Saúde

Pacientes com hepatite C aguardam revolução terapêutica

Expectativa está em torno da chegada de medicamentos que vão deixar o tratamento mais eficaz, rápido e com menos efeitos colaterais. Diagnóstico tardio é um grande problema

Carolina Cotta

Este ano, o Dia Mundial de Alerta para as Hepatites, celebrado nesta segunda-feira, tem um significado especial. Uma revolução no tratamento é esperada com a entrada de novos medicamentos no mercado. Já adotados nos Estados Unidos e aguardando aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), eles vão encurtar o tratamento de 48 para 12 semanas (ou 24 em casos mais graves); aumentar a eficácia de 70% para mais de 90%; acabar com a necessidade de injeções semanais e diminuir, consideravelmente, os efeitos colaterais.


Atualmente, o tratamento adotado no Sistema Único de Saúde (SUS) é caro, longo, de eficácia limitada e desencadeador de muitas reações adversas no paciente. Segundo o gastroenterologista e hepatologista João Galizzi Filho, outra mudança importante do novo modelo terapêutico é que esse não precisará, necessariamente, ser acompanhado por um especialista. Com a simplificação, os clínicos gerais que atuam nos postos de saúde poderão prescrever o tratamento, hoje feito por hepatologistas, gastroenterologistas e infectologistas.

O HCV, vírus causador da hepatite C, tem diferentes genótipos. Os principais no Brasil são o 1 (mais resistente ao tratamento e responsável por 70% dos casos), o 2 e o 3 (de menor prevalência e mais fáceis de ser tratados)
O HCV, vírus causador da hepatite C, tem diferentes genótipos. Os principais no Brasil são o 1 (mais resistente ao tratamento e responsável por 70% dos casos), o 2 e o 3 (de menor prevalência e mais fáceis de ser tratados). O tratamento realizado no Brasil para o tipo 1 combina três medicamentos: interferon peguilado (um imunomodulador aplicado por injeção subcutânea, uma vez por semana), ribavirina (comprimidos diários que, em função do peso do paciente, podem chegar a quatro ou cinco) e inibidores de protease (pode ser o telaprevir ou o boceprevir).

Esses inibidores, que atuam sobre enzimas essenciais para a replicação do vírus no organismo, são usados há pouco mais de quatro anos e já foram responsáveis por elevar as chances de cura. O telaprevir é usado por apenas 12 semanas; o interferon e a rivabirina, por 48. Segundo Galizzi, os efeitos colaterais mais comuns são perda de peso, falta de apetite, anemia, baixa de leucócitos e/ou plaquetas e, por vezes, uma reação cutânea que pode ser intensa e grave, levando alguns pacientes a interromper o tratamento. “Além de sofrido, é necessário acompanhamento médico cuidadoso, às vezes com consultas médicas quinzenais”, explica.

 

 
 
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Uma campanha vai alertar a população, principalmente aquela com mais de 45 anos, sobre a importância de fazer o teste anti-HCV, específico para detecção do vírus da hepatite C. A ideia é também conscientizar os próprios médicos, de todas as especialidades, a solicitarem o exame de sangue, simples e de baixo custo, que nas unidades públicas de saúde é, inclusive, gratuito. A iniciativa é da Sociedade Brasileira de Hepatologia, Sociedade Brasileira de Infectologia e Associação Médica Brasileira.

 


Importação cara
As novas opções também atuam inibindo as enzimas. Segundo Enrico Arruda, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, enquanto o simeprevir é um inibidor de protease de segunda geração, com menos efeito colateral e mais potência em relação aos de primeira geração, o sofosbusvir é de outra classe de medicamentos: um inibidor da enzima polimerase. A combinação dos dois prescinde do uso de interferon, que é o principal causador dos efeitos colaterais.

Esses dois já são adotados nos Estados Unidos e por medida judicial podem ser importados por pacientes brasileiros, mas o valor, segundo Edison Parise, presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia, pode chegar a R$ 450 mil. Outros medicamentos na mesma linha estão em fase final de aprovação das agências reguladoras americana e europeia e podem, por causa da concorrência, pressionar uma baixa nos preços. Como todo tratamento é via SUS, espera-se uma negociação com o Ministério da Saúde, possível único comprador.

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Segundo o hepatologista Raymundo Paraná, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a maioria dos pacientes brasileiros, mesmo os privados, fazem o tratamento no SUS, que fica sobrecarregado. Com status de tratamento inovador, classificação que agiliza a aprovação, outra promessa é um tratamento que combina três compostos, de diferentes mecanismos de ação. “Os estudos mostraram eficácia entre 92% a 100%, com taxa de abandono muito baixa, entre 0,6% a 2%”, adianta José Eduardo das Neves, diretor médico da Abbvie, laboratório que desenvolveu o modelo.

Sinais demoram a aparecer
Ao entrar no organismo, o vírus HCV gera uma hepatite C aguda, que pode ou não ter sintomas. Esses podem, inclusive, ser bem parecidos com os de uma virose qualquer. “Nem todos ficam com o olho amarelo, como imagina a população. Essa ausência de alerta é outro motivo que reforça a importância de se fazer o exame.” Cerca de 20% dos infectados consegue eliminar o vírus, pela ação do sistema imunológico. Os outros 80% vão desenvolver a hepatite C crônica, doença arrastada que pode levar de 25 a 30 anos para dar o primeiro sinal.

Durante a evolução da doença, mais lenta em mulheres e jovens, o vírus lesiona o fígado progressivamente. Oitenta por cento dos pacientes com hepatite C crônica não desenvolvem uma inflamação importante, mas 20% terão cirrose, que, já em 2005, era a oitava causa de morte entre homens no Brasil. A hepatite C é a segunda causa de doença crônica do fígado no Brasil, perdendo apenas para o álcool. Cinquenta por cento dos transplantes de fígado e 70% dos casos de câncer de fígado são consequências da hepatite C.

O desafio é o diagnóstico: mais de 90% não sabem que têm a doença, que tem cura. “Pacientes na fase leve, quando tratados, têm sobrevida igual à da população geral e mesmo nos pacientes cirróticos ou pré-cirróticos é possível eliminar o vírus e praticamente estabilizar a doença”, explica Parise. Como se pega é outro estigma. Só 6% da transmissão é sexual. Mais de 50% dos casos vêm de transfusão de sangue e compartilhamento de material perfurocortante. Hoje há mais cuidados, em função do avanço da Aids. O problema é que muita gente foi infectada há mais de duas décadas.

LESÕES

A discussão de métodos não invasivos para estadiamento de fibrose hepática em diversas doenças do fígado, substituindo a tradicional biópsia, foi um dos destaques do Congresso Hepatologia do Milênio, encerrado sexta-feira, em Salvador. O diagnóstico da hepatite C é feito por exame de sangue específico, o anti-HCV. Se positivo, a confirmação ocorre por um teste mais direto, o PCR, que dosa a proteína do vírus no sangue. Já a lesão que a doença provoca no fígado pode ser medida por exames de sangue que dosam as enzimas transaminases (TGO e TGP), ultrassonografia de abdome e a biópsia, por meio de punção por agulha.

Segundo Galizzi, nos últimos anos estão sendo desenvolvidos métodos não invasivos, como exames de sangue com marcadores biológicos e outros baseados em métodos de imagem, caso do Fibroscan, ARFI e outros. “Eles tentam detectar e estagiar a fibrose e o grau de evolução da doença, permitindo que se prescinda da biópsia em até 70% dos casos. Já estão disponíveis no Brasil, porém com limitações. O mais eficaz deles tem seu aparelho, o Fibroscan, com preço, no Brasil, até 10 vezes maior que na Europa. O acesso ainda é muito pequeno.”