O comportamento de montar em outros animais, ou em pessoas, é bastante comum, ainda que provoque estranhamento e dúvidas. As causas são variadas, mas especialistas afirmam que a ideia de orientação sexual não se aplica aos pets. O buldogue, é claro, foi logo adotado por uma dona mais bem informada, como é a família do estudante Felipe Lopes, de 21 anos.
Eles têm quatro cachorros machos e lidam com naturalidade com o assunto. “Sempre aceitamos como um comportamento comum, nunca nos incomodou”, relata. A principal motivação para a monta ou tentativa de “cruzar” com pets do mesmo sexo é a demonstração de dominância. O veterinário especialista em comportamento canino Renato Buani explica que a atitude serve para expressar hierarquia, submeter o outro a uma situação de vulnerabilidade. “É algo normal, que acontece tanto no ambiente selvagem quanto no doméstico”, pontua.
Nos filhotes, o hábito cumpre o papel de brincadeira e treino sexual para a fase adulta, afirma o adestrador Luciano Robson. “Em geral, incomoda mais quando acontece com pessoas”, destaca. Esse costume deu trabalho para a professora Juliana Brito, 38 anos, que tinha um dachshund, raça canina mais conhecida por salsicha. “Eu tive problema demais porque ele ficava montando nas pessoas”, conta.
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As atitudes envolvidas na hierarquia entre os animais devem ser encaradas de forma natural, mas podem contar com intervenções quando a situação se torna insistente. A estudante Paula Macedo, 21 anos, tinha uma fêmea de pastor alemão de 5 anos, porém teve conflitos com a chegada de duas cadelas mais novas, de 5 meses. Uma das novatas assumiu o papel de líder, mas a outra ficou mais submissa e se tornou o alvo sexual das demais. “Ela tremia de medo, corria”, descreve. Após oito meses, a cadela acabou fugindo da casa.
Para resolver problemas como esses, é importante evitar que os animais se sintam inseguros da posição na matilha. A hierarquia deve ser respeitada, mas impondo regras para deixar claro o lugar de comando do dono. “Às vezes, as pessoas ficam com pena e favorecem o cão submisso, o que cria um conflito cada vez maior. O dominante pode chegar a tentar formas de agressão”, alerta o adestrador Luciano Robson.
Outra recomendação é retirar o animal ou desfocá-lo de uma situação inadequada ao pedir qualquer outra atitude, como sentar. “Depois que premiamos o novo comportamento, o cachorro tende a parar o anterior. É um processo de troca”, explica o comportamentalista canino Renato Buani. Ele também aconselha evitar gritar ou bater.
A policial Mônica Marques, 40 anos, tem um casal de gatos e um cachorro, e procura estar sempre atenta às atitudes deles. “O gato macho tenta montar tanto nas pessoas quanto no cachorro. Eu não deixo que ele aja dessa maneira. Quando ele começa a fazer isso, o tiro do lugar.” Ela também conta que os visitantes que tiveram contato com alguma cadela no cio costumam atrair o cachorro. “O instinto fala bem mais alto. É da natureza, mas como eles não estão no meio selvagem, nós tentamos evitar”, avalia Mônica.
A professora Christine Souza, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Brasília, indica que castrar pode ser uma solução viável. “Ocorre mais com machos não castrados, devido à influência do hormônio testosterona. O ideal é castrar assim que o animal começa a agir dessa maneira, antes de virar um hábito.”
Ela enfatiza, no entanto, que é preciso analisar o ambiente e o relacionamento com as pessoas e os outros bichos. “Às vezes, o problema é porque o animal está pouco ou muito à vontade na casa. Não tem uma solução única, e é possível procurar opções menos traumáticas que a castração”, afirma.
Homossexualidade no reino animal
Mesmo que muitos estudiosos descartem a ideia de homossexualidade, o tema gera controvérsias. “Ainda é tudo muito especulativo nessa área, não dá para afirmar com certeza. Existem estudos em animais selvagens, mas sem muita relação com animais domésticos”, pondera a veterinária Christine Souza, da UnB. Alguns casos são bastante representativos e intrigantes.
O comportamentalista canino Renato Buani relata a conduta de uma cadela da raça border collie com a qual ele teve contato. Ela foi comprada para reprodução, mas recusava todos os machos. Após realizar uma bateria de exames, os níveis hormonais e demais resultados estavam todos dentro do normal, e a cachorra não apresentava nenhum problema de relacionamento com o principal pretendente masculino. No entanto, ela se mostrava interessada nas fêmeas e foi necessário optar pela inseminação artificial.
Um dos principais pesquisadores da área, o biólogo canadense Bruce Bagemihl, afirma que o comportamento homossexual foi documentado em mais de 450 espécies em todo o mundo e inclui uma variedade de práticas. O cortejo para atrair membros do mesmo sexo, a estimulação genital e a formação de pares que, por exemplo, chocam ovos “adotivos” são padrões presentes em animais como pássaros, baleias e macacos.
Em livro publicado em 1999, Biological exuberance, ele também inclui comentários sobre observações em animais domésticos. O pesquisador acredita que a compreensão do fenômeno foi prejudicada pelo preconceito ao lidar com o assunto e principalmente por desafiar a ideia de que o sexo é voltado de forma exclusiva ou primordialmente para gerar descendentes. Aliviar tensões sociais, aumentar a coesão do grupo e a simples sensação de prazer são outras motivações que ele acredita serem igualmente importantes para a prática sexual.