Tuberculose, Aids e malária matam menos, mas momento não é de relaxar

Pesquisadores atestam que, de uma forma geral, os países bateram meta estabelecida em 2000 para a redução das três infecções, mas alertam que é preciso manter a vigilância

por Bruna Sensêve 22/07/2014 14:00

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Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
As três doenças, incluindo a tuberculose, correspondem às principais causas de perda de saúde nos países pobres (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Quando 189 países do mundo (hoje são 193) se reuniram em 2000 e decidiram concentrar esforços para a redução da pobreza e a melhoria da saúde global, os objetivos eram audaciosos. Entre as oito metas estabelecidas, a sexta (MDG-6) está voltada exclusivamente para o combate ao HIV, à malária e à tuberculose. Até 2015, as nações se comprometeram a frear e reverter a propagação do vírus da Aids e a incidência das outras duas doenças. Os efeitos da assinatura desse documentação puderam ser observados imediatamente, com aumentos substanciais no financiamento da saúde tanto por parte dos doadores tradicionais quanto por fontes de financiamento inovadoras. Como consequência: a ampliação das intervenções preventivas e de salvamento. Os resultados advindos desses estímulos começam a ser divulgados nesta terça-feira, há poucos meses do prazo final, em edição especial da revista científica Lancet e na apresentação na Conferência Internacional de Aids 2014, iniciada no último domingo, na Austrália.

Os dados foram agrupados por um time de pesquisadores internacionais responsáveis pelo Estudo de Carga Global das Doenças (GBD-2013). Esse é considerado o maior esforço já realizado para descrever profunda e amplamente a distribuição de uma série de enfermidades, lesões e fatores de risco. E, de acordo com a publicação, as taxas são bastante animadoras. Atualmente, menos pessoas morrem das três doenças infecciosas. O número de novas infecções pelo HIV caiu quase um terço do que foi considerado o pico epidêmico. Em 1997, a incidência global do vírus atingiu o seu máximo, com 2,8 milhões de novas infecções e, desde então, diminuiu cerca de 2,7% ao ano. As mortes de crianças por malária na África Subsaariana, por sua vez, caíram 31,5% entre 2000 e 2013, período em que os óbitos devido à tuberculose sofreram diminuição de 3,7%.

Na opinião do professor da Universidade de Melbourne e cofundador do GBD, Alan Lopez, as três doenças correspondem às principais causas de perda de saúde nos países pobres e devem ser o foco principal da ação da saúde global concertada. “Sem isso, corremos o risco de estagnação ou, pior ainda, de reversão inescrupulosa de ganhos recentes”. De acordo com o documento, o HIV tornou-se uma doença com a qual as pessoas vivem e não da qual morrem. Essa conclusão pode ser tirada dos mais de 20 milhões de anos de vida salvos durante a última década por meio de programas assistenciais.

As intervenções mais bem-sucedidas que proporcionam esse resultado hoje incluem a ampliação do acesso ao tratamento antirretroviral, a prevenção da transmissão vertical (de mãe para filho) e a profilaxia para impedir a infecção. Dos milhões de anos salvos com a melhoria das condições de saúde, 14% foram poupados em crianças com menos de 15 anos de idade, 50% entre indivíduos de 15 a 49 anos e os outros 36% em pessoas com mais 50.

Valdo Virgo /CB / DA Press
Clique para ampliar (foto: Valdo Virgo /CB / DA Press)
O preço relativamente baixo para cada ano salvo é o que os pesquisadores consideram uma das maiores conquistas. Se for comparado o valor total investido na prevenção e no tratamento da doença de acordo com os anos de vida preservados, a proporção para os países em desenvolvimento fica de US$ 4.498 por ano. Somente em 2011, as doações para a causa acumularam US$ 7,7 bilhões, o equivalente a 1.711.871 de anos de vida salvos apenas naquele ano. Segundo Christopher Murray, cofundador do estudo GBD, os números mostram que o investimento global salva vidas a um ritmo muito veloz, porém a qualidade dos programas que combatem o mal varia muito. “Precisamos aprender com os melhores e acabar com os piores”, acredita. Murray é o responsável pela apresentação das informações, hoje, na Conferência Internacional Aids 2014.

Dados precisos
Os resultados são uma atualização do mesmo estudo feito em 2010, sendo que, desta vez, foi possível visualizar estimativas muito diferentes do que a previsão. A população de pessoas vivendo com o HIV na Europa Oriental e Central foi 60% menor do que estimado, sendo 69% menos especialmente na Rússia. As melhorias na metodologia de coleta e amostragem dos dados revelaram que países identificados como tendo epidemias concentradas tiveram 39% menos mortes e 53% menos pessoas vivendo com a doença. Ao mesmo tempo, as mortes em países com epidemias generalizadas aumentaram 23%.

Um dos representantes brasileiros do time de pesquisadores do estudo GDB, Paulo Lotufo, também professor da Universidade de São Paulo e diretor do Centro de Pesquisa Epidemiológica do Hospital Universitário da USP, explica que o refinamento dos dados é uma das vantagens do GBD frente a outras pesquisas com dados semelhantes. São nuances diferentes trazidas pelas pesquisas. “A gente nunca sabe, dependendo da doença, quando se chega a um platô. Pode ser que estejamos chegando a ele, um período em que a infecção fica endêmica, sempre com o mesmo número de casos. Então, é preciso tomar novas atitudes para reverter isso.”

O médico considera que essa diminuição das infecções para as três enfermidades exige uma nova discussão sobre novas medidas a serem tomadas e ressalta que nunca é um momento de relaxar no cuidado destinado a elas. “Todas as doenças infecciosas implicam em um grau de vigilância constante. Não existe doença que se extinguiu. O fato de estar caindo não pode reduzir a nossa preocupação.” Ele ressalta que bactérias e vírus não têm nacionalidade, não respeitam padrões culturais ou fronteiras.