Que homens e mulheres se comportam de maneira diferente em vários aspectos da vida não é novidade. Ainda assim, a forma distinta como lidam com as complicações decorrentes de doenças físicas crônicas chamou a atenção de pesquisadores canadenses. Em um novo estudo, constataram que elas buscam mais apoio voltado para a saúde mental, como acompanhamento psiquiátrico e psicológico, e com maior frequência.
“Começamos esse trabalho para entender melhor o impacto que desenvolver mais de um problema de saúde ao mesmo tempo teria a longo prazo, saber, por exemplo, como uma pessoa diagnosticada com uma doença física se torna deprimida”, detalha Flora Matheson, líder do estudo conduzido por cientistas do Hospital St. Michael, em Toronto, e do Instituto de Ciências Avaliativas Clínicas no Canadá.
Para isso, a canadense e a equipe liderada por ela analisaram pessoas diagnosticadas com pelo menos uma das seguintes enfermidades: diabetes, hipertensão arterial, asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica. “Primeiramente, separamos grupos: um, composto por pacientes com pelo menos uma das doenças mencionadas; e outro, por homens e mulheres livres de qualquer uma delas”, explica.
Os cientistas utilizaram informações extraídas de pesquisas nacionais e registros médicos. Os dados faziam parte de questionários em que, entre outras informações, os pacientes descreveram sobre a ocorrência das doenças crônicas. “Posteriormente, observamos um período de cerca de 10 anos em dados médicos para ver quais deles tinham consultas médicas, internações hospitalares ou internação de emergência por motivos relacionados à saúde mental”, conta Matheson.
Com base nesses dados, a equipe de pesquisadores descobriu que, em um período de três anos, mulheres com doenças físicas crônicas eram mais propensas a procurar atendimento do que os homens e, quando buscavam ajuda, faziam em média cerca de seis meses antes deles. “Nossos resultados não significam necessariamente que mais atenção deve ser dada às mulheres”, explica Matheson. “Ainda precisamos de mais pesquisas para entender por que essa divisão de gênero existe.” A estudiosa ressalta que enfermidades crônicas podem desencadear um processo depressivo e que se deve buscar entender a fundo esses pacientes para oferecer o melhor tratamento possível.
Realidade brasileira
Essa divergência entre os gêneros pode ser observada também na maioria dos ambulatórios e nos consultórios de psiquiatras brasileiros, segundo Sérgio Tamai, conselheiro da Associação Brasileira de Psiquiatria. “O estudo corrobora com o que pode ser visto no atendimento de saúde mental daqui. Existe, de fato, uma diferença entre homens e mulheres na procura por tratamentos psiquiátricos”, afirma.
Tamai explica que existem três hipóteses para essa diferença: a depressão e os transtornos de ansiedade são mais comuns entre as mulheres; o fato de que, em geral, elas procuram mais serviços de saúde; e uma maior abertura feminina à discussão de temas que envolvem afetos e comportamentos. “Essas ocorrências são exemplos dos casos mais observados por profissionais da área e não se excluem. É possível que um paciente apresente todas essas características ou apenas uma delas”, reforça o médico.
Rafael Barros, psiquiatra do Hospital Universitário de Brasília (HUB), afirma que essa diferenciação entre os gêneros é essencial para avaliar a procura por tratamentos psiquiátricos. Ele observa que, primeiramente, se deve levar em consideração que as pacientes lidam muito melhor com qualquer tipo de ajuda médica do que os homens. “A questão social impõe às mulheres uma aceitação maior com o ato de receber cuidados. Eles normalmente adotam posturas mais duras, e isso se reflete nos consultórios não só na área de psiquiatria, mas em todas as especialidades médicas”, afirma.
Segundo João Ricardo Mendes, neuropsiquiatra da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a localização geográfica também interfere nesse comportamento. “Na América Latina, trabalha-se muito o conceito de uma sociedade machista, em que o homem é estimulado a não mostrar esse lado mais preocupado, mais afetivo.”
Outro fator que chama a atenção dos especialistas é a ocorrência do tipo de doença em relação ao gênero. De acordo com Mendes, as mulheres são mais suscetíveis a transtornos relacionados com humor e ansiedade, o que aumenta a procura por tratamento psiquiátrico. Barros concorda e afirma que, no sexo feminino, a prevalência da depressão é maior. “Elas têm uma propensão para a doença que chega a ser o dobro da dos homens. Não é pouca coisa, como 10% ou 20% a mais de chance. São 100% maiores as chances de manifestarem sintomas de depressão”, reforça.
Devido às muitas hipóteses para justificar a disparidade entre tratamentos buscados por homens e mulheres, Sérgio Tamai acredita que há a necessidade de realização de mais pesquisas. “Creio que o estudo é qualitativo e que novos nesse formato devem ser feitos para investigar as causas das diferenças encontradas”, afirma. As constatações mais recentes foram publicadas n o Journal of Epidemiology & Community Health.
Campanhas direcionadas O fato de homens e mulheres com doenças crônicas procurarem apoio psicológico de formas distintas também sugere que os sintomas são piores no sexo feminino. Como sofrem mais com as complicações físicas e psicológicas, elas pedem ajuda antes deles. Também por conta dessa diferença entre os gêneros especialistas defendem que sejam desenvolvidas campanhas mais direcionadas, até como uma maneira de estimular cientistas a buscarem tratamentos mais específicos.
Rafael Bastos, psiquiatra do Hospital Universitário de Brasília (HUB), ligado à Universidade de Brasília (UnB), ressalta que projetos nesse sentido só existem em campanhas voltadas para doenças exclusivas de cada gênero, como o câncer de mama e o de próstata. “Seria interessante trabalhar o tema de forma a encorajar os homens a assumirem as dificuldades psiquiátricas e procurarem ajuda. O mesmo vale para mulheres que, apesar de se mostrarem mais ativas no cuidado com a saúde mental, também precisam de orientação”, defende.
Sérgio Tamai, conselheiro da Associação Brasileira de Psiquiatria, também acredita que, por mais que o estudo desenvolvido nas instituições canadenses não forneça dados sobre as causas das diferenças apresentadas por homens e mulheres, ele também pode servir para embasar campanhas que desmitifiquem as doenças psiquiátricas e faça com que as pessoas percam o preconceito e recorram a um apoio profissionalizado. “Um outro estudo realizado em 2012 mostrou que, na região metropolitana de São Paulo, cerca de 26% da população apresentava algum transtorno psiquiátrico, e nesse grupo, apenas 35,5% receberam atendimento especializado”, afirma. (FF)
“Começamos esse trabalho para entender melhor o impacto que desenvolver mais de um problema de saúde ao mesmo tempo teria a longo prazo, saber, por exemplo, como uma pessoa diagnosticada com uma doença física se torna deprimida”, detalha Flora Matheson, líder do estudo conduzido por cientistas do Hospital St. Michael, em Toronto, e do Instituto de Ciências Avaliativas Clínicas no Canadá.
Para isso, a canadense e a equipe liderada por ela analisaram pessoas diagnosticadas com pelo menos uma das seguintes enfermidades: diabetes, hipertensão arterial, asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica. “Primeiramente, separamos grupos: um, composto por pacientes com pelo menos uma das doenças mencionadas; e outro, por homens e mulheres livres de qualquer uma delas”, explica.
Os cientistas utilizaram informações extraídas de pesquisas nacionais e registros médicos. Os dados faziam parte de questionários em que, entre outras informações, os pacientes descreveram sobre a ocorrência das doenças crônicas. “Posteriormente, observamos um período de cerca de 10 anos em dados médicos para ver quais deles tinham consultas médicas, internações hospitalares ou internação de emergência por motivos relacionados à saúde mental”, conta Matheson.
saiba mais
-
Nem sempre a ausência de orgasmo é um problema psicológico
-
Infâncias roubadas: mulheres que resistiram ao abuso físico, sexual e psicológico
-
Indivíduos genuinamente gentis têm mais saúde psicofísica do que aqueles que têm apenas atitudes esporádicas
-
Estudo diz que uso de antidepressivos pode reduzir benefícios da psicoterapia
-
Especialistas indicam controle alimentar e tratamento psicológico para crianças com obesidade mórbida
-
É normal conviver com a dor? Veja quais são as dores mais comuns nas mulheres brasileiras
Realidade brasileira
Essa divergência entre os gêneros pode ser observada também na maioria dos ambulatórios e nos consultórios de psiquiatras brasileiros, segundo Sérgio Tamai, conselheiro da Associação Brasileira de Psiquiatria. “O estudo corrobora com o que pode ser visto no atendimento de saúde mental daqui. Existe, de fato, uma diferença entre homens e mulheres na procura por tratamentos psiquiátricos”, afirma.
Tamai explica que existem três hipóteses para essa diferença: a depressão e os transtornos de ansiedade são mais comuns entre as mulheres; o fato de que, em geral, elas procuram mais serviços de saúde; e uma maior abertura feminina à discussão de temas que envolvem afetos e comportamentos. “Essas ocorrências são exemplos dos casos mais observados por profissionais da área e não se excluem. É possível que um paciente apresente todas essas características ou apenas uma delas”, reforça o médico.
Rafael Barros, psiquiatra do Hospital Universitário de Brasília (HUB), afirma que essa diferenciação entre os gêneros é essencial para avaliar a procura por tratamentos psiquiátricos. Ele observa que, primeiramente, se deve levar em consideração que as pacientes lidam muito melhor com qualquer tipo de ajuda médica do que os homens. “A questão social impõe às mulheres uma aceitação maior com o ato de receber cuidados. Eles normalmente adotam posturas mais duras, e isso se reflete nos consultórios não só na área de psiquiatria, mas em todas as especialidades médicas”, afirma.
Segundo João Ricardo Mendes, neuropsiquiatra da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a localização geográfica também interfere nesse comportamento. “Na América Latina, trabalha-se muito o conceito de uma sociedade machista, em que o homem é estimulado a não mostrar esse lado mais preocupado, mais afetivo.”
Outro fator que chama a atenção dos especialistas é a ocorrência do tipo de doença em relação ao gênero. De acordo com Mendes, as mulheres são mais suscetíveis a transtornos relacionados com humor e ansiedade, o que aumenta a procura por tratamento psiquiátrico. Barros concorda e afirma que, no sexo feminino, a prevalência da depressão é maior. “Elas têm uma propensão para a doença que chega a ser o dobro da dos homens. Não é pouca coisa, como 10% ou 20% a mais de chance. São 100% maiores as chances de manifestarem sintomas de depressão”, reforça.
Devido às muitas hipóteses para justificar a disparidade entre tratamentos buscados por homens e mulheres, Sérgio Tamai acredita que há a necessidade de realização de mais pesquisas. “Creio que o estudo é qualitativo e que novos nesse formato devem ser feitos para investigar as causas das diferenças encontradas”, afirma. As constatações mais recentes foram publicadas n o Journal of Epidemiology & Community Health.
Campanhas direcionadas O fato de homens e mulheres com doenças crônicas procurarem apoio psicológico de formas distintas também sugere que os sintomas são piores no sexo feminino. Como sofrem mais com as complicações físicas e psicológicas, elas pedem ajuda antes deles. Também por conta dessa diferença entre os gêneros especialistas defendem que sejam desenvolvidas campanhas mais direcionadas, até como uma maneira de estimular cientistas a buscarem tratamentos mais específicos.
Rafael Bastos, psiquiatra do Hospital Universitário de Brasília (HUB), ligado à Universidade de Brasília (UnB), ressalta que projetos nesse sentido só existem em campanhas voltadas para doenças exclusivas de cada gênero, como o câncer de mama e o de próstata. “Seria interessante trabalhar o tema de forma a encorajar os homens a assumirem as dificuldades psiquiátricas e procurarem ajuda. O mesmo vale para mulheres que, apesar de se mostrarem mais ativas no cuidado com a saúde mental, também precisam de orientação”, defende.
Sérgio Tamai, conselheiro da Associação Brasileira de Psiquiatria, também acredita que, por mais que o estudo desenvolvido nas instituições canadenses não forneça dados sobre as causas das diferenças apresentadas por homens e mulheres, ele também pode servir para embasar campanhas que desmitifiquem as doenças psiquiátricas e faça com que as pessoas percam o preconceito e recorram a um apoio profissionalizado. “Um outro estudo realizado em 2012 mostrou que, na região metropolitana de São Paulo, cerca de 26% da população apresentava algum transtorno psiquiátrico, e nesse grupo, apenas 35,5% receberam atendimento especializado”, afirma. (FF)