Publicado na revista especializada Neuron, o estudo coordenado por Mark Tuszynski, da Universidade da Califórnia San Diego, foi capaz de criar neurônios a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (IPSCs, na sigla em inglês), que, uma vez transplantados para roedores, mostraram-se capazes de recuperar lesões na região cervical. As IPSCs são estruturas muito similares às células-tronco embrionárias, apresentando as mesmas características de autorrenovação e sendo capazes de se transformar em qualquer tecido do organismo. Contudo, em vez de serem retiradas de um embrião, são fabricadas em laboratório a partir de células adultas.
De acordo com Jaderson Costa da Costa, neurologista do Instituto do Cérebro do Hospital São Lucas, da PUC-RS, as iPSCs podem ser obtidas a partir do cultivo de qualquer célula do corpo, sendo as mais utilizadas para essa técnica os fibroblastos da pele. “Para que se tornem células pluripotentes, devem ser expostas a vetores que contenham genes que conferem um estado de indiferenciação celular”, explica.
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Depois de transformadas em neurônios, as células foram aplicadas em camundongos que tinham sofrido lesão medular havia duas semanas. Os cientistas notaram, então, um crescimento notável ao longo do comprimento do sistema nervoso central dos camundongos. Para Tuszynski, a pesquisa abre novas possibilidades de estímulo do crescimento de neurônios em humanos com lesões medulares. “Esses resultados indicam que os mecanismos neuronais estão aptos a superar as barreiras criadas por algum tipo de lesão na medula espinhal e estendem axônios por toda a coluna vertebral”, afirma o autor do estudo.
O fato de a contusão tratada ser recente é um dado importante, de acordo com o neurocirurgião Roberto S. Martins, do Hospital Israelita Albert Einstein. “De uma forma geral, quanto mais precoce o tratamento é instituído, maior é a chance de não haver modificações definitivas no sistema nervoso, o que influencia os resultados”, aponta.
Longo caminho
Dando sequência ao experimento, os pesquisadores observaram as mudanças nos animais por três meses. Os exames mostraram a formação de neurônios maduros e o crescimento de fibras nervosas ao longo de toda a medula espinhal. Porém, mesmo apresentando conexões entre os neurônios dos camundongos e os implantados, os cientistas não foram capazes de restaurar a funcionalidade das células danificadas. “As conexões podem não ser adequadamente funcionantes ou insuficientes para atingir a função. A reconstituição de toda a via nervosa é extremamente complexa, por isso, não basta só reconstituir a via, é preciso haver uma integração efetiva entre elas”, analisa Martins.
Para Márcio Vinhal, neurocirurgião do Hospital Santa Luzia, os resultados obtidos pelo estudo são inovadores, mas ainda falta um longo caminho até a recuperação completa da medula. “Do ponto de vista laboratorial, houve um grande crescimento dos neurônios na região da lesão, mas ainda não temos a funcionalidade deles”, explica. O médico ressalta que o feito dos pesquisadores americanos — o de terem sido capazes de reproduzir os neurônios — é inédito, mas apenas o primeiro passo.
Jaderson Costa concorda: “O estudo é preliminar e, embora os resultados sejam promissores, várias barreiras devem ser vencidas para que se obtenha melhora significativa na função motora e sensitiva”. Vinhal complementa lembrando que, só com a restauração da funcionalidade dos neurônios, será possível recuperar o movimento dos membros. “É como o monstro de Frankenstein, que precisava de um choque elétrico para viver. Precisamos encontrar uma forma de criar a corrente necessária para que os neurônios voltem a funcionar”, compara.
Martins destaca, ainda, o fato de que não basta as células se desenvolverem, serem incorporadas e estabelecer conexões. “A função final obtida, como caminhar, é uma atividade complexa e depende da integração de várias vias em diversos níveis do sistema nervoso, que devem ser reconstituídas desde a medula até o órgão enervado.”
Enquanto essa etapa não é resolvida, os especialistas apostam em experimentos realizados com células-tronco dos próprios pacientes, e não de terceiros. A expectativa é de que, dessa forma, talvez se consiga um resultado ainda mais positivo. Para Costa, as vantagens de se utilizar tratamentos com células iPSCs são inúmeras. “Essa alternativa elimina o conflito ético do uso de células-tronco embrionárias e facilita a obtenção de grande quantidade para os transplantes”, afirma.