Automaticamente associado, no imaginário de muitos, a orgias e ao desrespeito às 'regras' sociais, o universo do swing pode ser um terreno fértil para analisar estereótipos, clichês e novas questões relativas aos relacionamentos conjugais, ao gênero e à sexualidade. Movida por isso, a jornalista e mestre em antropologia Maria Silvério investigou de forma aprofundada os aspectos em torno dessa atividade - que pode ser uma simples prática para uns, mas um estilo de vida para outros. Ela acaba de lançar em Belo Horizonte o livro “Swing: eu, tu...eles...”, pela Chiado Editora, com entrevistas realizadas no Brasil e em Portugal, onde mora. Na próxima terça-feira (22), o lançamento será no Rio de Janeiro.
Em Portugal, essa foi a primeira pesquisa dedicada ao tema. No Brasil, já existem alguns poucos trabalhos (leia em Para saber mais, logo abaixo), mas a pesquisadora queria ir além, comparando realidades e situações diversas. “Há desconhecimento. Existem vários tabus em relação à prática do swing, quase que automaticamente associada à orgia e à falta de respeito generalizada. Entretanto, pelo próprio perfil dos participantes, vemos que essa imagem é equivocada – são pessoas acima dos 35 anos, casadas ou em relacionamentos duradouros, a maioria com vida financeira e profissional estável e com filhos", explica Maria Silvério.
Entre Brasil e Portugal – e também considerando os dados estatísticos de estudos realizados em países como Estados Unidos, Bélgica, França e Itália -, Maria não identificou diferenças gritantes. “A dinâmica é a mesma, com algumas poucas alterações no rigor das casas para controlar o público”, resume.
Essa dinâmica inclui modalidades de swing - hard e soft - e muitas regras, que se repetem nas várias casas visitadas durante o mestrado de Maria Silvério. “Não existe essa de chegar e fazer 'o que quiser'. Quando um casal aborda o outro, nessa conversa inicial já são estabelecidas as normas do que pode ou não”, esclarece a autora. Saiba a diferença entre hard e soft swing; e conheça algumas das regras mais citadas pelos praticantes:
Segundo a pesquisadora, a atitude das casas italianas, proibindo a entrada de solteiras; e a diferença de comportamento em relação a mulheres e homens desacompanhados mostram a dificuldade que a sociedade tem de ultrapassar a ambivalência cultural entre a imagem da 'mãe de família' e a da 'puta'. "São também indícios importantes sobre a naturalização da sexualidade humana e o controle sociocultural sobre a sexualidade feminina", considera. E também masculina, como veremos mais adiante.
Roupa curta, respeito grande
Maria Silvério conta que, até mesmo por não saber o que iria encontrar em cada casa, não adaptou seu guarda-roupa aos hábitos dos frequentadores. “Era muito diferente do meu habitual, que é mais fechado e pouco revelador”, explica. Vestidos e saias curtas, meias que deixam detalhes da cinta-liga à mostra, decotes e tecidos colados ao corpo são comuns para as mulheres. “Um dos frequentadores com quem conversei até brincou que não via muita utilidade em ir de roupa de baixo para esses lugares, porque, além de atrapalhar, tinham que ser procuradas depois pelo cômodo”, conta.
De qualquer modo, a roupa não é usada para qualificar uma mulher como 'vadia' ou 'fácil'. “Esse é um julgamento que não faz parte do swing”, aponta Maria Silvério. Da mesma forma que detalhes sobre vida pessoal ficam de fora. Onde você trabalha? Onde mora? “Esse tipo de conversa não acontece na maioria dos casos. É uma forma de preservar a identidade e de manter uma característica supervalorizada entre os swingers – a discrição. As conversas giram em torno de sexo, política, futebol, crise econômica, casas que o participante já frequentou e por aí vai”, detalha.
Há sim, situações em que os casais acabam ficando amigos e se encontram fora do clube, combinam viagens e jantares, conhecem as famílias. Essa é, inclusive, uma das razões apontadas pelo entrevistados para experimentar o swing: a vontade de ampliar o círculo social, principalmente entre os casais mais velhos, cujos filhos já saíram de casa. “O principal motivo de interesse é a variedade de experiências e parceiros que a prática proporciona. Mas conhecer novos amigos aparece como terceira ou quarta razão em várias pesquisas ao redor do mundo”, pontua Maria.
Um exemplo disso foi um casal português de 56 anos, casado há 36, juntos desde os 20. O homem havia sido a única experiência da esposa na vida. Já o marido a havia traído várias vezes. Depois que os dois filhos saíram de casa e o cachorro morreu, sentiram necessidade de buscar alguma coisa que os tirasse da rotina. “Contaram que foram a uma boate gay pela primeira vez na vida, levados por um dos casais que conheceram no swing. Estavam se sentindo vivos novamente e haviam preenchido o vazio do dia a dia. Vazio causado pela rotina, não pela falta de amor”, explicita a autora de 'Eu, tu...eles'.
Nem tudo são flores
Essas amizades podem ser, na verdade, um fator complicador na vida de vários swingers. Para mais de um casal, o envolvimento com pessoas para além do clube trouxe consequências indesejadas. “Os dois casos envolviam singles femininas. Uma delas se apaixonou pelo homem do casal original e não foi correspondida. No outro caso, o marido se apaixonou pela nova integrante das relações sexuais. E, nas duas situações, a aventura terminou e os casais se afastaram temporariamente do universo do swing”, relata a autora. Os informantes que viveram essas situações consideraram que foi uma oportunidade para aprender a avaliar melhor com quem deveriam se envolver.
Maria diz que, como entrevistou suas fontes no ambiente das casas, a tendência foi que eles apontassem os aspectos positivos. Mas há aspectos não tão agradáveis, além das amizades complicadas. Foram citados a dificuldade inicial em lidar com o ciúme e o medo do dia seguinte. “Os casais passam, em média, um ano conversando entre si e pesquisando todas as implicações, antes de irem pela primeira vez a uma casa. É um processo que vai sendo fortalecido com o tempo, com as oportunidades de falar sobre anseios, receios, vontades e regras. Na maioria das vezes, essa primeira visita é só de observação”, explicita a pesquisadora brasileira.
Alguns dizem que não pode haver ciúmes, outros ponderam que é impossível não haver. “Uma explicação frequente é que eles transformam o ciúmes em fonte de excitação – 'se vejo meu parceiro com prazer, isso me instiga'. Mas há muitos que afirmam categoricamente – 'sou ciumento no dia a dia, mas aqui dentro, não'. Esse pessoal considera que o ciúme atrapalha a dinâmica da casa”, explica.
Muitos informantes consideram que sofrem mais ameaças de infidelidade fora do ambiente de swing do que dentro dele. “É mais fácil controlar o outro dentro da casa. Por mais incoerente que pareça, os sentimentos de posse não são totalmente esquecidos no swing”, completa Maria Silvério.
Esse aspecto levou a pesquisadora aos questionamentos sobre o que é 'natural' e o que é aprendido culturalmente. “Em sociedades que não valorizam o mito do amor romântico e a posse sobre o outro, o ciúme também não tem valor. No caso dos swingers entrevistados, representantes de culturas ocidentais que mantêm esse mito, o que acontece é que a maioria deles consegue transformar esse ciúme adquirido em algo positivo para a relação”, analisa.
Na mesma linha, vai o conceito de traição. No ambiente swinger, trair é se envolver emocionalmente. O envolvimento sexual, desde que siga todas as regras, não significa infidelidade. É dentro do lar que o casal tem carinho, amor, afeto. Na casa, o espaço é de outros sentimentos. “O envolvimento afetivo significa a quebra de um pacto de confiança”, pontua a pesquisadora.
Outro ponto apontado como 'traição' é a mentira. Para um casal que permite ao cônjuge visitar casas de swing quando está sozinho – numa viagem de negócios, por exemplo – a regra é que tudo deve ser contado depois. "Se não contar, configura-se a deslealdade. Acima de qualquer forma de ciúme, deve estar o respeito”, resume a autora do livro-reportagem.
Segregação natural e liberdade relativa
As interações acontecem de forma natural nas casas, mas isso inclui a segregação. Com o aumento do número de casais mais jovens, na faixa dos 20 e poucos anos, criaram-se dois grupos - os mais velhos, que têm desconfiança em relação a essa 'turma' e consideram que eles não levam esse estilo de vida a sério; e os mais jovens, que muitas vezes não se sentem atraídos pelos mais velhos. A regra comporta várias exceções, mas a divisão em tribos existe.
Isso vale também em relação a práticas homossexuais masculinas. O envolvimento sexual entre dois homens, diante dos olhos de outro swingers, não é bem recebido. “É uma regra velada, não explícita. Enquanto as mulheres são incentivadas a se envolverem umas com as outras, sem que sua sexualidade seja questionada; os homens têm essa possibilidade vetada”, destaca.
Segundo Maria Silvério, a manifestação de um desejo em relação a outro homem faz com que aquele frequentador e sua parceira sejam evitados por outros casais. “A identidade, a orientação e a prática sexual são mais flexíveis para as mulheres, que vivenciam novos prazeres – ainda que por uma conveniência machista. O tabu da homossexualidade masculina faz com que os homens vivenciem, dentro das casas, as mesmas práticas que têm fora. A liberdade é muito relativa”, descreve.
A pesquisa realizada por Maria mostra também que, na maioria das vezes, a primeira incursão no swing se dá pela vontade e iniciativa do marido, movido principalmente pela fantasia do ménage à trois, mas muitas mulheres continuam porque descobrem novas formas de prazer. "Para muitas delas, na hora de receber sexo oral, por exemplo, não importa se é um homem ou uma mulher que oferece. Importa o prazer no momento. Esse é um ingrediente muito interessante: embora a mulher chegue ao swing levada pelo marido, a sequência dos fatos acaba fazendo com que elas se livrem de vários tabus”, reflete.
A autora vai além. “As mulheres desempenham papéis muito controlados na sociedade. Muitas delas não cogitam outras possibilidades para sua vida social e sexual. Essa possibilidade de dar vazão, por iniciativa própria, aos desejos e à imaginação depende de um amadurecimento. Depende de uma reflexão interna que nem todas têm. Culturalmente, somos educadas a ter 'medo' de 'virar' lésbica, a termos nojo, a reprimir”, diagnostica. Os padrões homem-pegador-garanhão e mulher-pegadora-vadia também refletem esse controle sobre papéis. “Que absorvemos muitas vezes sem perceber”, acrescenta Maria Silvério.
História e 'apuros'
Por ser uma prática realizada em âmbito privado, é difícil precisar sua origem – quando, onde, como surgiu o swing? Essas perguntas, fundamentais no jornalismo, foram um desafio para Maria Silvério no livro-reportagem. “O swing pode ter surgido inclusive com outros nomes que não conhecemos. A versão mais difundida vincula sua origem aos militares norte-americanos da década de 50, no período pós-guerra. Os casais se encontravam por meio dos 'clubes da chave' (key clubs). A mulher sorteava uma chave de casa ou carro em um pote e o dono da chave seria sua companhia naquela noite”, conta a autora.
Mas justo em um ambiente conservador e machista, como o dos militares estadunidenses dos anos 50? “Estudos sociológicos sugerem que isso se justificaria pela expectativa de vida. Um soldado vivendo a realidade das ocupações americanas depois da II Guerra contava com a possibilidade de morrer a qualquer momento. Não se tem certeza, mas evidências indicam que esse pode ter sido o motivador para eles se abrirem a novas experiências”, completa.
No doutorado, Maria pretende analisar o poliamor e o casamento aberto, completando a tríade de modelos não-monogâmicos mais comuns, junto com o swing, nas sociedade ocidentais e orientadas pelos valores judaico-cristãos. “Se pensarmos bem, vemos que o divórcio abalou a indissolubilidade do casamento; a união entre pessoas do mesmo sexo tem modificado os padrões ligados à heterossexualidade; mas a monogamia é um pilar/tabu mais resistente. É um dos poucos valores que ainda aparecem colados ao casamento”, analisa a pesquisadora mineira.
Isso na teoria. Na prática, os índices de várias pesquisas sugerem que esse valor pode ser mesmo questionado. “Cerca de 70% dos homens confessam que já traíram. Entre as mulheres, a taxa é de 60%. Ao mesmo tempo, a traição aparece sempre com uma das três principais causas de divórcio. É mais importante valorizar essa monogamia 'fingida'? Ou negociar e compartilhar desejos reais?”, questiona Maria Silvério.
Com linguagem leve e informativa, o livro vai além do swing e discute muitos aspectos das relações humanas e sociais que ficam quase sempre escondidos.
Ou, quando pesquisados, não saem dos muros das instituições de ensino. “Espero contribuir para quebrar preconceitos. Fui tratada com muito mais respeito nas casas de swing – estando com meu namorado ou não - do que em boates comuns, onde as mulheres têm que enfrentar agressividade quando dizem 'não'. Ouvi brincadeiras dos meus próprios colegas de mestrado – 'você vai fazer observação participante, Maria?' e até minha família estranhou a escolha do tema. Mas depois esses sentimentos foram substituídos por apoio, compreensão e admiração”, comemora a doutoranda.
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Em Portugal, essa foi a primeira pesquisa dedicada ao tema. No Brasil, já existem alguns poucos trabalhos (leia em Para saber mais, logo abaixo), mas a pesquisadora queria ir além, comparando realidades e situações diversas. “Há desconhecimento. Existem vários tabus em relação à prática do swing, quase que automaticamente associada à orgia e à falta de respeito generalizada. Entretanto, pelo próprio perfil dos participantes, vemos que essa imagem é equivocada – são pessoas acima dos 35 anos, casadas ou em relacionamentos duradouros, a maioria com vida financeira e profissional estável e com filhos", explica Maria Silvério.
Entre Brasil e Portugal – e também considerando os dados estatísticos de estudos realizados em países como Estados Unidos, Bélgica, França e Itália -, Maria não identificou diferenças gritantes. “A dinâmica é a mesma, com algumas poucas alterações no rigor das casas para controlar o público”, resume.
Essa dinâmica inclui modalidades de swing - hard e soft - e muitas regras, que se repetem nas várias casas visitadas durante o mestrado de Maria Silvério. “Não existe essa de chegar e fazer 'o que quiser'. Quando um casal aborda o outro, nessa conversa inicial já são estabelecidas as normas do que pode ou não”, esclarece a autora. Saiba a diferença entre hard e soft swing; e conheça algumas das regras mais citadas pelos praticantes:
Roupa curta, respeito grande
Maria Silvério conta que, até mesmo por não saber o que iria encontrar em cada casa, não adaptou seu guarda-roupa aos hábitos dos frequentadores. “Era muito diferente do meu habitual, que é mais fechado e pouco revelador”, explica. Vestidos e saias curtas, meias que deixam detalhes da cinta-liga à mostra, decotes e tecidos colados ao corpo são comuns para as mulheres. “Um dos frequentadores com quem conversei até brincou que não via muita utilidade em ir de roupa de baixo para esses lugares, porque, além de atrapalhar, tinham que ser procuradas depois pelo cômodo”, conta.
De qualquer modo, a roupa não é usada para qualificar uma mulher como 'vadia' ou 'fácil'. “Esse é um julgamento que não faz parte do swing”, aponta Maria Silvério. Da mesma forma que detalhes sobre vida pessoal ficam de fora. Onde você trabalha? Onde mora? “Esse tipo de conversa não acontece na maioria dos casos. É uma forma de preservar a identidade e de manter uma característica supervalorizada entre os swingers – a discrição. As conversas giram em torno de sexo, política, futebol, crise econômica, casas que o participante já frequentou e por aí vai”, detalha.
Há sim, situações em que os casais acabam ficando amigos e se encontram fora do clube, combinam viagens e jantares, conhecem as famílias. Essa é, inclusive, uma das razões apontadas pelo entrevistados para experimentar o swing: a vontade de ampliar o círculo social, principalmente entre os casais mais velhos, cujos filhos já saíram de casa. “O principal motivo de interesse é a variedade de experiências e parceiros que a prática proporciona. Mas conhecer novos amigos aparece como terceira ou quarta razão em várias pesquisas ao redor do mundo”, pontua Maria.
Um exemplo disso foi um casal português de 56 anos, casado há 36, juntos desde os 20. O homem havia sido a única experiência da esposa na vida. Já o marido a havia traído várias vezes. Depois que os dois filhos saíram de casa e o cachorro morreu, sentiram necessidade de buscar alguma coisa que os tirasse da rotina. “Contaram que foram a uma boate gay pela primeira vez na vida, levados por um dos casais que conheceram no swing. Estavam se sentindo vivos novamente e haviam preenchido o vazio do dia a dia. Vazio causado pela rotina, não pela falta de amor”, explicita a autora de 'Eu, tu...eles'.
Nem tudo são flores
Essas amizades podem ser, na verdade, um fator complicador na vida de vários swingers. Para mais de um casal, o envolvimento com pessoas para além do clube trouxe consequências indesejadas. “Os dois casos envolviam singles femininas. Uma delas se apaixonou pelo homem do casal original e não foi correspondida. No outro caso, o marido se apaixonou pela nova integrante das relações sexuais. E, nas duas situações, a aventura terminou e os casais se afastaram temporariamente do universo do swing”, relata a autora. Os informantes que viveram essas situações consideraram que foi uma oportunidade para aprender a avaliar melhor com quem deveriam se envolver.
Maria diz que, como entrevistou suas fontes no ambiente das casas, a tendência foi que eles apontassem os aspectos positivos. Mas há aspectos não tão agradáveis, além das amizades complicadas. Foram citados a dificuldade inicial em lidar com o ciúme e o medo do dia seguinte. “Os casais passam, em média, um ano conversando entre si e pesquisando todas as implicações, antes de irem pela primeira vez a uma casa. É um processo que vai sendo fortalecido com o tempo, com as oportunidades de falar sobre anseios, receios, vontades e regras. Na maioria das vezes, essa primeira visita é só de observação”, explicita a pesquisadora brasileira.
Alguns dizem que não pode haver ciúmes, outros ponderam que é impossível não haver. “Uma explicação frequente é que eles transformam o ciúmes em fonte de excitação – 'se vejo meu parceiro com prazer, isso me instiga'. Mas há muitos que afirmam categoricamente – 'sou ciumento no dia a dia, mas aqui dentro, não'. Esse pessoal considera que o ciúme atrapalha a dinâmica da casa”, explica.
Muitos informantes consideram que sofrem mais ameaças de infidelidade fora do ambiente de swing do que dentro dele. “É mais fácil controlar o outro dentro da casa. Por mais incoerente que pareça, os sentimentos de posse não são totalmente esquecidos no swing”, completa Maria Silvério.
Esse aspecto levou a pesquisadora aos questionamentos sobre o que é 'natural' e o que é aprendido culturalmente. “Em sociedades que não valorizam o mito do amor romântico e a posse sobre o outro, o ciúme também não tem valor. No caso dos swingers entrevistados, representantes de culturas ocidentais que mantêm esse mito, o que acontece é que a maioria deles consegue transformar esse ciúme adquirido em algo positivo para a relação”, analisa.
Na mesma linha, vai o conceito de traição. No ambiente swinger, trair é se envolver emocionalmente. O envolvimento sexual, desde que siga todas as regras, não significa infidelidade. É dentro do lar que o casal tem carinho, amor, afeto. Na casa, o espaço é de outros sentimentos. “O envolvimento afetivo significa a quebra de um pacto de confiança”, pontua a pesquisadora.
Outro ponto apontado como 'traição' é a mentira. Para um casal que permite ao cônjuge visitar casas de swing quando está sozinho – numa viagem de negócios, por exemplo – a regra é que tudo deve ser contado depois. "Se não contar, configura-se a deslealdade. Acima de qualquer forma de ciúme, deve estar o respeito”, resume a autora do livro-reportagem.
Segregação natural e liberdade relativa
As interações acontecem de forma natural nas casas, mas isso inclui a segregação. Com o aumento do número de casais mais jovens, na faixa dos 20 e poucos anos, criaram-se dois grupos - os mais velhos, que têm desconfiança em relação a essa 'turma' e consideram que eles não levam esse estilo de vida a sério; e os mais jovens, que muitas vezes não se sentem atraídos pelos mais velhos. A regra comporta várias exceções, mas a divisão em tribos existe.
Isso vale também em relação a práticas homossexuais masculinas. O envolvimento sexual entre dois homens, diante dos olhos de outro swingers, não é bem recebido. “É uma regra velada, não explícita. Enquanto as mulheres são incentivadas a se envolverem umas com as outras, sem que sua sexualidade seja questionada; os homens têm essa possibilidade vetada”, destaca.
Segundo Maria Silvério, a manifestação de um desejo em relação a outro homem faz com que aquele frequentador e sua parceira sejam evitados por outros casais. “A identidade, a orientação e a prática sexual são mais flexíveis para as mulheres, que vivenciam novos prazeres – ainda que por uma conveniência machista. O tabu da homossexualidade masculina faz com que os homens vivenciem, dentro das casas, as mesmas práticas que têm fora. A liberdade é muito relativa”, descreve.
A pesquisa realizada por Maria mostra também que, na maioria das vezes, a primeira incursão no swing se dá pela vontade e iniciativa do marido, movido principalmente pela fantasia do ménage à trois, mas muitas mulheres continuam porque descobrem novas formas de prazer. "Para muitas delas, na hora de receber sexo oral, por exemplo, não importa se é um homem ou uma mulher que oferece. Importa o prazer no momento. Esse é um ingrediente muito interessante: embora a mulher chegue ao swing levada pelo marido, a sequência dos fatos acaba fazendo com que elas se livrem de vários tabus”, reflete.
A autora vai além. “As mulheres desempenham papéis muito controlados na sociedade. Muitas delas não cogitam outras possibilidades para sua vida social e sexual. Essa possibilidade de dar vazão, por iniciativa própria, aos desejos e à imaginação depende de um amadurecimento. Depende de uma reflexão interna que nem todas têm. Culturalmente, somos educadas a ter 'medo' de 'virar' lésbica, a termos nojo, a reprimir”, diagnostica. Os padrões homem-pegador-garanhão e mulher-pegadora-vadia também refletem esse controle sobre papéis. “Que absorvemos muitas vezes sem perceber”, acrescenta Maria Silvério.
História e 'apuros'
Por ser uma prática realizada em âmbito privado, é difícil precisar sua origem – quando, onde, como surgiu o swing? Essas perguntas, fundamentais no jornalismo, foram um desafio para Maria Silvério no livro-reportagem. “O swing pode ter surgido inclusive com outros nomes que não conhecemos. A versão mais difundida vincula sua origem aos militares norte-americanos da década de 50, no período pós-guerra. Os casais se encontravam por meio dos 'clubes da chave' (key clubs). A mulher sorteava uma chave de casa ou carro em um pote e o dono da chave seria sua companhia naquela noite”, conta a autora.
Mas justo em um ambiente conservador e machista, como o dos militares estadunidenses dos anos 50? “Estudos sociológicos sugerem que isso se justificaria pela expectativa de vida. Um soldado vivendo a realidade das ocupações americanas depois da II Guerra contava com a possibilidade de morrer a qualquer momento. Não se tem certeza, mas evidências indicam que esse pode ter sido o motivador para eles se abrirem a novas experiências”, completa.
No doutorado, Maria pretende analisar o poliamor e o casamento aberto, completando a tríade de modelos não-monogâmicos mais comuns, junto com o swing, nas sociedade ocidentais e orientadas pelos valores judaico-cristãos. “Se pensarmos bem, vemos que o divórcio abalou a indissolubilidade do casamento; a união entre pessoas do mesmo sexo tem modificado os padrões ligados à heterossexualidade; mas a monogamia é um pilar/tabu mais resistente. É um dos poucos valores que ainda aparecem colados ao casamento”, analisa a pesquisadora mineira.
Isso na teoria. Na prática, os índices de várias pesquisas sugerem que esse valor pode ser mesmo questionado. “Cerca de 70% dos homens confessam que já traíram. Entre as mulheres, a taxa é de 60%. Ao mesmo tempo, a traição aparece sempre com uma das três principais causas de divórcio. É mais importante valorizar essa monogamia 'fingida'? Ou negociar e compartilhar desejos reais?”, questiona Maria Silvério.
Com linguagem leve e informativa, o livro vai além do swing e discute muitos aspectos das relações humanas e sociais que ficam quase sempre escondidos.
Ou, quando pesquisados, não saem dos muros das instituições de ensino. “Espero contribuir para quebrar preconceitos. Fui tratada com muito mais respeito nas casas de swing – estando com meu namorado ou não - do que em boates comuns, onde as mulheres têm que enfrentar agressividade quando dizem 'não'. Ouvi brincadeiras dos meus próprios colegas de mestrado – 'você vai fazer observação participante, Maria?' e até minha família estranhou a escolha do tema. Mas depois esses sentimentos foram substituídos por apoio, compreensão e admiração”, comemora a doutoranda.
'Certa noite, um casal de informantes me incentivou a espiar a única das quatro suítes que estava fechada. Quando abri a porta, deparei-me com uma imagem que provavelmente faria inveja a qualquer artista ou diretor de fotografia, tamanha sua preciosidade estética. Na cama da direita, três casais faziam sexo, cada um em uma posição diferente. Na cama da esquerda, outro casal e uma ménage entre uma mulher e dois homens. A meia-luz e a parede roxa contribuíam para o aspecto caloroso e sensual da cena. Os corpos nus movimentavam-se em sintonia como se compusessem uma obra de arte viva...' (Trecho de 'Swing: eu, tu...eles'; p.99)
Para saber mais
Mineira de Montes Claros, a autora viajou à Europa inicialmente para estudar inglês, depois de alguns anos atuando como jornalista. Acabou descobrindo por lá a linha de mestrado em multiculturalismo e imigrações, no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). "Desde a adolescência, desenvolvi questionamentos relativos aos papéis atribuídos à mulher na sociedade. Com muitos amigos homens e mulheres, percebia como eles lidavam de forma diferente com os relacionamentos. Esses padrões e valores me intrigavam”, revela.
No Brasil, assim como em outros países, não há dados precisos sobre a população adepta das casas de swing. A pesquisa da antropóloga Olívia Von der Weid, “Adultério consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing” (2008), identificou a existência de 55 estabelecimentos criados para a troca de casais, a maioria nas regiões Sul e Sudeste – 47. São Paulo e Rio de Janeiro, juntas, concentrariam pelo menos 31 estabelecimentos.
Mineira de Montes Claros, a autora viajou à Europa inicialmente para estudar inglês, depois de alguns anos atuando como jornalista. Acabou descobrindo por lá a linha de mestrado em multiculturalismo e imigrações, no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). "Desde a adolescência, desenvolvi questionamentos relativos aos papéis atribuídos à mulher na sociedade. Com muitos amigos homens e mulheres, percebia como eles lidavam de forma diferente com os relacionamentos. Esses padrões e valores me intrigavam”, revela.
No Brasil, assim como em outros países, não há dados precisos sobre a população adepta das casas de swing. A pesquisa da antropóloga Olívia Von der Weid, “Adultério consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing” (2008), identificou a existência de 55 estabelecimentos criados para a troca de casais, a maioria nas regiões Sul e Sudeste – 47. São Paulo e Rio de Janeiro, juntas, concentrariam pelo menos 31 estabelecimentos.
Serviço:
Swing: eu, tu...eles
Maria Silvério
Chiado Editora
Preço sugerido: R$50,00
Lojas Físicas:
Scriptum Livraria (Fernandes Tourinho, 99 - Savassi)
Banca de revistas Albuquerque (Antônio de Albuquerque, 645, esquina com Alagoas)
Café com Letras (Antônio de Albuquerque, 781- Savassi)
Em breve, nas lojas virtuais da Livraria Cultura e da Saraiva e também na rede Leitura, em Belo Horizonte.