No início da noite de 11 de agosto, o mundo foi pego de surpresa com a notícia de que o comediante Robin Williams havia cometido suicídio. Era o fim de uma batalha perdida contra a depressão e a dependência em álcool e cocaína. São esses justamente os principais fatores de risco de um mal que, em 2012, vitimou nada menos que 804 mil pessoas em todo o mundo, de acordo com um relatório divulgado em Genebra pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A cada 40 segundos, alguém tira a própria vida em algum lugar do globo. No Brasil, em que 11.821 pessoas praticaram o ato no período do relatório, ocorre um suicídio a cada hora, o que coloca o país no oitavo lugar em números absolutos, atrás de Índia (258.075), China (120.730), Estados Unidos (43.361), Rússia (31.997), Japão (29.442), Coreia do Sul (17.908) e Paquistão (13.377).
Todas essas mortes poderiam ter sido evitadas por estratégias conjuntas de prevenção, alertou Margaret Chan, diretora-geral da OMS, em uma coletiva de imprensa. Contudo, apenas 28 países dos 193 que compõe a Organização das Nações Unidas (ONU) têm políticas preventivas nacionais – no Brasil, embora o Ministério da Saúde tenha publicado uma portaria em 2006 instituindo as diretrizes nacionais para a prevenção do suicídio, que deveriam ser implantadas em todas as unidades da Federação, especialistas criticam a inércia das três esferas na adoção de medidas práticas. “Nada saiu do papel”, denuncia a psiquiatra Alexandrina Meleiro, integrante da Comissão de Estudo e Prevenção de Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e uma das maiores experts nacionais no tema. Procurado pelo Estado de Minas, o Ministério da Saúde não se manifestou até o fechamento desta edição.
Embora Margaret Chan ressalte que o problema seja comum a todos os países do mundo, o relatório Prevenindo suicídio: um imperativo global evidencia que, comparado a 2000, o número de casos em cada 100 mil habitantes está diminuindo nas nações desenvolvidas, que adotaram, de fato, as políticas preventivas. A maioria das ocorrências globais – 75% – se concentra em países pobres e em desenvolvimento, carentes de estratégias efetivas, diz o documento.
“As diretrizes brasileiras são muito boas, foram feitas por pessoas muito competentes. Se tivessem sido implementadas, teriam ajudado muito. Mas elas não foram colocadas em prática”, lamenta a psicóloga Karen Scavacini, que participou da revisão do relatório da OMS. “Na maioria das vezes, nem os próprios agentes do sistema de saúde sabem lidar com o suicídio”, complementa Scavacini, que, na ausência de uma instituição pública, fundou um centro de atendimento, pesquisa, ensino e extensão sobre o suicídio, o Vita Alere.
Avanço entre mulheres
No ranking elaborado pela OMS, o Brasil está na 113ª posição quando se considera as ocorrências por 100 mil habitantes. Com uma taxa de 5,8, o país fica abaixo da média mundial, que é de 11,4. Quando comparada à situação de 2000, houve um aumento de 10,4% no número de casos, sendo que, entre as mulheres de todas as idades, esse crescimento foi mais expressivo: 17,8%. Entre os homens, o percentual foi de 8,2%. A psiquiatra Alexandrina Meleiro adverte que a variação não necessariamente reflete um incremento real nos suicídios – eles podem ser, por exemplo, sinal de que, em uma década e meia, o sistema de notificação melhorou.
Mas a especialista não descarta o contrário: “O número também pode ser muito maior”, observa. Para ela, o aumento verificado entre mulheres sinaliza que elas estão lançando mão de meios mais agressivos para cometer suicídio. “Tentam na proporção de três para cada homem, mas o número de suicídios é inverso: é uma mulher para cada três homens”, conta. Isso porque os homens costumam optar por métodos que dificilmente falham na triste tarefa de dar fim à própria vida. Segundo Meleiro, é possível que as mulheres tenham se rendido a esses mesmos expedientes. Entre as médicas, por exemplo, essa já é uma realidade, diz a psiquiatra e autora do livro O médico como paciente.
Estratégias conjuntas
Para enfrentar o suicídio, a OMS destaca a importância de estratégias conjuntas, que incluem não só o poder público, mas a comunidade como um todo. “As medidas efetivas podem começar a ser tomadas mesmo em nível local, em uma pequena escala”, diz Alexandra Fleischmann, pesquisadora do Departamento de Saúde Mental e Abuso de Substâncias da agência de saúde da ONU. “Toda política é multissetorial. Uma de prevenção ao suicídio vai desde a educação de pessoas-chave, como líderes religiosos e professores, até o atendimento hospitalar”, destaca a psicóloga brasileira Karen Scavacini. “As escolas precisariam de algum tipo de programa de promoção de saúde mental”, afirma, lembrando que, em todo o mundo, avançam as taxas de suicídio entre a população jovem. “Tenho pacientes de 12 anos que já tentaram várias vezes. Muitas vezes, os episódios estão associados à anorexia, ao bullying e à depressão”, conta a autora da publicação E agora? Um livro para crianças lidando com o luto por suicídio.
Um entrave para as estratégias de prevenção é o tabu que ainda cerca o assunto. Tanto o relatório da OMS quanto os especialistas afirmam que as pessoas têm medo e vergonha de pedir ajuda e, quando pensam em fazê-lo, não encontram suporte, com raras exceções. “Para mim, o mais importante hoje em dia é poder começar a falar sobre o assunto. Se você perguntar, todo mundo conhece algum caso de suicídio, e não é só um, são dois, três… Mas ninguém fala, como não se falava de Aids e câncer há 10 anos”, compara Scavacini. Muitas vezes, quando a pessoa exprime o desejo de cometer suicídio, não é levada a sério. A Organização Mundial da Saúde ressalta que, entre os mitos a respeito do assunto, estão o de que falar em se matar é apenas uma forma de chamar atenção e que quem avisa não leva a ideia até o fim.
O documento da OMS destaca outro ponto importante na prevenção ao suicídio: restringir o acesso aos métodos mais usados, como arma de fogo e pesticida – esse último, aplicado principalmente nas regiões rurais de países pobres e em desenvolvimento. “Aqui no Brasil, a venda de remédio de rato já foi proibida, mas voltaram a vender; de álcool líquido a mesma coisa. Temos um controle tão rígido sobre a venda de antibióticos, mas se vendem facilmente medicamentos potencialmente letais”, critica a psiquiatra Alexandrina Meleiro. “Nós podemos vencer essa batalha, mas, assim como se eliminou a poliomielite com vacina, estamos precisando de prevenção”, compara.
Todas essas mortes poderiam ter sido evitadas por estratégias conjuntas de prevenção, alertou Margaret Chan, diretora-geral da OMS, em uma coletiva de imprensa. Contudo, apenas 28 países dos 193 que compõe a Organização das Nações Unidas (ONU) têm políticas preventivas nacionais – no Brasil, embora o Ministério da Saúde tenha publicado uma portaria em 2006 instituindo as diretrizes nacionais para a prevenção do suicídio, que deveriam ser implantadas em todas as unidades da Federação, especialistas criticam a inércia das três esferas na adoção de medidas práticas. “Nada saiu do papel”, denuncia a psiquiatra Alexandrina Meleiro, integrante da Comissão de Estudo e Prevenção de Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e uma das maiores experts nacionais no tema. Procurado pelo Estado de Minas, o Ministério da Saúde não se manifestou até o fechamento desta edição.
Embora Margaret Chan ressalte que o problema seja comum a todos os países do mundo, o relatório Prevenindo suicídio: um imperativo global evidencia que, comparado a 2000, o número de casos em cada 100 mil habitantes está diminuindo nas nações desenvolvidas, que adotaram, de fato, as políticas preventivas. A maioria das ocorrências globais – 75% – se concentra em países pobres e em desenvolvimento, carentes de estratégias efetivas, diz o documento.
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No ranking elaborado pela OMS, o Brasil está na 113ª posição quando se considera as ocorrências por 100 mil habitantes. Com uma taxa de 5,8, o país fica abaixo da média mundial, que é de 11,4. Quando comparada à situação de 2000, houve um aumento de 10,4% no número de casos, sendo que, entre as mulheres de todas as idades, esse crescimento foi mais expressivo: 17,8%. Entre os homens, o percentual foi de 8,2%. A psiquiatra Alexandrina Meleiro adverte que a variação não necessariamente reflete um incremento real nos suicídios – eles podem ser, por exemplo, sinal de que, em uma década e meia, o sistema de notificação melhorou.
Mas a especialista não descarta o contrário: “O número também pode ser muito maior”, observa. Para ela, o aumento verificado entre mulheres sinaliza que elas estão lançando mão de meios mais agressivos para cometer suicídio. “Tentam na proporção de três para cada homem, mas o número de suicídios é inverso: é uma mulher para cada três homens”, conta. Isso porque os homens costumam optar por métodos que dificilmente falham na triste tarefa de dar fim à própria vida. Segundo Meleiro, é possível que as mulheres tenham se rendido a esses mesmos expedientes. Entre as médicas, por exemplo, essa já é uma realidade, diz a psiquiatra e autora do livro O médico como paciente.
Estratégias conjuntas
Para enfrentar o suicídio, a OMS destaca a importância de estratégias conjuntas, que incluem não só o poder público, mas a comunidade como um todo. “As medidas efetivas podem começar a ser tomadas mesmo em nível local, em uma pequena escala”, diz Alexandra Fleischmann, pesquisadora do Departamento de Saúde Mental e Abuso de Substâncias da agência de saúde da ONU. “Toda política é multissetorial. Uma de prevenção ao suicídio vai desde a educação de pessoas-chave, como líderes religiosos e professores, até o atendimento hospitalar”, destaca a psicóloga brasileira Karen Scavacini. “As escolas precisariam de algum tipo de programa de promoção de saúde mental”, afirma, lembrando que, em todo o mundo, avançam as taxas de suicídio entre a população jovem. “Tenho pacientes de 12 anos que já tentaram várias vezes. Muitas vezes, os episódios estão associados à anorexia, ao bullying e à depressão”, conta a autora da publicação E agora? Um livro para crianças lidando com o luto por suicídio.
Um entrave para as estratégias de prevenção é o tabu que ainda cerca o assunto. Tanto o relatório da OMS quanto os especialistas afirmam que as pessoas têm medo e vergonha de pedir ajuda e, quando pensam em fazê-lo, não encontram suporte, com raras exceções. “Para mim, o mais importante hoje em dia é poder começar a falar sobre o assunto. Se você perguntar, todo mundo conhece algum caso de suicídio, e não é só um, são dois, três… Mas ninguém fala, como não se falava de Aids e câncer há 10 anos”, compara Scavacini. Muitas vezes, quando a pessoa exprime o desejo de cometer suicídio, não é levada a sério. A Organização Mundial da Saúde ressalta que, entre os mitos a respeito do assunto, estão o de que falar em se matar é apenas uma forma de chamar atenção e que quem avisa não leva a ideia até o fim.
O documento da OMS destaca outro ponto importante na prevenção ao suicídio: restringir o acesso aos métodos mais usados, como arma de fogo e pesticida – esse último, aplicado principalmente nas regiões rurais de países pobres e em desenvolvimento. “Aqui no Brasil, a venda de remédio de rato já foi proibida, mas voltaram a vender; de álcool líquido a mesma coisa. Temos um controle tão rígido sobre a venda de antibióticos, mas se vendem facilmente medicamentos potencialmente letais”, critica a psiquiatra Alexandrina Meleiro. “Nós podemos vencer essa batalha, mas, assim como se eliminou a poliomielite com vacina, estamos precisando de prevenção”, compara.