É o que estão tentando fazer os educadores do Colégio Mangabeiras, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. De acordo com a professora de ciências Marianne Garcia de Resende, de 33 anos, a escola deixou de trabalhar as questões ambientais de forma apenas conceitual para atuar em projetos nos quais os alunos passam de fato a ter contato com o meio ambiente. Que o digam os alunos do 8º e 9º anos do ensino fundamental, que desde 2010 estão aprendendo a trabalhar os três pilares da sustentabilidade: o meio ambiente, o lado social e o econômico. “Convidamos os alunos a acordar para a realidade chamando a atenção deles para o consumismo, como a troca excessiva de celulares”, explica Marianne.
Fora da sala de aula, os alunos são levados a conhecer a mina de uma companhia mineradora e podem presenciar o impacto visual das cavas, assim como a mudança que a atividade exerce na paisagem e na qualidade da água. Além disso, visitam municípios que sofreram e sofrem com o impacto dessa atividade econômica. “Eles começam a entender o lado social, vão ao posto de saúde, percebem que a qualidade do ar não é tão boa e que a mineração tem muita influência nas doenças que acometem os moradores” , diz a professora, que também ensina aos alunos que apesar dos problemas não dá para voltar a viver como os homens das cavernas.
“Na escola a gente aprende a ser menos consumista. Mas saindo de lá é difícil aplicar o que aprendemos porque a sociedade não dá espaço para isso”, reconhece Luísa Amaral, de 14, estudante do 9º ano no colégio. Na visão dela, é fácil deixar de ir a um determinado lugar onde estão maltratando as baleias, mas não comprar roupas de determinadas marcas que usam trabalho escravo na confecção das peças é diferente. “Isso a gente acaba empurrando para debaixo do tapete porque é difícil aplicar na prática”, reconhece.
DESCARTÁVEIS
Na contramão dessa tendência, o baterista e estudante Bruno Assis, de 17, não se sente tão atraído assim pelo consumo. “Outro dia, fui ao shopping com meu pai para comprar um tênis. Entrei na loja, encontrei um tênis legal e experimentei, mas não quis levá-lo. Na hora caiu a ficha de que eu não precisava daquilo”, diz. Por outro lado, o adolescente admite que se o pai tivesse oferecido uma baqueta (acessório para baterias) é bem possível que aceitasse. “Faria um ótimo uso e além disso seria uma coisa que me ajudaria muito. Mas se eu já tivesse 10 baquetas, só aceitaria outra se ela fosse muito especial”, observa.
Por trás da corrida pelo consumo está a fabricação de produtos cada vez mais descartáveis e a ampliação e as facilidades do crédito. Valdson Lopes, mais conhecido como Edu, é proprietário da Edu Oficina de Brinquedos, uma loja de reparação de artigos que existe há 40 anos. De acordo com ele, de 15 anos para cá a demanda por consertos caiu cerca de 30%. “Muito disso tem a ver com o fato de os brinquedos de hoje serem descartáveis”, diz. A arquiteta Priscila Dias de Araújo concorda. Mãe de dois filhos, ela conta que nunca levou um brinquedo para o reparo. “Levar para consertar é sem chance. A qualidade dos brinquedos de hoje é muito pior, eles se quebram facilmente. Muita coisa nem tem conserto”, diz.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Desirée Ruas, coordenadora do Movimento Consciência e Consumo e colaboradora do Movimento Infância Livre de Consumismo
Que tipo de problemas o consumo excessivo pode gerar?
Muitos, mas entre os principais está a distorção de valores. As crianças estão se transformando em adultos antes da hora. O que está sendo mostrado a elas é que o ‘ter’ é mais importante que o ‘ser’. Assim, os valores que estão sendo construídos são destrutivos para o meio ambiente e para o ser humano. O limite entre o consumo e o consumismo é muito sutil.
É possível viver com pouco?
Há pessoas que vivem com muito pouco e não têm necessidade de suprir suas carências emocionais com o consumo, mas hoje a criança já começa sua vida inserida nesse contexto, sem ter maturidade para isso.
Consumir produtos ecologicamente corretos ajuda?
Muitas empresas colocam no mercado produtos com rótulo sustentável, mas que muitas vezes são completamente desnecessários. É o que chamamos de produto maquiado. Mas sustentável mesmo é deixar de consumir, só que isso é muito difícil. Nossa crítica é que os fabricantes se apropriam do discurso ecológico e continuam vendendo.
PENSE NISSO...
1) Por que comprar?
Você realmente precisa do produto ou o está comprando por impulso ou sob influência da propaganda? É preciso lembrar os limites do planeta e o que realmente é importante na vida de cada um. Isso muitas vezes significa “ter” algo não material no lugar do material, como mais tempo para atividades com a família e os amigos.
2) O que comprar?
Ao definir qual produto comprar, é preciso analisar as opções disponíveis e escolher as características que realmente atendem às nossas necessidades. Atributos demais que nunca serão usados são puro desperdício. A ideia é levar em conta também a qualidade e durabilidade do produto, além de suas características de segurança.
3) Como comprar?
À vista ou a prazo? Conseguirei manter as prestações em dia? Perto ou longe de casa? Como vou buscar e levar minhas compras? De carro, ônibus, bicicleta, a pé? Em sacolas plásticas, sacolas duráveis, caixas de papelão? Tudo isso deve ser levado em conta.
4) De quem comprar?
Ao escolher o fabricante, é importante considerar a forma de produção, o cuidado no uso dos recursos naturais, o tratamento e a valorização dos funcionários, o cuidado com a comunidade e a contribuição para a economia local.
5) Como usar?
É essencial encontrar formas de usar de maneira consciente os produtos e serviços adquiridos, de modo a evitar a troca sucessiva de itens sempre que algo novo surge no mercado ou entra na moda.
6) Como descartar?
Quando realmente não houver novos usos para o produto, deve-se descartar os resíduos de maneira correta, buscando enviar o que for possível para a reciclagem. Não existe “jogar fora”: o “fora” é o nosso planeta, onde todos vivemos.
Fonte: Instituto Akatu
Publicidade abusiva
Para proteger as crianças, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), instituição máxima das políticas públicas para a infância e a adolescência no país, publicou em abril a Resolução 163, que considera abusiva a publicidade voltada a crianças e adolescentes. O Conanda considera abusivo o direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço, como anúncios que contêm linguagem infantil, trilhas sonoras de músicas infantis, desenho animado, promoção de distribuição de prêmios ou brindes colecionáveis com apelo ao público infantil, entre outros aspectos. Para o Conanda, no entanto, a resolução está sendo desrespeitada.