O estudo, publicado na revista científica Nature, descreve uma série de experimentos com células humanas in vitro e camundongos. Os cientistas partiram de um dilema primordial e que há muito tempo ronda as pesquisas sobre a acondroplasia: a falta de modelos para a doença — formas da enfermidade criadas em laboratório que ajudem no estudo e no teste de novos tratamentos. Para superar esse problema, a equipe liderada por Noriyuki Tsumaki recolheu células-tronco pluripotentes adultas de pessoas com displasia tanatofórica e acondroplasia, tipos recorrentes de nanismo.
As células foram reprogramadas para um estado embrionário e, ao se tornarem ósseas, produziram cartilagem degradada. O resultado era esperado, e o modelo estava pronto para ser testado. Na etapa seguinte, as células que receberam as estatinas tiveram um desenvolvimento normal. Depois, a terapia foi testada em camundongos, que receberam injeção com o equivalente a 1mg por quilo de rosuvastatina, um tipo de estatina. O crescimento ósseo foi mais uma vez restaurado. Os pesquisadores explicam que a ideia de usar a droga contra o colesterol alto veio de uma observação clínica em pacientes que são tratados com ela de forma crônica: eles apresentam uma alteração na cartilagem.
A dose usada nos animais equivale a 70mg por dia em um humano de 70kg. O valor é quase liminar, uma vez que os ensaios clínicos indicam que uma dose de 80mg por dia pode provocar efeitos tóxicos. Dessa forma, apesar de as estatinas representarem um tratamento promissor para doenças ósseas e de cartilagem, a dosagem pode ser um desafio. “Como têm sido administradas a um grande número de pacientes por muitos anos, há abundante informação disponível sobre a segurança delas, apesar de seus efeitos sobre bebês, crianças e adolescentes ainda serem em grande parte desconhecidos”, afirma Tsumaki. Para ele, o importante, nesse estágio do estudo, é que o tratamento salvou ambos os modelos da doença em células humanas e em camundongos, sugerindo que as estatinas podem ser eficazes e aplicáveis em pacientes com displasia tanatofórica e acondroplasia.
Modificação celular
Segundo o chefe do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Roberto Giugliani, os testes feitos pelos pesquisadores do Japão apostaram em duas formas de nanismo causadas por uma alteração genética em um receptor celular ligado ao fator de crescimento existente nas células. “A medicação tem um efeito inusitado de promover o crescimento nos camundongos com esse defeito genético, como se ela fosse um tipo de tratamento para essa condição.”
Giugliani lembra que não se trata de uma terapia gênica. “Não há modificação genética. Em função desse defeito, os camundongos não crescem. Essa medicação causa alguma modificação celular no organismo das cobaias que faz elas voltarem a crescer.” O médico explica que nem mesmo os pesquisadores souberam detalhar o mecanismo de ação óssea.
Uma das vantagens do uso de estatina apontada pelo geneticista é que ela vem sendo usada há anos e é comprovadamente segura, sem grandes efeitos colaterais. Se for comprovado nos humanos o mesmo que ficou descrito nos camundongos, os benefícios seriam inestimáveis. A acondroplasia é uma doença genética que acontece em um a cada 10 mil nascimentos. “Isso significa que, no Brasil, tem mais de 250 pacientes que nascem a cada ano com essa doença. Se esse medicamento for eficaz e essas pessoas, tratadas, será um ganho muito significativo.”
Expressão exagerada
Na acondroplasia, o gene está mais ativo que o normal e traduz proteínas de maneira excessiva. Ricardo Fernando Arrais, do Departamento de Endocrinologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, explica que, pela literatura médica, já se sabe que, quando o gene responsável pelo defeito não consegue se expressar, o crescimento é maior. “A ideia dos pesquisadores era encontrar uma estratégia para diminuir a expressão desse gene e uma das possibilidades acabou sendo as estatinas.”
Arrais resume que os resultados mostraram uma resposta clara nas culturas de células: onde não havia estatinas, as estruturas humanas acometidas pela doença não se desenvolviam; e, nas que receberam medicação, houve uma replicação de cartilagem e uma resposta em termos de crescimento. Ainda assim, o especialista considera importante fazer algumas ressalvas.
Primeiro, não é possível saber se essas drogas vão promover um crescimento adequado em humanos. “Esse é um dado preliminar. Precisamos saber como será o crescimento real do tecido, além de garantir a segurança do tratamento com estatina em indivíduos muito jovens.” Ele reforça que, atualmente, essas substâncias são prescritas apenas para pacientes com 10 anos ou mais, ainda assim de forma cuidadosa por conta da toxicidade. Um dos efeitos colaterais pode ser a lesão muscular. “Eles mesmos (os pesquisadores) levantam esses problemas. Não temos nada em humanos, apesar do indício bastante promissor e interessante.”
Dificuldades intrauterinas
“Os pesquisadores ainda não foram capazes de descrever exatamente qual foi o mecanismo de ação da estatina diretamente nos ossos. A acondroplasia é percebida durante a vida intrauterina e não é possível saber agora quando teríamos que entrar com a medicação ou mesmo a dosagem dela. Ainda não existem trabalhos de segurança para o uso dessas sustância nessa faixa etária. É possível, por exemplo, que a dose precise ser muito maior por ser intrauterina.”
Cristiane Kochi, presidente do Departamento de Endocrinologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo