Assim que descobriu que estava grávida, Giselle Carados, 34, bancária, já pensou que precisaria mudar algumas coisas em sua vida. Ela e o marido queriam um filho, então, ela parou de tomar o anticoncepcional. Eles só não esperavam que o resultado seria tão rápido, antes mesmo de terminarem a obra da casa. Ela também não imaginava que viria tão cheio de responsabilidade. “Me toquei de que, a partir dali, eu precisava me cuidar por mim e pelo meu bebê. Eu já não era só uma”, conta. Já tinha frequentado diversos nutricionistas, mas nunca seguido as orientações à risca. Dessa vez, resolveu que apenas colocaria em prática tudo aquilo que sempre ouvia deles: “Passei a comer de três em três horas e muitas frutas, que antes não compunham muito minha dieta”. Giselle também começou a se exercitar. As medidas fizeram com que ela chegasse ao fim da gravidez pesando menos do que quando começou.
Por sempre ter se considerado uma pessoa muito ansiosa, Giselle optou também por ter o acompanhamento de um psicólogo especializado em pré-natal. “As variações de humor eram muito grandes e ele me ajudou a ficar mais equilibrada. Às vezes, por causa da minha ansiedade, eu achava que a Olívia poderia nascer prematura. A grávida vê os problemas com uma dimensão muito maior do que eles realmente têm”, conta. O profissional também foi importante para que ela soubesse lidar com o problema enfrentado no último mês de gravidez: a descoberta de uma doença congênita em Olívia. A menina seria submetida a uma cirurgia já no primeiro dia de nascimento.
Por esses e outros motivos, foi criada a especialidade, dentro da psicologia, focada no período pré e perinatal, que estuda, basicamente, as consequências das experiências vividas durante a gestação, o parto e os primeiros meses ou anos de vida para a saúde física e mental futura do homem. “Quando pensamos na complexidade do processo, do tanto de mudanças que o acompanham, só profissionais voltados para a fisiologia dele não são suficientes. É preciso pensar interdisciplinarmente e na integralidade da gestação”, explica a psicóloga Nadja Rodrigues.
A assistente de contas Thais Melo, 28 anos, conta mentalmente até 10 antes de se estressar com qualquer coisa. Grávida de seis meses e no meio de uma reforma na casa, nem sempre é fácil manter a calma. Heitor sempre se mexe na barriga, mas ela já notou que, quando está nervosa, ele tende a ficar mais quieto, como se para poupá-la. Preocupada com o filho, ela tenta se controlar. “Minha primeira gravidez era mais calma, não tinha obras, a casa estava mais organizada e a Ana Clara nunca teve problema para dormir, nunca precisou dormir comigo na cama. Eu quero que com o Heitor seja assim também e eu imagino que esse nervosismo pode interferir”, lamenta.
A memória do feto
Pesquisas recentes pretendem destruir a ideia de que fetos não teriam sensações, além da hipótese de que seus sentidos não estariam ativados porque o sistema nervoso ainda não está completo. Os cinco sentidos humanos básicos se desenvolvem segundo uma ordem invariável: primeiro, o tato; depois, o olfato, o paladar e a audição; e, finalmente, a visão. Todas as pesquisas concordam: mesmo sem ter alcançado plena maturação, esses sistemas são funcionais desde muito antes do nascimento. Não se sabe ainda qual é o grau de fineza da sua percepção, mas exames por endoscopia do líquido amniótico, conduzidos por volta do sexto mês, produziram no feto acelerações cardíacas imediatas induzidas pelo acender da luz fria do endoscópio, o que demonstra a reatividade visual do bebê.
Está, por exemplo, praticamente provado que o feto é capaz de ouvir a partir da 24ª semana de vida. Eles ouvem e também reconhecem as vozes depois que nascem, o que mostra que têm memória sobre o que acontece quando estão no útero. A maioria dos estudos sobre a capacidade dos bebês de reconhecerem músicas ou estímulos antes de nascer é feita depois do nascimento, mas a equipe de Cathelijne Van Heternen, do Hospital Universitário em Maastricht, mediu a memória do feto no útero. Por meio da pesquisa publicada na revista médica The Lancet, no ano passado, concluiu-se que, mesmo lá, eles já aprendem e têm até memória de curto e longo prazos.
Por meio de uma técnica chamada habituação, método usado pelo sistema nervoso para reduzir ou inibir a resposta a estímulos repetidos, que envolve a repetição de vibrações e sons, os pesquisadores estimularam 25 fetos entre 37 e 40 semanas de gestação. As reações foram observadas por meio de ultrassonografia. Se o bebê moveu um dos membros em um segundo de estimulação, foi considerado como tendo resposta positiva. Quando o bebê não respondeu depois de quatro estímulos consecutivos, os pesquisadores consideraram que houve habituação, já que o bebê reconheceu o estímulo que foi, então, interrompido. Quando a simulação foi repetida 10 minutos e 24 horas depois do teste inicial, os fetos se habituaram mais rapidamente, indicando que tinham uma memória do estímulo.
“No final da gestação, o feto percebe numerosos sons e ruídos da vida cotidiana, é capaz de reagir quando se troca a ordem de um par de sílabas, à passagem de um locutor masculino para um locutor feminino, à mudança de altura de uma nota musical tocada num sintetizador. Sobretudo, os trabalhos mais recentes demonstram que o feto prefere a voz da sua própria mãe. Ele reage como se já possuísse uma identidade, como se percebesse que ‘mamãe está falando comigo’”, revela a cientista francesa Marie-Claire Busnel.
Carla Machado, presidente da Associação Nacional para a Educação Pré-natal — Brasil (Anep — Brasil), cita ainda experiências de hipnose realizadas com adultos e que mostram que muitos têm no subconsciente memórias de quando ainda nem havia nascido. Ela explica que a psicologia já acreditou que não era necessário nenhum tratamento a nível psíquico com crianças de até 3 anos e essas experiências provaram o contrário. Por isso, Carla ressalta a importância de a mãe trabalhar sua relação com o bebê desde a gravidez: “Não se trata de uma doença, de forma alguma, mas é um estado especial da mulher, que deve ser encarado como tal por ela e por todos à sua volta. Ela precisa ser acolhida para acolher o bebê. Vai ser mais uma retribuição que ele dará ao nascer e ao longo da vida”.
Reconstruindo o ambiente uterino
O pediatra norte-americano Harvey Karp tornou-se famoso por ter desenvolvido uma forma simples e eficaz de acalmar bebês e acabar de vez com o choro. Suas técnicas estão sendo usadas em creches e maternidades nos Estados Unidos e até no Brasil. No meio líquido, os movimentos que o bebê fazia não eram tão bruscos. Agora, no meio aéreo, ele leva sustos a cada movimento. Portanto, uma forma de deixá-lo tranquilo seria enrolá-lo bem em uma manta, sem que possa mexer os membros. O segundo passo seria colocá-lo de lado e, por fim, se não funcionar, fazer um chiado forte no ouvido da criança. Dessa forma, simula-se um ambiente conhecido por ela, em que viveu antes de nascer e onde se sentia segura: afinal, poucos lugares são tão apertados e barulhentos quanto o útero. Os bebês nascem e lembram a situação confortável em que viviam antes.