Para descobrir as causas desses males, fez todo tipo de teste respiratório. Até que, junto com o mal-estar causado pela asma e pela falta de ar, passou a sentir uma forte sensação de queimação que subia do estômago em direção ao peito. Em geral, essa sensação começava às quatro da manhã. Como não conseguia dormir deitado, perdeu a conta do número de noites que passou tentando pegar no sono assentado numa poltrona.
A saga durou um ano e meio, até descobrir a causa de todos os seus incômodos: refluxo gastroesofágico com repercussões respiratórias.
O refluxo gastroesofágico é hoje a queixa prevalente nos consultórios dos gastroenterologistas. Calcula-se que cerca de 15% da população ocidental apresente sintomas da doença. No Brasil, um estudo do Datafolha indica que pelo menos 12% das pessoas já teve alguma manifestação da doença em pelo menos um momento da vida. O percentual equivale a 20 milhões de pessoas. Os sintomas podem ser restritos ao aparelho digestivo ou podem extrapolar os órgãos digestivos, como no caso de Álvaro Nascimento. “Tosse crônica, rouquidão, pigarro, laringite e até alteração no esmalte dos dentes podem ter o refluxo como causa”, explica o gastroenterologista Luiz Gonzaga Vaz Coelho, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e chefe do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG (HC/UFMG).
A doença do refluxo ocorre quando o conteúdo gástrico do estômago reflui para o esôfago, que é o canal que liga a boca ao estômago. “A mucosa do esôfago não está preparada para conviver com as secreções ácidas do estômago por um período prolongado. Ao refluir, o ácido gástrico machuca a mucosa do esôfago e produz sintomas como queimação, regurgitação e um sensação de azia que sai da boca do estômago em direção ao pescoço”, explica Vaz Coelho. Há casos mais raros, porém, em que esse líquido chega às vias respiratórias, provocando tosse e até asma, e nos quais o ácido estomacal chega à boca, causando erosão no esmalte dos dentes.
As causas da doenças podem ser várias, entre elas obesidade, falta de tempo para uma alimentação saudável no dia a dia, ingestão de alimentos gordurosos, o consumo exagerado de café e de álcool, ingestão de outros alimentos como pimenta, bebidas gasosas e tabagismo. Mas o refluxo também pode surgir com o hábito de deitar com o estômago muito cheio ou o uso roupas apertadas, e ainda por razões desconhecidas. Segundo a gastroenterologista e professora da UFMG, Maria do Carmo Friche Passos, o que dá para perceber é que pessoas obesas têm mais refluxo do que as magras. “Em geral, os obesos comem muita fritura e alimentos calóricos. Porém, a vida moderna também dificulta o controle da alimentação. Além de uma dieta mais balanceada, é preciso comer devagar, mastigar bem os alimentos e jantar pelo menos duas horas antes de ir se deitar”, orienta.
O que muitas vezes ocorre é que, conforme o estilo de vida que se leva, não dá tempo para tomar esses cuidados. Um dos pacientes de Maria do Carmo, por exemplo, trabalha e estuda à noite, jantando ao chegar em casa. “É difícil para ele comer e esperar de uma a duas horas antes de ir se deitar”, observa. De acordo com ela, atualmente, temos mais facilidade para levarmos uma vida mais saudável, com uma dieta ria em fibras. Com isso, as chances de uma pessoa sofrer de refluxo diminuem sensivelmente. “Mas, na correria, as pessoas acabam comendo mal. Costumam sair para a academia com o estômago cheio e deitam-se para fazer abdominal, o que pode causar refluxo”, alerta.
Endoscopia ainda é exame mais comum
Quando o refluxo aparece com manifestações digestivas é fácil de ser diagnosticado e os médicos muitas vezes suspeitam da doença apenas pelas informações dadas pelo paciente. Um dos exames que podem diagnosticar o problema é a endoscopia, desde que o caso seja intenso. Uma endoscopia não é capaz de diagnosticar todos os tipos de refluxo, por isso é bastante indicada para classificá-los. Para avaliar as formas extra-digestivas de refluxo, porém, é preciso recorrer a exames mais complexos que medem a acidez do estômago durante 24 horas. É o caso da pHmetria esofágica.
O gastroenterologista José Mauro Messias Franco lembra que da boca à faringe as vias respiratória e alimentar são só uma. “O ácido que volta do estômago pode chegar à faringe e ir até ao pulmão. Por isso, as manifestações extra-esofágicas como sinusite, faringite crônica, asma e bronquite podem ser sintomas de difícil definição clínica. Muitas vezes o refluxo é o gatilho para esses problemas”, observa.
O tratamento da doença varia conforme a intensidade do quadro. De acordo com Luiz Gonzaga Vaz Coelho, do HC/UFMG, há desde situações em que o paciente sofre de um refluxo médio e se automedica até formas graves nas quais a lesão no esôfago é tão grande que pode levar a sangramento, estreitamento e até ao aparecimento de um câncer no local.
“Quanto maior é o tempo de duração da doença maior a probabilidade de o paciente padecer de um refluxo numa forma mais grave. Pacientes que mostram sinais há mais de cinco anos devem necessariamente procurar um médico”, orienta o especialista da UFMG. Em certos casos, o problema pode ser resolvido com cirurgia. Isso ocorre, por exemplo, quando a doença é causada por um defeito na válvula que deve abrir para dar passagem aos alimentos e fechar imediatamente para impedir que o suco gástrico penetre no esôfago.