O que os elétrons têm a nos ensinar que já não tenhamos aprendido nas lições de química? O mineiro Louis Burlamaqui garante que muito mais do que é passado nas salas de aula. Autor do livro A arte de fazer escolhas, que será lançado em 18 de setembro, Burlamaqui cumpre a difícil missão de relacionar princípios da física quântica com a realidade que nos rodeia. A discussão pretende instigar o leitor a avaliar as escolhas que tem feito em várias áreas de sua vida, entre elas, família, amor e dinheiro. A relação soou improvável? A princípio, sim, mas espere e se surpreenda com a proximidade entre uma coisa e outra.
A começar pelo Princípio da Incerteza, de Heinsenberg. A teoria garante que nunca saberemos a exata posição dos elétrons em um átomo. A partícula parece ter capacidade de teletransporte diante de sua agilidade em sumir e reaparecer em locais totalmente distintos. A desorganização deveria criar um verdadeiro caos. “Era para ser tudo uma grande confusão. Uma bagunça. Mas não é. Dentro da instabilidade, existe uma tendência natural de auto-organização”, esclarece o autor.
Ainda não entendeu? “A gente tem uma tendência a querer ter o controle sobre tudo, quando vivemos a todo momento o Princípio da Incerteza”, afirma Burlamaqui, que é especialista em psicologia. Essa necessidade desmedida de dominar o que não se domina – como um elétron saltando de órbita em órbita – é a grande armadilha na qual muitos se prendem e da qual poucos são capazes de se desvencilhar. Não é por acaso que fazer escolhas se tornou uma arte na obra do autor mineiro, difícil de ser dominada em sua perfeição.
O poeta chileno Pablo Neruda já dizia: “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. Por ser temida pela maioria e evitada por outros tantos, essa prisão dificulta a tomada de decisões especialmente pelo caráter desconhecido, mas também por estar fora de controle e permeada de possibilidades. Se na esfera de um átomo tudo parece funcionar, por que não na dimensão de um indivíduo ou de uma família?
Medo, ansiedade, dúvida, insegurança, apego. Várias são as justificativas para a inércia. Quem decidiu dar um salto no vazio, como descreve o coordenador do curso de psicologia da Fumec, Wilson Soares Leite, reconhece que experimentou todos esses sentimentos, mas não se deu por vencido. Afinal, a vida é uma escolha constante da qual não é possível se esquivar por muito tempo.
Buscar outra forma de viver é assumir o comando da própria caminhada
Ela tinha apenas 15 anos quando fez uma das escolhas mais importantes de sua vida até aquele momento: entrar para um convento. Os pais foram contra e Denise Gomes, hoje com 30 anos, teve que esperar até os 17 para finalmente exercer o seu direito. “Fazia teatro na igreja e comecei a ter as primeiras experiências com a religião. Até então, nunca tinha tido, já que meus pais não são católicos e eu sequer havia sido batizada”, conta Denise.
Em uma oportunidade, ela conheceu o trabalho das irmãs franciscanas e descobriu ali a sua vocação. “Era aquilo que eu desejava. Viver com simplicidade, alegria e servindo ao próximo. Quando entrei, fui morar em Pitangueiras, no Rio de Janeiro, na casa de missão das irmãs”, lembra Denise. Naquele momento, ela já havia feito os votos de castidade, pobreza e obediência. Durante nove anos se doou de corpo e alma ao trabalho desenvolvido junto aos moradores de rua. “Recuperávamos a dignidade que aquelas pessoas haviam perdido”, conta.
Como ela mesma diz, abrir mão da sua vida em função do outro parece bonito, mas custa muito. “É uma renúncia todos os dias. Mas eu tinha um ideal e fui atrás dele. Quando se tem um propósito, uma causa, um motivo, o sacrifício parece pequeno. Aquilo não fica pesado”, garante. Foi quando o seu coração começou a se dividir que ela viu que era hora de fazer outra grande escolha em sua trajetória.
“Comecei a desejar outras coisas, como estudar. A partir do momento em que não se está mais entregue por completo, é preciso avaliar se seu lugar é realmente ali”, ensina. Decidir por sair foi mais difícil que entrar, mas Denise o fez há quatro anos. Começou a faculdade de direito e foi, pouco a pouco, se reinserindo. “Tomei um choque de realidade. Estava à parte. Foram nove anos usando hábito. Tive que descobrir a feminilidade e me encontrar de novo.”
DONO DA EXISTÊNCIA
A coragem de ser o que nem sua família, nem seus amigos e muito menos o restante da sociedade esperavam de uma adolescente de 15 anos colocou Denise no papel de dona da própria existência. “A sociedade monta uma lógica e a apresenta como a melhor. As pessoas entendem aquilo e aceitam. Mas faz parte desse processo a reflexão crítica sobre se é preciso ou não seguir aquele caminho”, afirma Wilson Soares Leite, coordenador do curso de psicologia da Fumec.
As pessoas não se perguntam o que querem, mas sim o que devem fazer. “Tem que ter uma certa dose de coragem para ser você mesmo e se colocar na posição de quem escolhe. Coragem para enfrentar as perdas e rejeição. De ser, realmente, dono da sua existência”, afirma o especialista. Aqueles que ainda não desenvolveram essa habilidade delegam ao próximo a função de escolher em seu nome.
“Essa terceirização ocorre o tempo todo, porque as pessoas querem respaldo para dar aquele passo. Elas fazem isso quando precisam de cúmplice para as decisões. Mas é uma cumplicidade perigosa, porque todos poderão arcar com os desdobramentos”, alerta a psicóloga clínica Valéria Guimarães.
Quanto mais inseguro e frágil está o tomador de decisões, maior a necessidade de chancela. “Essa postura tem relação direta com o nível de autoconfiança. Nesse caso, a pessoa está adotando dois papéis. O primeiro de socialmente aceitável e o segundo de politicamente correto”, reconhece Louis Burlamaqui, autor do livro A arte de fazer escolhas.
TUDO É UMA ESCOLHA
Para Louis, as pessoas têm uma tendência de “vitimização”, quando deveriam assumir o preceito básico de responsabilidade para assumir as escolhas que fazem. “Nós criamos nossa realidade. Tudo que temos à nossa volta é fruto das nossas escolhas. Se não reconhecermos que todos os problemas que temos são criação nossa, não faremos mudanças nas nossas vidas”, afirma.
Na tentativa de estimular uma revisão dos caminhos que escolhemos trilhar, Louis discute em sua obra 10 temas essenciais, entre eles, relacionamento, estresse, dinheiro, amor e produtividade. Ao final de cada página, o autor lança uma pergunta. “Que sentido tem o seu trabalho?”, “Como pretende lidar com os pequenos aborrecimentos diários?”, “Até quando vai engolir coisas que não precisa?”, “Como pode limpar a mente?”. Essas são apenas algumas das questões propostas por ele para que o leitor comece a ter consciência dos passos que tem dado nas pequenas, mas importantes decisões diárias.
Para onde eu vou?
Conforto da casa dos pais e uma carreira bem-sucedida. O que justificaria abandonar tudo isso para viver as incertezas de uma nova história no Havaí? A relações-públicas Daniella Maria Silva Fayette, de 27 anos, foi motivada pelo amor e pela necessidade de levar a vida ao lado de John Douglas Fayette, de 26, com quem namorou a distância por quatro anos até a mudança definitiva.
“Enfrentei muitos medos e ansiedades, sim. Nos últimos meses próximos à minha vinda, praticamente não dormia. Era uma vida nova que me esperava”, conta direto da ilha de Honolulu. Mas como toda grande escolha, Daniella não a tomou de supetão. “Foram anos de planejamento desde o início do namoro, em 2009, até decidirmos entrar com o pedido do visto de noiva em 2012 e a definitiva mudança em setembro de 2013”, garante a relações-públicas.
Apesar de o amor ser o grande combustível para a reviravolta, o coordenador do curso de psicologia da Fumec, Wilson Soares Leite, reconhece que atitudes como essa não podem ser romantizadas. “Não é simplesmente escolher e ir. É preciso tomar consciência desse caminho. Fazer perguntas como a direção em que se quer ir, o que pode encontrar no percurso, o que é preciso para chegar lá, o que será necessário desenvolver em mim para atingir a meta. São questões objetivas que fazem parte de um trabalho de construção para que o alvo seja atingido”, orienta o especialista.
É preciso uma parada diante do desejo e dos rumos que se apresentam, reforça a psicóloga clínica Valéria Guimarães. “Na superfície, escolhe-se fazer ou não. Mas quando se observa de maneira mais ampla, é preciso saber como bancar essa escolha”, pondera. “Uma escolha feita de forma aleatória e sem muito pensamento é uma escolha infantilizada, que as pessoas não conseguem dimensionar, muito menos arcar”, acrescenta a psicóloga.
Daniella e John levaram o planejamento à risca. “Fui guardando dinheiro, pois sabia que teria uma fase desempregada de pelo menos seis meses até o green card sair. Também fui tomando consciência de tudo de que teria que abrir mão, como a vida ‘mansa’ de morar com meus pais e não ter que pagar contas, além do bom emprego”, detalha Daniella.
Sem contar a questão profissional, onde morariam, como seria a fase de adaptação, como lidar com a saudade do Brasil. Considerando todos os fatores, foram dois anos de preparo. Quando finalmente chegou a hora, a relações-públicas garante que teve a serenidade e a tranquilidade para dar o passo que faltava. “O momento de pedir demissão não foi tão difícil, pois já tinha tudo organizado na cabeça.”
CONTROLE
Apesar de saber que não tem controle sobre o desenrolar de uma escolha, Daniella se conforta sabendo que tem controle sobre si e sobre suas decisões. “Não sou obrigada a ficar aqui, não sou obrigada a fazer isso. Seguir essa linha de pensamento deixa a vida mais fácil e hoje sinto menos medo de arriscar.” Ela sabe que outras decisões vão aguardá-la e está preparada para assumi-las. “Daqui a um tempo posso não gostar mais da vida que estou levando, posso querer voltar para o Brasil, posso me arrepender. Mas isso não impede que eu tome outra decisão e mude tudo de novo. Embora não possamos prever o que acontece, a sensação de que ‘eu tenho controle sobre a minha vida’ deixa tudo mais fácil”, reconhece.
Ter autoconhecimento e confiança também ajudam a tornar as decisões mais serenas. “Quanto mais centrada a pessoa estiver nela e mais consciente sobre o que ela é e o que é importante, menos desgastante é o processo de escolha. A pessoa está, inclusive, mais tranquila para perder”, reconhece Wilson Soares Leite.
ACERTAR SEMPRE
Reconhecer que não há escolha certa ou errada e se desprender dessa necessidade de sempre escolher o melhor caminho é outra saída para aquietar a ansiedade e reduzir as angústias. “Sempre, em qualquer decisão que tomo, nunca tenho certeza se vai dar certo. E pode não ser a melhor, mas a partir do momento em que escolho não olho para trás. É preciso deixar claro os erros para não cometê-los novamente, mas não tenho esse olhar de arrependimento”, afirma o empresário Gustavo Hoffmann, de 38, que há três abandonou um cargo invejável em uma das maiores empresas de educação do país para abrir o próprio negócio.
“Foi uma grande virada nesta montanha-russa que é a vida da gente. Já havia deixado de lado minha formação na fisioterapia e toda a carreira acadêmica que tinha conquistado para ingressar nesse grupo”, lembra o empresário. Ir atrás da felicidade é o que faz Gustavo, Daniella e tantos outros mudar a direção da vela e guiar o barco para outros rumos. “Minha proposta e do meu marido é ir aonde o máximo de felicidade estiver e, por enquanto, ela está aqui no Havaí. Amanhã, isso pode mudar, e aí a gente começa a mexer os pauzinhos. Não tem nada de errado em mudar, em arriscar. Hoje, vejo isso com muito mais clareza e coragem”, reconhece Daniella.
Leque de opções - Valéria Guimarães, psicóloga clínica
“Hoje, existe um leque mais aberto de possibilidades que décadas atrás. Antes, a pessoa crescia numa família, escolhia um trabalho, casava, tinha filhos e pronto. Hoje, um dificultador para a tomada de decisões é a quantidade de opções. O que se esperava era mais objetivo. Hoje não se espera apenas que a pessoa esteja bem profissionalmente, case e tenha filhos. Não basta mais esses princípios. Há várias outras ramificações. Desde a escolha sexual, passando por uma certa ética pessoal e até uma postura em relação à sociedade de consumo. A demanda por uma identidade, o saber de si, é muito maior do que antes. E, com isso, o que a gente percebe é um índice alarmante de depressão e angústia.”