Os efeitos da flexibilização na formação dos filhos começam a chegar ao mercado de trabalho. Dentro de casa, meninos e meninas cada vez mais aprendem que não precisam assumir papéis predefinidos — elas, o de procriadora; eles, o de provedor. Com isso, a sociedade e as empresas ganham mulheres que se posicionam com mais firmeza na profissão escolhida e seguem determinadas no mundo do trabalho. Um estudo publicado na revista Psychological Science atesta esse fenômeno. Cientistas do Departamento de Psicologia da University of British Columbia, nos Estados Unidos, concluíram que casais que dividem igualmente as tarefas domésticas são mais propensos a criar filhas ambiciosas profissionalmente. “Tentativas de modelar o sucesso feminino no trabalho podem ter efeitos limitados em mudar as aspirações das jovens se elas ainda observam e assimilam desigualdades em casa”, defende o texto publicado.
A pesquisa sugere que ações domésticas exercidas pelo pai, como lavar a louça, levar os filhos ao médico ou ir à reunião da escola, podem fazer mais efeito que palavras. Mesmo quando o casal fala em casa sobre a igualdade de gênero, se mantida a divisão tradicional do trabalho doméstico, as filhas são mais propensas a se imaginar executando funções habitualmente femininas, como enfermeira, professora, bibliotecária e dona de casa. Participaram do estudo 326 crianças com 7 a 13 anos e pelo menos um dos pais de cada uma delas. Eles foram questionados sobre o trabalho remunerado e a divisão das tarefas do lar. O resultado foi que a maioria dos jovens ainda liga a responsabilidade dos filhos e os serviços da casa à mãe, mas, analisando os dados em categorias, essa percepção foi bem menor entre os que presenciavam a divisão igualitária dentro de casa.
Segundo Lorena Karonine, psicóloga de mulheres e família, é no lar que se iniciam os padrões de interação e de escolhas pessoais que servirão de base para os filhos quando se tornarem adultos. De acordo com os ensinamentos recebidos, eles terão atitudes mais ou menos corajosas e sociáveis. “Aprendem, assim, a encarar a sociedade que, para toda a vida, estará em constantes mudanças.” Palmira Guimarães, 48 anos, saiu de casa aos 16 anos para estudar em Juiz de Fora, em Minas Gerais, e não tem dúvidas de que o que aprendeu com o pai e a mãe foi determinante para o caminho que vem trilhando. “Ela perguntava: ‘filha, quando você crescer, vai querer ser professora como a mamãe?’ E eu respondia: ‘não, vou ser dentista como o papai”, ri. Palmira se formou em odontologia.
Dessa época em que viveu em Cataguases (MG), ela se lembra do pai, Darcy Domingues, na cozinha fazendo pratos salgados e doces. “Principalmente o peru de Natal, que ele faz com tal precisão que ninguém consegue superar”, detalha. Além disso, ele a levava para o consultório nas férias e ensinava aos poucos as tarefas da profissão. “Aprendi muita coisa. Quando fiz minha primeira dentadura, nem pensava em cursar a faculdade nessa área.”
Até hoje, Palmira foi aprovada e convocada em oito concursos públicos na sua área de atuação. Mira o próximo, na Secretaria de Saúde, pois se mudou para Brasília há dois meses devido à transferência do marido, que é oficial da Aeronáutica. Ela também se lembra com carinho da mãe ensinando as tarefas domésticas aos filhos. “Ela não poupava ninguém. Eu e meu irmão fazíamos várias coisas. Quando levantávamos, arrumávamos as camas antes mesmo de lavar o rosto”, exemplifica. A dentista repete a lição com filha, Carolina Guimarães, 16. Valoriza tanto as obrigações de casa quanto os estudos. “Todos, independentemente do sexo, devem aprender as tarefas domésticas. Os jovens estão mal acostumados, têm tudo na mão. Não sabemos o que pode acontecer amanhã.”
Primeiro contato
De acordo com a psicóloga Lorena Karonine, a personalidade começa a ser formada a partir dos 5 anos em um processo que envolve pessoas, objetos e ambientes e dura até a adolescência. O pai costuma ser o primeiro contato de uma filha com o universo masculino. Portanto, acaba influenciando no desenvolvimento de algumas características masculinas que ela terá. Desde que se casou, o funcionário público Fábio Nogueira, 40, divide as tarefas domésticas com a mulher, Luciana. O casal tem dois meninos e Anne Catelli, 13, quer se formar em direito e ser advogada. “Sinto prazer em arrumar a casa. Anne vê e segue isso desde pequena”, conta Fábio, formado, assim como a companheira, em direito.
Como aconteceu com os dois irmãos, aos 2 anos, Anne recebeu a responsabilidade de arrumar o quarto e se lembra claramente das pequenas tarefas realizadas na primeira infância: “Lembro de limpar sujeirinhas do chão, de varrer…” Outra ação que ela presencia desde pequena, mesmo acompanhando de longe, é a conversa mensal dos pais para discutir as responsabilidades financeiras. Mas, na mesa, conversa, esporadicamente com todo mundo da família sobre igualdade de gênero. “A opinião dela é bem forte, posiciona-se muito bem. Minha filha tem respostas rápidas e argumentos bons para a idade”, orgulha-se o pai.
A prática é indicada pelos pesquisadores da Universidade de British Columbia. Segundo eles, a conversa sobre o tema é fundamental, apesar de o exemplo levar à real compreensão do fato. “Os resultados sugerem que, mesmo em nossa atual sociedade progressiva, com mensagens explícitas nas quais a igualdade de gêneros é encorajada, as jovens desenvolvem crenças de papéis sociais para cada gênero a partir de sinais sutis e indiretos do comportamentos da mãe e do pai”, defende o artigo.
As tarefas na casa de Rafaella Brito, 24, e do irmão Miguel Augusto, 19, são divididas pela mãe, mas todos fazem um pouco de tudo sem qualquer divisão por gênero. “Ontem mesmo, o meu menino passou a tarde toda lavando roupa e cortando a grama”, conta Roberto Brito, 49. O servidor público diz não ter muito tempo nos dias úteis para as tarefas domésticas, mas, no fim de semana, passa pano no chão, lava louças e tira pó dos móveis. Desde a infância, Rafaella vê os pais trabalhando unidos para manter a casa em ordem e começou a ajudá-los aos 9 anos, arrumando a cama e guardando a louça nos armários.
A estudante do último ano da faculdade de direito planeja ser procuradora ou defensora pública. Apesar de entender os serviços domésticos como um grande passo para a independência, conta que, se morar sozinha, pretende ter a ajuda de alguém para fazer os serviços de casa para poder se focar na vida profissional. “É muito importante, mas quero trabalhar com total dedicação.” Quando montar a sua família, porém, a jovem diz que fará questão de dar lugar ao que cresceu vivendo: a igualdade. “Não vou fazer sozinha se estiver com alguém, a pessoa tem que entender que com todos fazendo é mais rápido e justo.”
Persistem os estereótipos
Segunda a pesquisa feita no Departamento de Psicologia da University of British Columbia, tanto para os pais quanto para as crianças, há uma influência grande dos estereótipos ligados aos gêneros. As meninas que participaram do estudo responderam mais que querem tomar conta das crianças quando crescerem em vez de ter uma carreira. Os pesquisadores também notaram que as garotas tendem a diminuir o tempo dedicado à carreira — trabalhando, por exemplo, meio expediente — para ficar com a família e permitir que o parceiro se dedique com exclusivamente aos planos profissionais.
AVANÇO PROFISSIONAL
Confira o aumento da participação feminina no mercado de trabalho
Ocupação Porcentagem em 1993 Porcentagem em 2004
Médicas 36,3% 41,3%
Advogadas 35,1% 45,9%
Procuradoras e advogadas públicas 40,6% 43,3%
Magistradas 22,5% 34,4%
Engenheiras 11,6% 14%
Arquitetas 51,5% 54,1%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego
A pesquisa sugere que ações domésticas exercidas pelo pai, como lavar a louça, levar os filhos ao médico ou ir à reunião da escola, podem fazer mais efeito que palavras. Mesmo quando o casal fala em casa sobre a igualdade de gênero, se mantida a divisão tradicional do trabalho doméstico, as filhas são mais propensas a se imaginar executando funções habitualmente femininas, como enfermeira, professora, bibliotecária e dona de casa. Participaram do estudo 326 crianças com 7 a 13 anos e pelo menos um dos pais de cada uma delas. Eles foram questionados sobre o trabalho remunerado e a divisão das tarefas do lar. O resultado foi que a maioria dos jovens ainda liga a responsabilidade dos filhos e os serviços da casa à mãe, mas, analisando os dados em categorias, essa percepção foi bem menor entre os que presenciavam a divisão igualitária dentro de casa.
Segundo Lorena Karonine, psicóloga de mulheres e família, é no lar que se iniciam os padrões de interação e de escolhas pessoais que servirão de base para os filhos quando se tornarem adultos. De acordo com os ensinamentos recebidos, eles terão atitudes mais ou menos corajosas e sociáveis. “Aprendem, assim, a encarar a sociedade que, para toda a vida, estará em constantes mudanças.” Palmira Guimarães, 48 anos, saiu de casa aos 16 anos para estudar em Juiz de Fora, em Minas Gerais, e não tem dúvidas de que o que aprendeu com o pai e a mãe foi determinante para o caminho que vem trilhando. “Ela perguntava: ‘filha, quando você crescer, vai querer ser professora como a mamãe?’ E eu respondia: ‘não, vou ser dentista como o papai”, ri. Palmira se formou em odontologia.
Dessa época em que viveu em Cataguases (MG), ela se lembra do pai, Darcy Domingues, na cozinha fazendo pratos salgados e doces. “Principalmente o peru de Natal, que ele faz com tal precisão que ninguém consegue superar”, detalha. Além disso, ele a levava para o consultório nas férias e ensinava aos poucos as tarefas da profissão. “Aprendi muita coisa. Quando fiz minha primeira dentadura, nem pensava em cursar a faculdade nessa área.”
Até hoje, Palmira foi aprovada e convocada em oito concursos públicos na sua área de atuação. Mira o próximo, na Secretaria de Saúde, pois se mudou para Brasília há dois meses devido à transferência do marido, que é oficial da Aeronáutica. Ela também se lembra com carinho da mãe ensinando as tarefas domésticas aos filhos. “Ela não poupava ninguém. Eu e meu irmão fazíamos várias coisas. Quando levantávamos, arrumávamos as camas antes mesmo de lavar o rosto”, exemplifica. A dentista repete a lição com filha, Carolina Guimarães, 16. Valoriza tanto as obrigações de casa quanto os estudos. “Todos, independentemente do sexo, devem aprender as tarefas domésticas. Os jovens estão mal acostumados, têm tudo na mão. Não sabemos o que pode acontecer amanhã.”
Primeiro contato
De acordo com a psicóloga Lorena Karonine, a personalidade começa a ser formada a partir dos 5 anos em um processo que envolve pessoas, objetos e ambientes e dura até a adolescência. O pai costuma ser o primeiro contato de uma filha com o universo masculino. Portanto, acaba influenciando no desenvolvimento de algumas características masculinas que ela terá. Desde que se casou, o funcionário público Fábio Nogueira, 40, divide as tarefas domésticas com a mulher, Luciana. O casal tem dois meninos e Anne Catelli, 13, quer se formar em direito e ser advogada. “Sinto prazer em arrumar a casa. Anne vê e segue isso desde pequena”, conta Fábio, formado, assim como a companheira, em direito.
Como aconteceu com os dois irmãos, aos 2 anos, Anne recebeu a responsabilidade de arrumar o quarto e se lembra claramente das pequenas tarefas realizadas na primeira infância: “Lembro de limpar sujeirinhas do chão, de varrer…” Outra ação que ela presencia desde pequena, mesmo acompanhando de longe, é a conversa mensal dos pais para discutir as responsabilidades financeiras. Mas, na mesa, conversa, esporadicamente com todo mundo da família sobre igualdade de gênero. “A opinião dela é bem forte, posiciona-se muito bem. Minha filha tem respostas rápidas e argumentos bons para a idade”, orgulha-se o pai.
A prática é indicada pelos pesquisadores da Universidade de British Columbia. Segundo eles, a conversa sobre o tema é fundamental, apesar de o exemplo levar à real compreensão do fato. “Os resultados sugerem que, mesmo em nossa atual sociedade progressiva, com mensagens explícitas nas quais a igualdade de gêneros é encorajada, as jovens desenvolvem crenças de papéis sociais para cada gênero a partir de sinais sutis e indiretos do comportamentos da mãe e do pai”, defende o artigo.
As tarefas na casa de Rafaella Brito, 24, e do irmão Miguel Augusto, 19, são divididas pela mãe, mas todos fazem um pouco de tudo sem qualquer divisão por gênero. “Ontem mesmo, o meu menino passou a tarde toda lavando roupa e cortando a grama”, conta Roberto Brito, 49. O servidor público diz não ter muito tempo nos dias úteis para as tarefas domésticas, mas, no fim de semana, passa pano no chão, lava louças e tira pó dos móveis. Desde a infância, Rafaella vê os pais trabalhando unidos para manter a casa em ordem e começou a ajudá-los aos 9 anos, arrumando a cama e guardando a louça nos armários.
A estudante do último ano da faculdade de direito planeja ser procuradora ou defensora pública. Apesar de entender os serviços domésticos como um grande passo para a independência, conta que, se morar sozinha, pretende ter a ajuda de alguém para fazer os serviços de casa para poder se focar na vida profissional. “É muito importante, mas quero trabalhar com total dedicação.” Quando montar a sua família, porém, a jovem diz que fará questão de dar lugar ao que cresceu vivendo: a igualdade. “Não vou fazer sozinha se estiver com alguém, a pessoa tem que entender que com todos fazendo é mais rápido e justo.”
Persistem os estereótipos
Segunda a pesquisa feita no Departamento de Psicologia da University of British Columbia, tanto para os pais quanto para as crianças, há uma influência grande dos estereótipos ligados aos gêneros. As meninas que participaram do estudo responderam mais que querem tomar conta das crianças quando crescerem em vez de ter uma carreira. Os pesquisadores também notaram que as garotas tendem a diminuir o tempo dedicado à carreira — trabalhando, por exemplo, meio expediente — para ficar com a família e permitir que o parceiro se dedique com exclusivamente aos planos profissionais.
AVANÇO PROFISSIONAL
Confira o aumento da participação feminina no mercado de trabalho
Ocupação Porcentagem em 1993 Porcentagem em 2004
Médicas 36,3% 41,3%
Advogadas 35,1% 45,9%
Procuradoras e advogadas públicas 40,6% 43,3%
Magistradas 22,5% 34,4%
Engenheiras 11,6% 14%
Arquitetas 51,5% 54,1%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego