Saúde

Fãs do rock pesado devem evitar o tradicional headbanging; entenda

Chacoalhadas podem romper artérias e causar hematomas cerebrais

Vilhena Soares

Médicos alemães que diagnosticaram um senhor de 50 anos com hematoma cerebral surgido ironicamente após ele aproveitar ao extremo o show de uma banda heavy metal
Ser headbanger para os adoradores de um som agressivo não é só título. Guiados por palhetadas rápidas e pedais duplos, cabeludos de todo o mundo levam o rock como uma filosofia de vida e o movimento de bater cabeça, conforme a tradução literal da palavra inglesa, como um estado de espírito. Mas, no Dia Mundial do Rock, as instituições de saúde advertem: levar o termo ao pé da letra pode causar danos sérios e irreversíveis ao cérebro.


O principal alerta vem de médicos alemães que diagnosticaram um senhor de 50 anos com hematoma cerebral surgido ironicamente após ele aproveitar ao extremo o show da banda de heavy metal Motörhead. Como o nome escancara (cabeça motorizada, em tradução livre), a música produzida pelo grupo liderado por Lemmy Kilmister tem como principal característica a velocidade. E foi provavelmente a tentativa de acompanhar essa pegada energética que levou o paciente à Escola de Medicina Hannover, na Alemanha, em janeiro de 2013.

O homem revelou um histórico de duas semanas de dor crescente e ininterrupta, afetando toda a cabeça. Disse não ter sofrido trauma ou fratura, apenas feito um “banguear” violento da parte do corpo quatro semanas antes, no show de rock. O histórico médico era normal e o paciente também negou abuso de substâncias. Exames neurológicos e laboratoriais, incluindo um teste de coagulação, também estavam normais. A tomografia computadorizada, porém, indicou um hematoma subdural crônico do lado direito da cabeça. O paciente foi submetido a uma espécie de drenagem do coágulo por seis dias após cirurgia. Com o procedimento, livrou se das dores e recebeu alta.

Conforme artigo publicado neste mês na revista científica Lancet, bater a cabeça é uma forma de dança que consiste em movimentos de flexão-extensão abruptos da cabeça ao ritmo do rock, mais comumente visto no gênero heavy metal. “As complicações de saúde atribuídas a essa prática, geralmente considerada inofensiva, incluem dissecção da artéria carótida, enfisema mediastinal, lesão do efeito chicote e fratura odontoide”, enumera Ariyan Pirayesh Islamian, principal autor do trabalho. Uma revisão da literatura feita por ele mostrou outros três casos iguais ao do seu paciente motivados pelo chacoalhar de cabeça.

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Ainda assim, Islamian reforça não ser contrário à dança, e que os riscos de lesão são bastante baixos. “Esse caso serve como prova de apoio à reputação do Motörhead como uma das bandas de rock mais hardcores do planeta. Se não por essas questões, por causa de sua unidade de velocidade contagiosa e, claro, do potencial de risco para os fãs de headbanging”, brinca o especialista.

A visão de outros cientistas, porém, não é tão benevolente. A dupla Declan Patton e Andrew McIntosh, da Escola das Ciências de Riscos e Segurança da Universidade de New South Wales, na Austrália, chega a sugerir uma rotulação dos álbuns de rock mais pesados. McIntosh acredita que, embora a exposição ao headbanging seja enorme, pode-se gerenciar os riscos.

“Por exemplo, incentivando bandas como AC/DC a tocar canções como Moon river (famosa na voz de Frank Sinatra) em lugar de Highway to hell; fazendo campanhas de sensibilização com o público focadas em músicos tradicionais; colocando nas embalagens dos produtos de música a advertências ‘antibater cabeça’”, detalha. As exageradas sugestões parecem até brincadeira, mas não são. O especialista e Patton publicaram um artigo, no fim de 2008, na renomada publicação British Medical Journal, no qual investigam formas de diminuir o impacto de bater a cabeça em sincronia com músicas de heavy metal.

Para tal, recrutaram 10 músicos, que nomearam as canções favoritas do gênero. Uma lista foi formada e, à medida que eram executadas as canções, os participantes tinham que bater cabeça no ritmo por um minuto. O grupo de controle dançou em vez de Mötley Crüe e Led Zeppelin, os sons produzidos por Whitney Houston e Lionel Ritchie. Com base nos resultados, os estudiosos sugeriram a limitação da amplitude de movimento do pescoço por meio de um programa de treinamento e o uso de equipamentos de proteção individual, como colares ortopédicos.

Ricochete
As indicações talvez não consigam atrair o público-alvo e não sejam tão efetivas como espera a dupla australiana, mas, na opinião do neurocirurgião da Universidade Federal de São Paulo Mirto Pradini, a brincadeira também não é tão inocente quanto parece. O caso do paciente alemão é isolado, mas danos menores podem ser causados por atividades de impacto e, principalmente, quando há o movimento de ricochete. “O problema não é só em um show de rock, mas nós que trabalhamos com cirurgia neurológica e conhecemos a anatomia do cérebro ficamos horrorizados ao ver lutas de boxe e pulos de bungee jump, por exemplo.”

Ele explica que a caixa craniana é muito dura e dividida, em seu interior, em outras três caixas com rigidez diferentes. Já o tecido cerebral tem um certo grau de amolecimento e elasticidade, o que permite que ele se desloque. Ao fazer um deslocamento muito rápido, a primeira parte a se mover é a caixa craniana para, só aos poucos, a massa encefálica se movimentar. “Esse deslocamento, lógico, se for em grau leve, não causa nada porque estamos preparados para isso. Porém, em um grau mais elevado, as estruturas que se deslocam depois vão bater nas partes rígidas ou no próprio osso.” Recorrente, o bate e volta pode gerar uma série de complicações, como arrancamento de estruturas dos neurônios, hematomas e hemorragias internas.

Lesões se espalham
“Um possível problema é a própria lesão pela contusão. O tecido que bate de um lado e do outro começa a morrer porque as células estão muito sensíveis. Quando isso acontece, o material desprezado por essa estrutura sem vida passa a atacar as mais próximas. Uma reação contusional tende a se espalhar, não fica restrita às células que morreram, pode atingir o que está em volta. Pode ser grave ao ponto de levar à morte. É uma situação mais comum em um acidente de automóvel, quando existe um grande deslocamento do tecido cerebral. A pessoa chega ao hospital em uma condição razoável, mas aquilo continua evoluindo e acaba levando a uma lesão irreversível, e o indivíduo pode morrer depois de dois ou três dias.”

Mirto Pradini, neurocirurgião e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)