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Ao todo, foram realizadas entrevistas com 191 nativos de Sassari, Bargagia e Ogliastra, na ilha mediterrânea, e de vilas rurais da Lombardia. Todos tinham entre 60 e 99 anos e estavam mentalmente saudáveis. “Fizemos diversos testes para medir o estado mental e a capacidade cognitiva dessas pessoas”, conta Fastame. Ela lembra que Bargagia e Ogliastra foram escolhidas pela alta prevalência de centenários. Um estudo anterior da pesquisadora também havia indicado que, nessas localidades da Sardenha, os moradores exibem níveis de bem-estar psicológico muito maior do que os registrados no norte italiano.
Ajustados fatores como gênero, estilo de vida, hábitos alimentares e prática de exercícios, entre outros, a equipe de Fastame descobriu que a felicidade é uma característica comum entre os longevos habitantes da Sardenha. Já na Lombardia, onde o percentual de centenários é três vezes menor, os idosos tendem a ser mais deprimidos, observa Fastame. “Especialmente entre os muito idosos, com mais de 75 anos, os traços depressivos são muito grandes entre os lombardos”, diz. Por outro lado, os participantes do mediterrâneo demonstravam níveis elevados de satisfação pessoal. Eles descreveram aos pesquisadores que se sentiam muito respeitados, valorizados e admirados pelos mais jovens. Mesmo os que estão próximos de se tornar centenários exibem a disposição de quem têm a vida pela frente: eles relataram aos cientistas que não abrem mão de se envolver em atividades sociais, recreativas e culturais em suas cidades.
Fastame lembra que, apenas pela pesquisa, não pode afirmar que a felicidade é um dos ingredientes da longevidade. Para isso, são necessários estudos estatísticos maiores. Contudo, ela diz que é impossível dissociar a satisfação dos sardenhos da incrível expectativa de vida deles. Ao mesmo tempo em que são conhecidos por passar facilmente dos 100 anos, outra característica dos habitantes da ilha é o humor. A expressão “sardônica”, inclusive, que se refere à zombaria, palavra grega que designa os sardenhos. “Acho que uma importante lição que eles ensinam, e que nossa pesquisa reforça, é que o fortalecimento da autoimagem e da autoestima pode ser uma importante intervenção psicológica para idosos”, diz a psicóloga e psiquiatra.
Genética
Um fato curioso sobre a longevidade nessa região da Itália, que há décadas atrai pesquisadores, é que os naturais da ilha não se esforçam muito para passar dos 99. A dieta sardenha está repleta de carne vermelha e queijo amarelo, por exemplo. Para Luca Deiana, professor de medicina e cirurgia na Universidade de Sassari, na Itália, embora muitos fatores contribuam para a vida longa dos sardenhos, não há como excluir a genética nessa receita. Desde 1996, ele pesquisa o gene da longevidade, tendo como base os supercentenários — pessoas com mais de 110 anos — da Sardenha. “Para viver tanto quanto eles, há fatores ambientais, relativos a hábitos cotidianos etc. Mas o principal e mais importante é, seguramente, o genético”, afirma. Desde que o médico deu início às investigações, sua equipe catalogou 3 mil supercentenários nos 337 municípios da região. “E esse número vai aumentar. Até agora, por exemplo, já contamos 18 mil ‘ultranoventanos’, aqueles com mais de 90”, diz.
Deiana ainda não encontrou o gene definitivo da longevidade, mas acredita que uma mutação relacionada à falta de produção de uma enzima no cromossomo X pode explicar em partes o fenômeno da Sardenha. Essa variante foi identificada na maior parte dos habitantes da ilha estudados por ele. A falta do gene G6PD foi encontrada pelo pesquisador principalmente em um vilarejo, Ovadda, em que quase todo mundo descende de uma única família de colonos. “Por anos, os habitantes de Ovadda viveram relativamente isolados do restante da Itália, casando entre si. Embora casamentos cosanguíneos aumentem a probabilidade de doenças genéticas, parece que, lá, isso tenha feito as pessoas viverem mais”, observa Deiana, referindo-se à ausência do G6PD, característica herdada pelos ilhéus.
Mais abertos e meticulosos
“A maior parte das pesquisas sobre os mais velhos entre os idosos do mundo se foca em fatores de saúde, mas, mais do que pressão arterial e níveis de açúcar no sangue, o bem-estar mental dos centenários são fortes indicativos de sobrevivência. A personalidade determina a forma como reagimos ao estresse e às mudanças diárias e, por isso, se seremos tão felizes na velhice como fomos na juventude. Centenários saudáveis têm mente mais aberta e meticulosa. Ao mesmo tempo, personalidades neuróticas estão associadas a uma saúde mais pobre. Entender a saúde nesses termos tem muitas implicações para a qualidade de vida.”
Leonard Poon, diretor do Instituto de Gerontologia da Universidade da Geórgia, autor de um estudo sobre os fatores relacionados à longevidade