Na legenda, a frase “primeiro banho na maternidade (e eu tinha medo de molhar a cabeça e entrar água no ouvido)” tenta justificar o registro que agora circula freneticamente pela internet. Seis dias após a publicação (clique e veja), a autora do post no Facebook se manifestou e explicou que o bebê é filho de uma amiga dela e que já tem 3 anos de idade. “Eu gostaria de deixar bem claro sobre o vídeo do bebê que postei que em nenhum momento ele foi maltratado. (...) Ela me passou o vídeo porque comentei que tinha medo de dar banho nos primeiros dias. A enfermeira estava com a pediatra dele presente. Não tive ideia que este vídeo fosse repercutir tanto assim. Fico grata pela preocupação, a mãe idem”. Em 11 de setembro, quando a mensagem foi publicada, o post tinha quase 87 mil compartilhamentos. Hoje, já são quase 240 mil.
O Saúde Plena contactou o Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte, referência em assistência humanizada ao parto para entender o que é preconizado atualmente pela Organização Mundial de Saúde no que se refere ao primeiro banho da criança. A enfermeira obstetra e membro do Comitê de Aleitamento Materno da instituição, Cintia Ribeiro Santos, preferiu não tecer comentário sobre o procedimento adotado pela colega de profissão, mas se ater às evidências científicas que envolvem os cuidados imediatos ao recém-nascido e a promoção do vínculo entre mãe e bebê. “A OMS preconiza o alojamento conjunto. Assim, o bebê nunca é separado da mãe. O banho é um cuidado de direito da mãe, mas enquanto as maternidades tiverem a modalidade de berçário, esse tipo de prática vai ficar acontecendo”, observa. Na visão de Cintia Ribeiro, é a separação da mãe, e não somente a técnica do banho em si, o aspecto crítico que o vídeo revela.
Sem pressa
Dentro do conceito de humanização do parto e nascimento, uma das principais preocupações é acolher bem o recém-nascido para suavizar o impacto da diferença entre a vida dentro do útero e fora dele. Segundo a enfermeira obstetra, o recomendado é esperar entre seis e oito horas até que o primeiro banho seja dado no bebê. “Dar banho logo após o nascimento é tirar da criança o direito do contato pele a pele entre ele e a mãe”, reforça.
Clique e saiba mais aqui sobre a importância do contato pele a pele:
Qual a necessidade de separar bebê e mãe logo após o parto? Veja vídeo que é sucesso na internet
Cintia Ribeiro Santos explica que o primeiro banho é um momento em que a equipe de saúde pode aproveitar para ensinar a mãe a cuidar do filho. Ela alerta, inclusive, que a criança nasce com uma camada que protege a pele chamada vérnix. “Não há necessidade de limpar tudo na primeira vez, também não é necessário uma quantidade grande de sabonete ou shampoo. A cabeça da criança deve ser lavada com cuidado, o banho deve ser aconchegante para o recém-nascido”, explica.
O primeiro banho também é uma oportunidade para inserir a família no cuidado com o pequeno novo membro. “O acompanhante é um direito da mulher. Seja o pai, a avó ou uma tia da criança, a pessoa que vai ajudar aquela mãe em casa também deve ser integrada nesse aprendizado”, reforça. A temperatura recomendada para a água é de 36,5 graus. “O primeiro banho tem um significado grande para a mãe e deve ser respeitado”, diz a enfermeira.
Banho no balde
No Hospital Sofia Feldman, segundo Cintia Ribeiro Santos, o primeiro banho do bebê é dado na presença da mãe prioritariamente em um ofurô (ou balde), mas também pode ser realizado em uma banheira. Nesse momento, a mulher tem a oportunidade de receber as orientações de uma enfermeira que acompanha todo o procedimento. Em 1995, a unidade de saúde que atende pelo SUS recebeu o selo de ‘Hospital Amigo da Criança’. O credenciamento é concedido pelo Ministério da Saúde (MS) e Unicef.
Pesquisadores brasileiros têm desenvolvido estudos sobre essa técnica e já se sabe, por exemplo, que os bebês ficam mais tranquilos, cessam o choro e podem até adormecer durante o banho. O ofurô ou balde também propicia a melhoria de sucção e manutenção da pega no aleitamento materno já que as crianças ficam mais relaxadas após a utilização da técnica. Em países na Europa e também na Austrália, esse tipo de banho é utilizado como parte da rotina na higiene e assistência ao recém-nascido. No Brasil, ainda é pouco adotado. O que esse tipo de balde tem de tão especial é que se assemelha ao ambiente do útero. Na hora do banho, a criança permanece com o corpo dentro da água, em posição fletida, e a cabeça para fora, apoiada pelo cuidador. A enfermeira indica um balde transparente para facilitar a visualização do bebê dentro dele. (Saiba mais sobre os benefícios do banho de balde).
Quantas mães brasileiras já não passaram e ainda passam pela separação de seus filhos logo após o nascimento e sequer sabem como o primeiro banho foi dado em seus bebês? Estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) mostra, por exemplo, que quando os cuidados imediatos ao recém-nascido eram prestados fora do campo visual das mães, muitas mulheres ficavam preocupadas, ansiosas e com medo pela separação.
Cíntia Ribeiro Santos diz que é difícil afirmar que o banho de torneira prejudicou o bebê que aparece no vídeo. “Pode ter entrado água no ouvido, nos olhos? Nós, que somos adultos, quando enfiamos a cabeça debaixo da torneira sentimos desconforto... Bebê não quebra realmente, mas é sensível, acabou de nascer, está conhecendo o mundo externo e precisa de um cuidado humanizado”, conclui.
O Ministério da Saúde define alojamento conjunto como um sistema em que o recém-nascido saudável permanece com a mãe 24 horas por dia, em um mesmo ambiente, desde o nascimento até a alta hospitalar de ambos. Manterem-se juntos possibilita não apenas à mãe, mas ao pai também, receberem orientações sobre os primeiros cuidados com o bebê, estimula e incentiva a amamentação exclusiva por livre demanda, além de reduzir a incidência de infecções hospitalares cruzadas e melhorar a integração com a equipe de saúde.