Jogar videogame até uma hora por dia pode fazer com que crianças e adolescentes se tornem mais altruístas

Os exageros, porém, aumentam o risco de comportamentos destrutivos, como o vício em álcool

por Correio Braziliense 23/08/2014 14:00

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Janine Moraes/CB/D.A Press
Silvio e Andrea controlam os jogos de Giovani, que gosta das partidas on-line: "É um ótimo meio de aprender a compartilhar", diz a mãe (foto: Janine Moraes/CB/D.A Press)
Giovani Leo, 8 anos, ganhou o primeiro videogame quando tinha quatro. Desde então, os pais acompanham e controlam o tempo de jogo e o conteúdo, garantindo que a diversão seja apropriada para a idade do garoto. “Olhamos a classificação indicativa, e meu marido testa os que são para 10 ou 12 anos”, conta Andrea Leo. A supervisão, indicada regularmente por especialistas, ganhou recentemente mais aval científico. Estudos ligam o tempo de dedicação aos jogos e o tipo deles ao comportamento de crianças e adolescentes.

Cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, concluíram que jovens que jogam durante menos de uma hora por dia são mais bem ajustados socialmente; os que passam entre uma e três horas não colhem benefícios nem prejuízos da experiência; os que ficam por mais de três horas tendem a ter problemas de satisfação com a vida e com a externalização dos problemas. “Comparado a quem não joga, os que passam menos tempo em frente às telas têm mais atitudes altruístas, facilidade em problemas emocionais e menos problemas de conduta”, explicou Andrew Przybylski, chefe do estudo, publicado na revista Pediatrics.

No caso de Giovani, o controle ganhou ainda mais importância devido a uma intolerância à poeira descoberta após ele ter tido coqueluche. “Ele não pode mais descer para brincar ou fazer atividade física ao ar livre. A distração principal se tornou o videogame”, conta Silvio Leo, pai do menino. O bancário, acostumado a jogar bola com o filho embaixo do bloco, não abandonou os momentos de diversão em conjunto. Ela faz dupla com Giovani nas partidas virtuais. Decisão sábia, de acordo com Przybylski: “O estudo não examinou maneiras de os pais fazerem os filhos jogarem menos, mas eu percebo que os adultos que se envolvem nas atividades acabam conhecendo melhor os interesses e as motivações dos mais jovens”.

O game preferido do menino, Minecraft, também ajuda a reunir os parentes que moram em Ribeirão Preto, São Paulo. “Os primos jogam on-line. Giovani interage bastante com eles durante os jogos”, conta Andrea. O garoto encontra-se ainda com os amigos nos fins de semana para partidas em conjunto. “É um ótimo meio de aprender a compartilhar”, diz a mãe, que faz questão de manter outras atividades para divertir o filho. A família sai, por exemplo, para ver filmes e ir ao teatro e brinca em casa com jogos de tabuleiro.

Przybylski reforça a importância de diversificar o lazer de crianças e adolescentes, uma vez que, segundo estudos coordenados por ele, a força da influência dos videogames sobre a personalidade dos jovens é menor que 1,6%. “Outros fatores, como vida familiar e relações parentais, fraternais e sociais são bem mais fortes.”

Irmão mais velho
Tirar consoles, celulares e outros artefatos tecnológicos das mãos de crianças e adolescentes, no entanto, não é tarefa fácil. Com apenas 5 anos e pouca noção de tempo — comum nessa idade —, Thiago Rocha não gosta de ficar só uma hora jogando. É o prazo definido pela mãe para os dias de semana. “Assim, ele não se distrai nem deixa de fazer os deveres de casa. Se não controlar, passa a manhã toda no videogame”, diz Telma Rocha.

Oswaldo Reis/Esp. CB/D.A Press
Telma só deixa Thiago jogar uma hora por dia. O filho mais velho seguiu as regras e só se diverte aos domingos (foto: Oswaldo Reis/Esp. CB/D.A Press)
A técnica funcionou com o irmão mais velho de Thiago, Luiz Felipe Rocha. Aos 14 anos, ele, agora, só liga o console aos domingos, quando dá preferência aos jogos com super-heróis, como Batman e Super-homem. Em casos como esse — em que há irmãos com diferença etária muito grande — , o melhor a fazer é o que adotou Telma: deixar as regras muito claras. “Quando há alguém dentro de casa que pode fazer coisas que outra pessoa não pode, é bom explicar a causa. Não fazer isso pode ativar a ansiedade da criança e levar a lições erradas, como não dividir”, alerta a psicóloga Marcela Boechat.

Telma também fica de olho para que não haja um intercâmbio de conteúdo. “O Thiago é louco para brincar com os jogos do Luiz, mas ele sabe que ainda não pode. Além disso, sente medo de ligar sozinho e levar um susto”, conta. Quando o pequeno vai brincar on-line, ele sempre mostra para a mãe quais são os jogos infantis e os que são para os mais velhos. “Ele sabe ligar e clicar em tudo, enquanto eu não entendo nada. Ele respeita aos limites de idade, mesmo tendo muita vontade de jogar”, conta. Agilidade no raciocínio e mais reflexo são os benefícios observados por ela em razão da diversão tecnológica do filho.

Identificação com os personagens

O teor dos jogos também foi alvo de estudo científico publicado no Journal of Personality and Social Psychology. Pesquisadores da Faculdade de Dartmouth, nos Estados Unidos, concluíram que videogames violentos e que glorificam personagens antissociais podem aumentar a tendência a comportamentos de risco, como tabagismo e consumo excessivo de álcool, por afetarem a autoimagem de jovens. Estudos anteriores da mesma universidade mostraram que esse tipo de jogo poderia incitar a negligência no trânsito e a agressividade. Segundo os cientistas, a causa do mau comportamento é a identificação com os protagonistas transgressores dos games.

Chefe do Departamento de Ciências Psicológicas e do Cérebro e líder do estudo, Jay Gull explica que os efeitos mais evidentes são agressão a pessoas que não sejam da própria família. “Os garotos são mais propensos a esse tipo de jogo que as garotas. Apesar disso, os efeitos em quem joga são os mesmos, independentemente do sexo”, complementa. Gull conta que as consequências negativas, como delinquência e sexo arriscado, foram maiores entre jovens de 17 e 18 anos.

“É tudo uma questão de equilíbrio”, pondera a psicóloga Marcela Boechat. Para ela, a influência dos games transparece no momento de expressão dos sentimentos. Então, quando há outras experiências para crianças e adolescentes se espelharem, varia a forma com que eles demonstram suas emoções. “É necessária uma válvula de escape longe desse universo violento dos games, como sair com a família para lugares diferentes e ter atividades que incentivem a socialização,” exemplifica.

O estudante Yago Guimarães, 18 anos, joga videogames desde os 8 e sempre teve preferência por jogos de roteiro violento, como GTA. “Eu e meu marido sempre o aconselhamos a sair, fazer atividade física e estudar, mas não o proibíamos de jogar”, conta a mãe dele, Maria da Guia Medeiros. A fisioterapeuta tem certeza de que Yago não foi influenciado negativamente pelos jogos. “Ele tem a cabeça muito boa e é um ótimo filho. A consequência negativa que chama a minha atenção é a postura ruim.”

Janine Moraes/CB/D.A Press
"Nas aulas de história, uma vez o professor estava falando sobre o Dia D, que era tema de um dos meus jogos preferidos. Via toda a história passando na minha cabeça enquanto ele falava", Iago Guimarães, 18 anos (foto: Janine Moraes/CB/D.A Press)
Mesmo com o hobby tecnológico, o jovem sempre teve costume de sair com os amigos nos fins de semana, acampar, fazer atividades físicas ao ar livre e brincar com os cães de estimação. Yago lista os benefícios da paixão pelos games. “Aprendi termos em inglês que só o videogame poderia me ensinar”, diz. “Nas aulas de história, uma vez o professor estava falando sobre o Dia D, que era tema de um dos meus jogos preferidos. Via toda a história passando na minha cabeça enquanto ele falava.”

A psicóloga Marcela Boechat ressalta que há maneiras de impedir que os filhos se descontrolem, como bloquear acesso a sites e jogos: “É bom olhar o histórico para ver o que foi acessado e por quanto tempo. Caso alguma regra tenha sido quebrada, sentar e conversar sobre isso é a solução”, diz.

Valores alterados
Ao longo de quatro anos, os pesquisadores questionaram 5 mil adolescentes norte-americanos escolhidos aleatoriamente por telefone. Era perguntado se eles estavam jogando videogames mais violentos e com personagens antissociais, como Grand Theft Auto, Manhunt e Homem-Aranha. De um modo geral, eles perceberam que esses jogos parecem afetar a forma como os adolescentes pensam sobre si mesmo, com potenciais consequências para o alterego. Portanto, acabam levando a mudanças de atitudes e valores, tornando os jogadores mais rebeldes. Os efeitos foram semelhantes para homens e mulheres e mais intensos entre os que jogavam durante mais tempo.

 

Diversão rotineira
Cerca de 5 mil jovens britânicos com idade entre 10 e 15 anos foram convidados a responder quanto tempo gastam em jogos de computador e console. O mesmo grupo também respondeu a perguntas sobre quão satisfeitos estavam com a vida, os níveis de hiperatividade, de desatenção e de empatia. Os resultados mostraram que três em cada quatro jovens jogam videogame diariamente. 

 

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
Cuidado dos pais
“O papel dos pais na hora de dar limites é fundamental. A ausência causada pelo trabalho faz com que os adultos se sintam culpados e se tornem mais permissivos com relação ao tempo e ao conteúdo dos jogos de videogame. É preciso refletir e se conhecer nesse sentido para depois educar, porque esse tipo de educação não é papel da escola. Acompanhar o filho para ver se o jogo está na faixa etária dele, limitar o tempo para essa atividade e explicar o porquê dessas medidas são os primeiros passos para criar bem, mesmo com o videogame.”
Marcela Boechat, psicóloga