Quantas vezes na vida você parou para refletir sobre sua rotina? Na religião judaica, o shabat (ou sabá) simboliza o sétimo dia da criação do mundo. Após trabalhar por seis dias, Deus teria usado o dia seguinte para descansar e contemplar sua obra. A partir desse conceito, surgiu o termo “período sabático” — um momento para interromper a rotina e refletir sobre o que está em curso. O intervalo não significa não fazer nada. Ao contrário: para muitos, é justamente a hora de fazer o que se gosta, seja um curso, seja uma viagem de autoconhecimento, seja um trabalho voluntário. Independentemente de qual for o destino ou a maneira de viver o período sabático, o objetivo é se observar e se conhecer.
Esta matéria está dividida em três partes. Leia também:
Planejamento é necessário para garantir um período sabático produtivo e prazeroso
Como decidir o destino do seu período sabático?
Mas para que serve um período sabático, além de refletir sobre a vida e se conhecer melhor? De acordo com o psiquiatra Thiago Blanco, a meta, na verdade, é aprender a lidar com as adversidades. “O que se espera com esse processo é que o indivíduo se instrumentalize com recursos cognitivos e habilidades para a solução de problemas”, explica. Situações diferentes das que estamos acostumados nos forçam a ter uma reação, mas nem sempre sabemos que reação será essa — até passarmos pelo problema.
Muitas vezes, desacelerar não é só uma questão de querer viver algo novo ou de repensar escolhas, mas uma necessidade real. A Síndrome de Burnout, ou Síndrome da Estafa Profissional, já é uma realidade em clínicas psiquiátricas, de acordo com Tiago Blanco. Causada pelo excesso de trabalho, a síndrome ocasiona sintomas depressivos, instabilidade no humor, esgotamento físico e emocional, agressividade e uma série de outros efeitos negativos tanto para a vida profissional quanto para a vida pessoal do indivíduo. “Por isso, o período sabático é também uma forma de prevenção para problemas psiquiátricos relacionados ao trabalho”, completa o médico.
Para Hermano Wrobel, 66 anos, o período sabático tem um significado especial. O consultor organizacional é adepto do judaísmo, religião em que o shabat é visto como uma fase importante de reflexão e fé. “É uma forma de regenerar todo o seu ser, física, emocional e espiritualmente”, explica. Judeus ortodoxos, segundo Hermano, seguem uma lista de 39 itens proibidos aos sábados, de acordo com costumes antigos. Há mais de 3 mil anos, por exemplo, o fogo era usado para a iluminação. Por isso, até hoje, alguns judeus não usam energia elétrica no sétimo dia da semana. “A partir daí, surgiram as variações, que chamamos de período sabático. Não precisa seguir a linha dos sete dias ou sete anos, é um conceito, um tempo para se fazer diferente do que se faz normalmente.”
O período sabático de Hermano ocorreu em 2008, quando ele decidiu percorrer o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. Ali, acredita-se estar os restos mortais de Tiago Maior, um dos apóstolos de Jesus. O percurso de 800km é feito, geralmente, a pé por 45 dias. “Fiz quando completei 60 anos. Foi um período em que eu consegui refletir sobre o que já tinha vivido e o que queria para o futuro”, conta Hermano. Por dia, ele caminhava de 25km a 30km. Dormia em estalagens ao longo do caminho e, na bagagem, apenas duas camisetas, duas bermudas e um casaco.
A preparação para a viagem se baseou em três pilares: condicionamento físico, reserva financeira e controle emocional. Primeiro, Hermano precisou estar em condições físicas para ser capaz de andar por tanto tempo. Por um ano e três meses, ele frequentou academia de ginástica quatro vezes por semana. Em sua empresa, organizou um planejamento financeiro de modo a conseguir mantê-la ativa por, pelo menos, dois meses sem ele. Reduziu gastos supérfulos e cortou viagens. A parte mais importante da preparação, contudo, foi o fator psicólogico. “É muito difícil ficar sozinho”, justifica. O condicionamento emocional foi conquistado graças a 40 anos de meditação, ioga e terapia. “Fiz a viagem para aprofundar esse processo de autoconhecimento.”
Tanto tempo caminhando apenas com a natureza como companhia o fez refletir sobre a vida que levava. Segundo Hermano, o maior aprendizado foi perceber a importância de tentar encontrar equilíbrio. “Ficar mais de 40 dias com poucas peças de roupa me fez perceber o excesso de consumo que a gente vive”, completa. “Hoje, abro meu guarda-roupa e penso que não preciso de tudo aquilo, mas, ao mesmo tempo, não é possível ter só duas camisas na nossa cultura.” Resgatar o contato com a natureza e com o próprio corpo, sem intervenções ou distrações, também foram espólios da viagem. “Comecei a valorizar mais o caminho do que a chegada.”
O que importa é o caminho
Não ter uma carga horária específica ou mesmo uma rotina definida pode até ser encarado pelos menos informados como falta do que fazer, mas está longe disso. “Não é preciso trabalhar para ser produtivo”, defende o psiquiatra Thiago Blanco. Há várias formas de traduzir a experiência, seja um livro, seja uma música, seja um blog. O importante é ter recursos e, principalmente, um objetivo. É preciso lembrar que a pausa serve para refletir sobre a prática diária. Pode ser que os objetivos mudem, pode ser que não, mas voltar e ser capaz de realizar o próprio planejamento é o segredo. “Sem isso, o período não terá todo o ganho que poderia.”
Prepare a cabeça
É fundamental ter uma preparação do ponto de vista psicológico antes de passar mais tempo consigo mesmo.
O psiquiatra Thiago Blanco explica que existem técnicas de preparação para que a experiência seja vivida da maneira mais efetiva possível. Meditação e terapia são bons pontos de partida. “Essa reflexão é muito favorável para a saúde psíquica de qualquer indivíduo”, defende o médico.
Permitir-se ter essa reflexão a respeito dos próprios desejos, segundo Blanco, garante melhora da qualidade de vida e da produção laboral na volta ao trabalho.
Prepare o bolso
Altermir Farinhas, especialista em educação financeira e em finanças pessoais, ensina que, para se preparar para um período sabático, é preciso se planejar.
-Tenha, por escrito, o planejamento financeiro detalhado.
-Algumas perguntas-chave ajudam a organizar as finanças: qual a duração do período sabático, quais serão as principais despesas (como deslocamento e hospedagem, em caso de viagem) e quais despesas continuarão ocorrendo quando a pausa terminar. É melhor que sobre dinheiro antes da volta.
-As despesas que ficam são as mais esquecidas durante a viagem — porém, não há como ignorá-las quando se volta. Não se deve gastar tudo na empreitada.
-Para pessoas que pediram demissão, o controle precisa ser ainda maior, já que, nesses casos, não serão somente as despesas da viagem que pesarão no orçamento. “É preciso manter uma reserva até encontrar um novo emprego na volta.”