A predisposição genética para atividades extremas e de alto rendimento está entre os fatores que justificam o fato de algumas pessoas conseguirem correr centenas de quilômetros e outras não. Mas claro que elas não estão livres de lesões e complicações decorrentes do esforço excessivo. Fernando Nogueira, dono da empresa Ultrarunner Eventos, especializada na organização de provas de ultramaratona, reconhece que em 20 anos de corrida já teve todo tipo de lesão. “No pé, no joelho, quadril, mas consegui superar todas elas porque parei e o corpo recuperou. Mas se a pessoa insiste, essa lesão pode vir a ser crônica”, explica.
Nivaldo Baldo, fisioterapeuta com experiência em recuperação de atletas, alerta que tudo no corpo tem uma resistência genética linear e quando os limites são vencidos a pessoa passa a viver em uma fronteira perigosa. “Mas ela só vai saber aonde pode chegar, fazendo. Antes disso, porém, deve atentar para todos os exames que devem ser feitos”, orienta. Além do acompanhamento de um cardiologista experiente, é preciso fazer os exames infectocontagiosos, de esforço, de sangue, além de levantamentos sobre possíveis má-formações do cérebro, rim e outros órgãos. Sem esquecer da avaliação ortopédica. “A pessoa pode ter um aneurisma cerebral pequeno que pode se manifestar durante uma ultramaratona. Quem treina teimosamente sem passar por essa bateria de exames pode ter até morte súbita”, alerta.
Consciente sobre a importância de ser orientado por profissionais qualificados, o advogado Thiago Torres, de 32 anos, começa a perseguir seus objetivos no trithlo amparado por uma equipe, além de ficar atento aos exames regulares. “Saí de um amadorismo muito grande e hoje tenho acompanhamento com nutricionista, endocrinologista e um treinador”, conta. As temidas lesões, segundo Marconi Gomes, presidente da Sociedade Mineira de Medicina do Exercício e do Esporte (Smexe), são fruto de uma intensidade excessiva, à qual o corpo ainda não está preparado para ser submetido.
“Isso ocorre com pessoas que querem reduzir o tempo a qualquer custo, bater recordes e realizar muitas provas ao longo do ano. Submetem-se a estímulos muito intensos sem o descanso necessário, o que acaba aumentando o risco”, observa. Por isso, o ideal é fazer o treino correto para a prova que o atleta está disposto a encarar. “Muitas pessoas têm competições de mais de 100 quilômetros, mas nunca treinaram essa quilometragem”, afirma Marconi. O ideal é ir para o percurso pelo menos no mesmo nível da prova. “Se for abaixo, o risco de ter problemas é grande”, orienta.
As lesões são apenas algumas das dificuldades, mas o atleta ainda pode apresentar hipertermia (aumento da temperatura corporal) ou hipotermia (queda da temperatura corporal) e até comprometer o funcionamento renal. “Evitar perda excessiva de peso durante a prova e monitorar a hidratação também são fundamentais”, aconselha Marconi.
ALIMENTAÇÃO
Claro que a alimentação adequada deve acompanhar todo esse processo e pode ser uma arma também para evitar lesões. “A dieta é adequada a cada momento, tanto pré, durante e pós atividade física. Além de ajudar na performance, trabalha na prevenção de lesões ao fortalecer a parte muscular e reduzir o catabolismo, que seria a perda de músculos por conta dos treinos extenuantes”, explica o nutricionista esportivo Guilherme Oliveira. Por isso a importância de uma equipe multidisciplinar capaz de auxiliar o atleta a atingir seus objetivos.
Apesar de não ter nenhum patrocínio, Carla conta com um grupo de apoiadores que inclui o treinador, médicos e nutricionista e até um engenheiro responsável por pesquisar os equipamentos mais adequados para cada uma das provas que ela compete. “Ele levanta o tipo de material para uma prova no deserto, outro para as montanhas. Tudo isso varia de acordo com a prova e até a altimetria que será enfrentada”, explica.
São justamente os avanços na tecnologia de roupas, equipamentos e até suplementos que fazem com que os limites estejam sempre à prova. “Todos esses aparatos fazem com que o atleta venha se superando a cada dia. Diante dessa evolução, fica difícil falar em limites. Hoje não se sabe mais onde ele está”, reconhece Fernando Nogueira.
A cabeça comanda
Mais do que o corpo, é a cabeça a grande responsável pelos resultados em competições extremas, como as ultramaratonas ou provas de triathlo. “O limite físico é ultrapassado apenas pelo psicológico”, garante a jornalista Daniela Santarosa, de 37, que pretende se dedicar às provas de ultrarrail, as corridas de longa distância na natureza. “Durante a prova, nossa briga mental é muito grande e a gente não vê a hora de chegar e aliviar esse embate”, afirma. Fernando Nogueira, que já participou de 65 ultramaratonas em toda a vida, arrisca dizer que 70% do resultado depende da cabeça e o restante, do condicionamento físico. “O psicológico pode derrotar um atleta”, afirma.
A ultramaratonista Carla Goulart, de 37, conta que durante a prova, se desliga de todo o entorno. “Sei que tem o cansaço, as dores no pé, mas não deixo que nada atrapalhe o meu desempenho. As dores no corpo desaparecem e não consigo enxergar nada ao meu redor”, conta. Fernando reconhece que para chegar nesse ponto é preciso estabelecer com clareza o foco e estar bem resolvido em relação aos objetivos. “Mas também há artifícios. Corro com música, que me transporta para outro mundo. É como um transe e como se eu estivesse fora do planeta”, descreve.
O professor-adjunto da UFMG Franco Noce explica que esse fenômeno de concentração extrema é chamado de flow felling, ou um estado de fluidez em que se atinge uma condição de plena concentração na atividade. “Mas isso realmente não é para qualquer um. Esses são seres humanos diferenciados”, pondera Noce. Inclusive no nível de desconforto e dor que são capazes de tolerar e na capacidade de resiliência que têm. “Do ponto de vista psicológico, é a capacidade da pessoa lidar com situações críticas e seguir em frente”, observa o especialista. Depois de correr 217 quilômetros sem parar, Carla afirma que precisa apenas de dois a três dias para retomar os treinamentos. “Já começo a trotar.”
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Consciente sobre a importância de ser orientado por profissionais qualificados, o advogado Thiago Torres, de 32 anos, começa a perseguir seus objetivos no trithlo amparado por uma equipe, além de ficar atento aos exames regulares. “Saí de um amadorismo muito grande e hoje tenho acompanhamento com nutricionista, endocrinologista e um treinador”, conta. As temidas lesões, segundo Marconi Gomes, presidente da Sociedade Mineira de Medicina do Exercício e do Esporte (Smexe), são fruto de uma intensidade excessiva, à qual o corpo ainda não está preparado para ser submetido.
“Isso ocorre com pessoas que querem reduzir o tempo a qualquer custo, bater recordes e realizar muitas provas ao longo do ano. Submetem-se a estímulos muito intensos sem o descanso necessário, o que acaba aumentando o risco”, observa. Por isso, o ideal é fazer o treino correto para a prova que o atleta está disposto a encarar. “Muitas pessoas têm competições de mais de 100 quilômetros, mas nunca treinaram essa quilometragem”, afirma Marconi. O ideal é ir para o percurso pelo menos no mesmo nível da prova. “Se for abaixo, o risco de ter problemas é grande”, orienta.
As lesões são apenas algumas das dificuldades, mas o atleta ainda pode apresentar hipertermia (aumento da temperatura corporal) ou hipotermia (queda da temperatura corporal) e até comprometer o funcionamento renal. “Evitar perda excessiva de peso durante a prova e monitorar a hidratação também são fundamentais”, aconselha Marconi.
ALIMENTAÇÃO
Claro que a alimentação adequada deve acompanhar todo esse processo e pode ser uma arma também para evitar lesões. “A dieta é adequada a cada momento, tanto pré, durante e pós atividade física. Além de ajudar na performance, trabalha na prevenção de lesões ao fortalecer a parte muscular e reduzir o catabolismo, que seria a perda de músculos por conta dos treinos extenuantes”, explica o nutricionista esportivo Guilherme Oliveira. Por isso a importância de uma equipe multidisciplinar capaz de auxiliar o atleta a atingir seus objetivos.
Apesar de não ter nenhum patrocínio, Carla conta com um grupo de apoiadores que inclui o treinador, médicos e nutricionista e até um engenheiro responsável por pesquisar os equipamentos mais adequados para cada uma das provas que ela compete. “Ele levanta o tipo de material para uma prova no deserto, outro para as montanhas. Tudo isso varia de acordo com a prova e até a altimetria que será enfrentada”, explica.
São justamente os avanços na tecnologia de roupas, equipamentos e até suplementos que fazem com que os limites estejam sempre à prova. “Todos esses aparatos fazem com que o atleta venha se superando a cada dia. Diante dessa evolução, fica difícil falar em limites. Hoje não se sabe mais onde ele está”, reconhece Fernando Nogueira.
A cabeça comanda
Mais do que o corpo, é a cabeça a grande responsável pelos resultados em competições extremas, como as ultramaratonas ou provas de triathlo. “O limite físico é ultrapassado apenas pelo psicológico”, garante a jornalista Daniela Santarosa, de 37, que pretende se dedicar às provas de ultrarrail, as corridas de longa distância na natureza. “Durante a prova, nossa briga mental é muito grande e a gente não vê a hora de chegar e aliviar esse embate”, afirma. Fernando Nogueira, que já participou de 65 ultramaratonas em toda a vida, arrisca dizer que 70% do resultado depende da cabeça e o restante, do condicionamento físico. “O psicológico pode derrotar um atleta”, afirma.
A ultramaratonista Carla Goulart, de 37, conta que durante a prova, se desliga de todo o entorno. “Sei que tem o cansaço, as dores no pé, mas não deixo que nada atrapalhe o meu desempenho. As dores no corpo desaparecem e não consigo enxergar nada ao meu redor”, conta. Fernando reconhece que para chegar nesse ponto é preciso estabelecer com clareza o foco e estar bem resolvido em relação aos objetivos. “Mas também há artifícios. Corro com música, que me transporta para outro mundo. É como um transe e como se eu estivesse fora do planeta”, descreve.
O professor-adjunto da UFMG Franco Noce explica que esse fenômeno de concentração extrema é chamado de flow felling, ou um estado de fluidez em que se atinge uma condição de plena concentração na atividade. “Mas isso realmente não é para qualquer um. Esses são seres humanos diferenciados”, pondera Noce. Inclusive no nível de desconforto e dor que são capazes de tolerar e na capacidade de resiliência que têm. “Do ponto de vista psicológico, é a capacidade da pessoa lidar com situações críticas e seguir em frente”, observa o especialista. Depois de correr 217 quilômetros sem parar, Carla afirma que precisa apenas de dois a três dias para retomar os treinamentos. “Já começo a trotar.”