Prática de tomar remédios para dormir pode comprometer a capacidade de aprendizagem e se tornar um vício

Pesquisa indica que, no espaço, mais da metade dos astronautas adota estratégia. Solução pode ser perigosa para a saúde

por Isabela de Oliveira 19/08/2014 08:30

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Valdo Virgo / CB / DA Press
(foto: Valdo Virgo / CB / DA Press)
Após aterrissar na Lua em 1969, Neil Armstrong disse não ter conseguido dormir em nenhum momento da noite. Buzz Aldrin, um outro viajante do espaço, contou que 120 minutos foram o máximo de descanso que teve durante as 21 horas em território lunar. O caso dos veteranos não é isolado, afirma um estudo publicado recentemente na revista The Lancet Neurology. A privação do sono continua sendo uma das queixas mais comuns dos cosmonautas. E também de quem está na Terra. Apenas nos países em desenvolvimento, 150 milhões de adultos passam noites em claro. Seja aqui ou no espaço, a solução do problema costuma ser a mesma: os remédios para dormir.

A Nasa determina que os astronautas tenham pelo menos oito horas e meia de sono. Entretanto, a pesquisa liderada por Laura Barger, do Brigham and Women's Hospital (EUA), revelou que não é isso que acontece. O estudo investigou 101 astronautas que somaram mais de 4 mil noites de sono na Terra e 4,2 mil no espaço. De acordo com os resultados, membros da tripulação em voo espacial — que fazem viagens intermitentes — dormem em média 5,9 horas. Os que passam temporadas na Estação Espacial Internacional (ISS), seis horas. Apenas 12% dos episódios de sono nas missões intermitentes e 24% na ISS duraram sete horas ou mais. Em casa, por outro lado, o primeiro e o segundo grupos registraram, respectivamente, 42% e 50% de noites com no mínimo sete horas de descanso.

Barger também constatou o uso generalizado de medicamentos para dormir, em especial os produzidos a partir das substâncias zolpidem e zaleplon. Três a cada quatro membros da tripulação da ISS e 78% dos astronautas em missão intermitente, em algum momento, lançaram mão desse recurso. De forma geral, as substâncias hipnóticas foram usadas em mais de metade (52%) das noites em missões espaciais. O uso rotineiro desses medicamentos é particularmente preocupante porque a FDA — uma espécie de Anvisa norte-americana — adverte que ingestão dessas pílulas impede o envolvimento em ocupações perigosas.

Experimentos conduzidos em ratos pela brasileira Karina Zanin, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), reafirmam os efeitos adversos desses medicamentos nos processos de aprendizagem. “Eu administrava o medicamento antes de a cobaia aprender uma tarefa, mas ela não se lembrava do que deveria ter aprendido. Isso é uma coisa que já era observada em práticas clínicas”, detalha. Para ser seguro, o medicamento, segundo a biomédica, deve ser usado imediatamente antes de a pessoa dormir. Ao contrário do que acontece, jamais deve ser prescrito a pessoas que trabalham com altos níveis de atenção, como astronautas e policiais.

Segundo Zanin, o zolpidem é menos agressivo ao corpo. Mesmo assim, estudos relatam que algumas pessoas podem ficar dependentes dele. “Não é tão comum, como ocorre com outros remédios, mas isso não significa que a pessoa conseguiria responder a um alerta após ter tomado uma substância para dormir. Os ratinhos, pelo menos, ficaram completamente sedados”, adverte. O Instituto Brasileiro do Sono estima que cerca de 51 milhões de brasileiros com mais de 18 anos têm dificuldades para dormir e pelo menos 1,5 milhão só dorme com auxílio de medicamentos.

"Não é tão comum, como ocorre com outros remédios, mas isso não significa que a pessoa conseguiria responder a um alerta após ter tomado uma substância para dormir”
Karina Zanin, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo

 

Ligação com o suicídio
Um estudo publicado recentemente pelo Journal of American Medicine Association demonstra que adultos mais velhos que sofrem de distúrbios do sono são mais propensos a morrer por suicídio. O alerta serve principalmente para os profissionais de saúde, já que os distúrbios do sono, além de altamente tratáveis, são menos estigmatizantes do que outros fatores que indicam risco de tirar a própria vida.

Pesquisadores da Universidade de Stanford (EUA) estudaram 420 pessoas com idade média de 75 anos por 10 anos. Eles descobriram que aquelas que não tinham o sono “restaurador” — capaz de promover o descansando cerebral — tinham 1,4 vez mais chance de morte por suicídio. O mais curioso é que essas pessoas não sofriam de doenças psiquiátricas.

Thiago Blanco, psiquiatra do Hospital de Base do DF e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo, pondera que, embora esse risco aumentado seja pequeno, ele é significativo. “O que chama atenção é que não existiu associação com o humor”, diz o médico. Blanco ressalta a importância de diferenciar a ansiedade normal de distúrbios do sono que se sinalizam mais sérios, como a depressão e a esquizofrenia.

“A ansiedade é um processo normal de reações orgânicas. O problema é quando isso causa muitos prejuízos. Nos casos leves, técnicas de relaxamento e recursos não medicamentosos, como alimentos e chás, ajudam. Às vezes, produtos naturais também. Mas isso não quer dizer que dispensem cautela, pois também geram malefícios, dependendo da forma como são usados.” (IO)

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
Cuide da higiene do sono

“A insônia pura é mais difícil de diagnosticar. Geralmente, acontece em decorrência de alguma coisa, como depressão, transtorno de ansiedade e até menopausa. As mulheres são as que mais sofrem com ela. A vida que a gente leva, com certeza, influencia nesse problema. As pessoas têm mais acesso à informação, dormem tarde, são agitadas e ainda deitam vendo televisão ou mexendo no celular. O organismo não entende que é hora de dormir. É preciso tentar outras alternativas antes do remédio, como a higiene do sono, que basicamente é preparar-se para o descanso. Por mais seguros que sejam, medicamentos como o zolpidem também podem gerar vícios. É raro, mas acontece.”
Karina Zanin, biomédica pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)