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“Durante quase 40 semanas, nós tomamos todo cuidado para não ingerir certos medicamentos. De repente, eu e meu bebê somos dopados”, reclama. Para ela, assim como demorou mais tempo para que conseguisse amamentar e dar banho na filha, a criação dos laços afetivos também demoram a ser criados. E, se a mãe não estiver muito bem emocionalmente, isso pode ser um problema mais sério. “Minha filha é muito sociável, ótima, mas pode ter traços na personalidade dela que não sei indicar, mas que são fruto de como ela foi tratada no nascimento”, admite. A psicóloga Nadja Rodrigues acredita que há traumas que podem paralisar e causar uma ruptura na relação e outros que são estruturantes, que empurram para frente e podem ser mais emocionantes ainda.
Pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em associação com o Ministério da Saúde e coordenada pela pesquisadora Maria do Carmo Leal chocou por concluir, este ano, que no Brasil são feitas três vezes mais cirurgias cesáreas do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No estudo, foram entrevistadas 23.894 mulheres atendidas em maternidades públicas, privadas ou conveniadas ao Sistema Único de Saúde, entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012. E o pior: não haveria problemas de saúde que justificassem as cirurgias.
Na contramão dos partos medicalizados, surgiu a onda de mulheres como Luanda Brandão, que optam não apenas por ter seus bebês de forma natural, mas em casa. “A geração X acabou envolvida nos dois extremos do nascimento. Ao mesmo tempo que a medicina obstétrica se torna cada vez mais invasiva e tecnológica, pessoas procuram o oposto disso”, explica a canadense Sandy Morningstar, especialista em psicologia do nascimento e autora do livro Who is born? Exploring the birth patterns that shape our lives (Quem nasce? Explorando o nascimentos e os padrões que configuram nossa vida, em livre tradução). Para ela, há, de fato, diferenças entre aqueles que nascem de uma forma ou de outra. Os nascidos naturalmente seriam crianças com a autoestima elevada. Já os que vêm ao mundo por meio de cesárea seriam dependentes, ansiosos e que carregam no subconsciente raiva sobre o mau trato recebido na hora do parto.
Carla Machado, da Anep — Brasil, exemplifica: “Se pensarmos que nosso primeiro habitat é o útero e o segundo é o colo da mãe, se ele se sentir respeitado nesses dois ambientes, vai saber respeitar o terceiro, que é o mundo. Não será uma pessoa com o impulso de poluir o planeta, ela vai retribuir aquele respeito”. Carla compara a reação das mulheres que querem partos domiciliares com o movimento de um pêndulo: se ele vai muito para um lado, volta na direção oposta com o mesmo extremismo. “A escolha tem que vir da mulher e não do status quo médico”, opina.
Estudos apontam que seria mais difícil para mãe e bebê criarem laços afetivos depois de cesáreas. Pesquisa de 2010, da Universidade de Yale, afirma que as diferenças nos hormônios gerados no nascimento podem ser a peça-chave para explicar o fenômeno. As contrações, principal característica do nascimento natural, provocam a liberação da ocitocina, um hormônio que os cientistas acreditam que desempenha um papel fundamental no comportamento das mães.
Tomografias dos cérebros de 12 mães realizadas poucas semanas depois de elas darem à luz mostraram mais atividade em áreas ligadas à motivação e emoções nas que escolheram o método natural de nascimento. O estudo mostrou que, além das diferenças de atividade em áreas do cérebro responsáveis pela resposta aos filhos, a região do cérebro que regula o humor também foi afetada de forma diferente. Por isso, os cientistas acreditam que o parto por cesariana poderia também aumentar o risco de depressão pós-parto. “Nossos resultados apoiam a teoria de que as variações de condições de parto, como as que ocorrem na cesariana, que alteram experiências neuro-hormonais no nascimento, podem diminuir a resposta do cérebro da mãe no começo do período pós-parto”, afirma o estudo que a ajuda a decifrar reações químicas que envolvem a ligação afetiva entre mães e filhos, liderado por James Swain.
Não há, no entanto, estudos de longo prazo que comprovem que mães que deram à luz por cesariana tenham problemas de relação com o filho no longo prazo.
O parto vivenciado pela biomédica Gizah Pereira, 32 anos, foi um misto de como ela sonhava e de como poderia ser. Ficou satisfeita com o nascimento do filho David, 6 anos. Na época, a legislação brasileira não permitia partos domiciliares, como ela queria, e o uso da banheira também precisou ser descartado, já que a duração do trabalho de parto foi de 20 horas, então, o risco de infecção era maior. Gizah colocou na cabeça: “Enquanto só eu estiver sofrendo, não importa por quanto tempo, está tudo bem, eu aguento. Eu só não queria que ele nascesse de um jeito traumático”. David nasceu saudável e naturalmente.
Embora a Organização Mundial das Associações para Educação Pré-Natal (Omaep), organização que congrega 22 associações nacionais, inclusive a Anep — Brasil, diga em seu site que um ser concebido, gestado e nascido em violência é mais propenso a ser violento do que aquele que recebeu o devido cuidado, desde a concepção, partos “dos sonhos”, como o de Gizah e Luanda, estão fora da realidade da maioria das pessoas. Além do desinteresse da maioria dos médicos, os poucos que realizam esse tipo de parto cobram cerca de R$ 10 mil e, na maioria das vezes, não atendem plano de saúde algum. Se “para mudar o mundo é preciso mudar a forma de nascer”, como preconiza Michel Odent, médico francês símbolo do parto natural no mundo, o Brasil parece estar longe de mudar.
"Durante quase 40 semanas, nós tomamos todo cuidado para não ingerir certos medicamentos. De repente, eu e meu bebê somos dopados” - Luanda Brandão
Para ler
O renascimento do parto, de Michel Odent
A vida secreta da criança antes de nascer, de Thomas Verny e John Kelly
Psicologia do feto e do bebê, de Eduardo Sá