O futebol que se cuide, pois o ciclismo está arrebatando corações. Talvez pela universalidade. A atividade reúne crianças e idosos, homens e mulheres, ricos e pobres: para pedalar basta ter uma magrela. Pesquisa de uma marca de artigos esportivos o define, inclusive, como sendo o esporte mais equilibrado entre os gêneros. Talvez pelos benefícios. Estudos científicos também já comprovaram as vantagens da bicicleta para a saúde, mesmo quando utilizada só para ir ao trabalho ou à escola. Até trajetos pequenos podem ser benéficos se realizados com regularidade. Talvez pelo seu aspecto social. Apesar de ser um esporte individual, cada vez mais o ciclismo é praticado coletivamente: os grupos de pedal são um fenômeno.
Segundo Reginaldo Gonçalves, do Laboratório de Avaliação da Carga da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), se considerarmos a mesma intensidade e duração da prática, os benefícios de todas os esportes cíclicos ditos aeróbicos (ciclismo, natação, corrida, patinação) são os mesmos: melhora do sistema cardiorrespiratório, do metabolismo, do aparelho locomotor e outros. As vantagens do ciclismo estariam relacionadas ao menor estresse do sistema locomotor. Esse teria, particularmente, menores chances de sobrecarga nos joelhos e calcanhares.
Uma vantagem sobre a natação e a corrida é poder ser praticado por um período maior e, dessa forma, aumentar os benefícios relacionados à saúde, como níveis de gordura corporal, pressão arterial, colesterol e glicemia. Pesquisador de treinamento esportivo e saúde, Reginaldo explica que praticar quatro vezes por semana, por duas horas de cada vez, é melhor do que quatro vezes por semana por uma hora. “O ciclismo permite isso de uma forma menos monótona e mais confortável, já que não sobrecarrega tanto as articulações como a corrida. A sensação de bem-estar também é aumentada pela possibilidade de variação de ambientes durante a pedalada e pela possível interação com colegas”, explica o doutor em ciências da saúde.
E que bem-estar! A administradora Juliana Martins Damasceno, de 32 anos, passou a infância e a adolescência sobre uma bicicleta. Era com uma Cecizinha roxa, com direito a cestinha, que ia à padaria, locadora de vídeo, clube e casa de amigos. “Naquela época, era comum, pelo menos no interior, recebermos ordens dos pais, como buscar pão ou comprar alguma coisa que faltava para uma receita de bolo. Em todas essas situações simples e rotineiras a bike estava lá, sempre presente, dando independência, liberdade, aventura, emoção e agilidade para a minha vida. Essa relação era tão comum que nunca tinha me dado conta de que era uma paixão, achava que todas as crianças tinham essa liberdade”, lembra.
INVESTIMENTO A mudança para Belo Horizonte, aos 17 anos, fez Juliana investir na corrida. E só três anos atrás, quando os joelhos começaram a doer, ela escutou os amigos, que diziam ser o ciclismo o esporte ideal para ela, pelo pequeno impacto no joelho. Juliana redescobriu a paixão pela bike, agora somada a uma paixão pela natureza, que não sentia desde a infância no interior. “É um misto de emoções e sensações: um esporte delicioso, que me mantém em forma, o contato com a natureza e a integração com pessoas diferentes que dividem o amor pelas duas rodas. O mountain biking permite vivenciar os lugares com mais intimidade do que se estivesse em um carro ou ônibus. E nós mineiros somos privilegiados por montanhas e cachoeiras de tirar o fôlego.”
No mês em que se comemora o Dia da Bicicleta, em 26 de julho (em abril se celebra o dia mundial), o Bem Viver reuniu especialistas e apaixonados pelo pedal. Eles compartilham as vantagens dessa prática esportiva para a saúde, dão dicas de como escolher a bicicleta certa para cada corpo e tipo de terreno. Principalmente, despertam em nós uma vontade de segurar no guidom e sair por aí.
Unidos pelo pedal
Duas décadas de ciclismo dariam a Pedro Lopes o aval de mentir sobre a idade. A vitalidade do empresário impressiona: difícil acreditar em seus quase 72 anos. Fundador de um dos mais antigos grupos de mountain bike da cidade, o BH Bikers, Pedro começou a pedalar em 1993. Naquela época, a chegada das bicicletas com marcha ao mercado conquistou uma legião de fãs. Seus filhos, adolescentes na época, passaram a disputar provas de mountain bike em cidades próximas e Pedro levava uma turma de amigos para as competições. “Se trago e espero, por que não praticar também?”, pensou na época.
O envolvimento foi tão grande que Pedro se aposentou e abriu um negócio próprio: uma loja especializada em bicicletas. De repente, respirava sobre duas rodas. Aquela era sua nova fonte de renda, mas também seu novo lazer. Há mais de 10 anos, resolveu criar o grupo, que hoje tem 600 integrantes e se reúne todo domingo para trilhas nas proximidades de Belo Horizonte. “A turminha é viciada. Nem sai no sábado, tudo para poder aproveitar o programa de domingo”, conta Pedro, que define o percurso e compartilha todas as informações com os amigos.
Pedro Lopes, um dos fundadores do BH Bikers, ao lado do filho Daniel: vitalidade e amor à bike aos 71 anos
Pedro Lopes, um dos fundadores do BH Bikers, ao lado do filho Daniel: vitalidade e amor à bike aos 71 anos
No BH Bikers, pedalam juntos ciclistas de 8 a 71 anos. “A bicicleta conservou meu vigor físico. Não percebi ele se alterar nesses últimos 20 anos. Além disso, à medida que você começa a ter uma natural deficiência de força, também fica mais habilidoso e tem acesso a um equipamento cada vez melhor. Encontro pessoas da minha idade pela rua e não acredito como estão envelhecidas”, conta Pedro, que pedala diariamente, na cidade durante a semana, quando usa a bicicleta para ir às aulas – está fazendo sua terceira graduação – e nos fins de semana, quando se dedica às trilhas.
Para Pedro, os grupos combinam com o ciclismo. “Dependemos de nós mesmos e dos companheiros. Não é como na moto, que o motor ajuda e dá mais segurança andar com outra pessoa. Quem pedala acaba formando uma família, tanto que não é raro surgirem casamentos”, conta. Foi assim com a empresária Alessandra Metzger, de 32 anos. Ela conheceu o marido, Renato Alves, de 39, em um casamento. “ Ele era amigo do noivo e eu da noiva. Tinha uma foto minha pedalando na tela inicial do meu celular. Ele viu e logo me convidou para pedalar na semana seguinte. Foi paixão à primeira pedalada”, brinca.
Alessandra pedala há seis anos; Renato, há 15, tendo participado, inclusive, de provas do Iron Bike. Se a paixão pela bicicleta foi a desculpa para o “primeiro encontro”, a magrela continuou aproximando o casal. Para Alessandra, é ótimo ser casada com alguém que curte o mesmo esporte, entende a necessidade do outro e compartilha hábitos como acordar cedo para pedalar. Atualmente afastada das trilhas –, há cinco meses, nasceu o primeiro filho do casal, Roger – a empresária diz entender, perfeitamente, a necessidade dele de sair para pedalar. “Não tem ciuminho ou nada do gênero”, conta.
É por isso que muitos casais pedalam juntos ou pelo menos compartilham o programa de domingo. Muitas esposas, quando não entram para o grupo, acabam se encontrando para o almoço durante a trilha. “É uma grande família. A gente programa fazer uns 30 quilômetros, mas sempre estica. Acho que elas preferem ver o marido pedalando a assistindo à televisão o dia todo em casa”, brinca Pedro, que se prepara para fazer o caminho de Santiago de Compostela, da França à Espanha, em setembro. “É assim que vou comemorar meus 72 anos.” Pelo jeito, serão outros tantos aniversários.