativas do Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde (ANS) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em todas as maternidades de Uberlândia, públicas ou privadas”, reforça Cibele.
- Lei 8.080/1990 que determina que todos os estabelecimentos de saúde estão sob as diretrizes do Ministério da Saúde
- Portarias do Ministério da Saúde que falam sobre as diretrizes terapêuticas relacionada ao parto: 569/2000 e 1067/2005
- RDC 36/2008, da Anvisa
- Normativas da ANS: 262/2011 e 338/2013 e IN 25/2010
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Para ela, a justificativa do hospital de não ter um espaço físico adequado a esse tipo de atendimento não se sustenta. “Acompanho partos há quatro anos, os quartos que o MadreCor disponibiliza para os partos humanizados são satisfatórios para todas as fases do parto e para o alojamento conjunto. O quarto é amplo, o banheiro é ótimo, possibilita colocar banheira. Do lado de fora tem um jardim interno muito bonito onde a mulher pode caminhar. A estrutura atende plenamente, inclusive de equipe de saúde. No início, eram pouquíssimas as pessoas – inclusive profissionais de saúde - que tinham sentimento de segurança com o parto humanizado. Lá, os pediatras tabém apoiam e esse número tem crescido”, salienta.
Sobre o fato de que os gritos das mulheres estariam incomodando outros pacientes, Kelly é taxativa: “A palavra certa é vocalizar, os sons são importantes para os movimentos do trabalho de parto. E se um bebê chora de madrugada? E se um paciente fica nervoso por algum motivo e grita? São situações que podem acontecer dentro de um hospital. A solução é simples, separa duas salas para esse tipo de parto e faz um isolamento acústico”, pondera.
O hospital MadreCor afirma que interrompeu a modalidade de parto humanizado em virtude de vários processos judiciais nos quais foi envolvido. Para Kelly, a instituição resolveu se resguardar. “Só quem não tem conhecimento das evidências científicas dos benefícios para a mulher e para o bebê de um parto humanizado para pensar assim. Existe um preconceito de que esse tipo de parto possa trazer problemas”, diz.
A professora universitária Clarrisa Borges, 38 anos, já integrou o grupo de gestantes Bom Parto e conta que as quatro médicas – são todas mulheres – que fazem parto humanizado em Uberlândia foram comunicadas pela direção do Hospital MadreCor e repassaram as informações às pacientes. “Tive dois filhos lá no hospital de parto humanizado, o primeiro em março de 2011 e o segundo em setembro de 2012. O tempo todo (pré-parto, parto e pós-parto) fiquei no mesmo lugar. Levei uma banheira para encher, levei banquinho de parto, tinha total liberdade de movimento, toda a equipe entendia esse modelo de parto, todos ajudavam no acolhimento”, relata. Para ela, a justificativa da ausência de um quarto no modelo PPP é difícil de entender.
Segundo ela, o MadreCor era uma referência na cidade, foi o primeiro que abrigou obstetras do parto humanizado. “Ficamos muito assustados com tudo isso, os pacientes divulgavam o hospital por causa disso. Muitas gestantes estão desesperadas, sem saber o que vai acontecer dentro do hospital quando derem entrada lá”, revela.
Plano B?
A cirurgiã-dentista Cibele Marcondes mora há dois anos em Uberlândia. Ela é de São Paulo e sua filha mais velha, de 7 anos, nasceu de um parto humanizado hospitalar. “Foi uma experiência muito boa, muito tranquila e, por isso, optamos pelo parto domiciliar nesta segunda gestação”, conta. A cirurgiã-dentista diz que a família se planejou nesse sentido. “Para que meu parto seja feito com segurança, preciso que um hospital esteja apto para me receber caso seja necessário e seria o MadreCor”, conta.
Cibele ainda tenho nove semanas pela frente, mas muitas mulheres estão no final da gestação. "Eles faziam um trabalho muito bom, ofereciam um respiro para toda a comunidade que acredita que a forma de nascer interfere em muitas outras escolhas, inclusive na educação dos filhos. É lei, eu tenho uma filha e quero que, no futuro, ela possa escolher o tipo de parto que deseja”, observa.
Cibele diz que Uberlândia não tem nenhuma maternidade adequada para o parto humanizado. “O Hospital Municipal de Uberlândia e o Hospital da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) incentivam o parto normal, têm isso como premissa e só fazem cesariana quanto tem indicação, nunca uma cesariana eletiva. Agora, as práticas humanizadas de respeitar as escolhas da parturiente no momento do parto isso não acontece”, revela. A mãe de Gabriela e grávida de 7 meses Miguel diz que muitos dos partos normais nessas instituições ainda são com episiotomia (corte entre a vagina e o ânus para, na teoria, facilitar a saúde do bebê); uso de ocitocina sintética para acelerar o trabalho de parto e tricotomia (raspagem dos pelos pubianos). "Depende muito de quem está de plantão", pontua.
Ela diz que a diretoria do Hospital Municipal, permite e incentiva a atuação de doulas no trabalho de parto. “Dependendo do plantonista, elas conseguem atuar na redução da dor com técnicas não farmacológicas, mas são doulas voluntárias, que não estão lá todos os dias”, diz. “Sabemos que usuários do MadreCor se sentiam incomodados com os “gritos” das parturientes, que alguns pacientes se sentiam angustiados e até fizeram denúncia no Ministério Público em relação a isso, mas a verdade é que o hospital tirou da comunidade a única opção viável. Parto normal em bloco cirúrgico é um retrocesso”, completa a cirurgiã-dentista.
Se a situação não se resolver até o final da gravidez de Cibele, ela diz que terá o filho de parto domiciliar em São Paulo, para garantir a transferência para um hospital em caso de necessidade.
O Ministério Público de Belo Horizonte recomendou ao hospital MadreCor que realize os partos já autorizados e que indique local adequado para a realização de novos procedimentos, o que será verificado pela Vigilância Sanitária.
Nota Oficial do MadreCor
O Hospital e Maternidade MadreCor esclarece que interrompeu a modalidade de parto humanizado em virtude de vários processos judiciais nos quais foi envolvido. A instituição ainda está sujeita a enfrentar novos processos em virtude de complicações clínicas dos recém-nascidos, além de não possuir um espaço físico adequado a esse tipo de procedimento.
Reforçamos que o parto normal convencional e o parto cesárea continuam sendo realizados normalmente, em centro cirúrgico com suporte de uma equipe multiprofissional formada por obstetras, pediatras neonatologistas, enfermeiros, anestesistas, etc., como praticado na totalidade dos centros médicos no Brasil, minimizando assim, possíveis danos físicos ao recém-nascido e à gestante.
Reiteramos o nosso compromisso com a excelência no atendimento e ao cumprimento das normas e leis que regem o sistema de saúde nacional, promovendo deste modo um serviço seguro e de qualidade aos nossos clientes.
Diretoria do Hospital e Maternidade MadreCor
Uberlândia, 23 de setembro de 2014.