Na segunda-feira, ele não tem hora para levantar. Reservou a manhã para descansar da agitada noite de domingo. Mas Jô, como é conhecido, não é nenhum garotão, embora tenha cabeça tão jovem quanto a da filha adolescente. O engenheiro aposentado Cleveland José Andrade dos Reis tem, na verdade, 61 anos, e, sim, às vezes vira noites tocando em bares da capital. Titular da bateria da Hocus Pocus, uma das principais bandas cover de Beatles do mundo, é um cara de bem com a vida, que depois de muito trabalho resolveu dedicar seu tempo a uma grande paixão: a música.
Jô entra na estatística dos idosos brasileiros, mas por um pequeno detalhe: a data cravada na carteira de identidade. O espírito jovem, os planos, o jeito otimista de olhar para frente destoa de muitos homens da sua idade que se aposentaram como ele, mas se agarraram ao controle da televisão. Casado pela segunda vez, com Telma, de 54, e pai de Luiza, de 16, trabalhou na rede ferroviária e no metrô até 2006. Jô tinha 53 anos quando decidiu se aposentar. A legislação permitia, a empresa passava por uma mudança política que não o agradava e ele tinha outra paixão à qual se dedicar.
“Financeiramente, não perdia nada, e tinha um sonho de adolescente de mexer com música. Por isso me preparei para esse momento. Não me imaginava como outros homens que se aposentam para ficar dentro de casa, perdendo qualidade de vida, murchando”, explica o músico que se prepara para começar uma nova fase da vida. Depois da mudança de trabalho, ele tem outra meta, já encaminhada: ter uma casinha nas montanhas, em um condomínio fechado. “Os sonhos mudam, nunca acabam”, ensina.
VIDA PLENA O modo como o brasileiro encara a aposentadoria é um dos aspectos que precisam mudar para que o homem tenha uma vida plena. Para João Bastos Freire Neto, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), a qualidade de vida foi colocada em segundo plano: os homens estariam mais preocupados com o sucesso profissional e financeiro. “É essa a grande armadilha. Ele constrói um patrimônio financeiro, mas não cria um patrimônio social. Durante a fase mais produtiva, ele trabalha demais e não se dedica à atividade física, aos prazeres, às relações com grupos diversos”, alerta.
Nos países mais desenvolvidos, a questão cronológica não é problema. “Essa visão de que só até os 60 anos o homem é bom para a sociedade é muito nossa. Lá fora, as pessoas estão trabalhando e não pensam nisso como uma situação ruim. Não pensam em produzir até determinada idade para depois parar e aí começar a viver. O certo é trabalhar e viver, todo o tempo”, defende. O mexicano Carlos Slim, considerado o homem mais rico do mundo, surpreendeu com sua recente declaração de que as pessoas deveriam trabalhar três dias por semana, mas até os 75 ou 80 anos, ocupando os outros dias com atividades diversas.
O segredo, para o geriatra João Bastos, é algo para fazer dia após dia. É isso que explica a vitalidade de muitos homens do campo, que exercem trabalhos físicos até uma idade mais avançada. Um pequeno agricultor dorme cedo, acorda cedo, come bem e sempre trabalha. Se naquela semana ele está plantando, é para colher na sequência, e assim seguir o ciclo. “A prioridade do homem da cidade grande é acumular riqueza financeira, às vezes em um trabalho que não é prazeroso. Ele pensa que vai se divertir depois que deixar de trabalhar, mas ele nunca experimentou isso antes e não vai começar a viajar aos 70 anos”, diz.
Chegar aos 80 em plena atividade é um resultado de como a pessoa conduziu sua vida. Isso inclui hábitos saudáveis, mas também uma inserção social. Não basta se alimentar bem, fazer atividade física, evitar fumo e álcool. Um envelhecimento bem-sucedido exige mais do que isso. “Que vida tem uma pessoa que acorda e não tem nada para fazer? As pessoas trabalham muito por um período e param de uma vez. Não ter o que fazer leva a um envelhecimento precário. O que move as pessoas é ter uma ação para ser realizada no dia seguinte”, explica o geriatra.