Essa nova face da uva bordô é conclusão de estudo da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da Universidade de São Paulo (USP), em Pirassununga, interior paulista. De autoria do engenheiro de alimentos Volnei Brito de Souza, a dissertação de mestrado teve como objetivo trabalhar com os subprodutos da fruta, obtendo deles um pigmento em pó que pode ser usado pelas indústrias alimentícia, farmacêutica e de cosméticos. Os artigos foram publicados em periódicos científicos holandês e inglês. “Para a análise, conseguimos no interior de São Paulo cerca de 50 quilos de cascas e sementes da fruta, mas nem tudo foi usado. Essa espécie de uva é tinta, tem uma cor roxa mais forte, gosto amargo e é conhecida por ser rica em pigmentos, que se chamam antocianina”, afirma Volnei.
O pigmento, presente em todas as uvas, exceto nas brancas, de acordo com o pesquisador, é responsável por dar cor à fruta e está presente na casca dela. “Aqui no Brasil, essa espécie frutífera é mais usada na produção de vinhos e sucos, e não é muito consumida in natura, já que dá uma sensação amarga na boca. Aquelas que consumimos, geralmente, têm menos pigmentos e não têm um roxo tão intenso”, compara. A primeira etapa do estudo teve como objetivo retirar esse pigmento da casca com a ajuda de um solvente líquido, composto por uma mistura de etanol e água. “Na semente não há pigmentos, mas há nutrientes que seriam essenciais para a nossa pesquisa”, esclarece Volnei.
Depois de triturar as sementes e cascas, ele adicionou o solvente. “Agitamos o material durante três horas. Depois o filtramos, para ter em mãos somente o extrato. Como o obtivemos em forma líquida, a intenção era transformá-lo em pó. Para isso, usamos um equipamento chamado atomizador, muito usado na indústria para produzir leite em pó”, detalha. É por meio de um processo de secagem que a máquina, rapidamente, faz a transformação. Porém, segundo o pesquisador, no caso da pesquisa, o extrato em análise continha um teor muito baixo de sólido, o que levou o estudioso a adicionar um carboidrato chamado maltodextrina, um açúcar obtido do amido e que ajuda no processo de secagem.
CAPACIDADES
A partir do pó pronto, o pesquisador passou a analisar a capacidade da substância. O primeiro teste foi avaliar a estabilidade do pigmento e, para isso, segundo Volnei, o pó foi armazenado durante 120 dias em diversas condições de temperatura e umidade. “Percebemos que quanto maior a quantidade de maltodextrina, menor era degradação que o produto sofria. Ou seja, o carboidrato servia como proteção para o pó”, esclarece. Outra avaliação foi a atividade antioxidante da mistura. “Por meio de uma análise in vitro , avaliamos se o pigmento seria capaz de inibir os radicais livres. E o resultado foi positivo, o que indica que ele pode ser usado em produtos voltados para benefícios da saúde, tanto para tratamentos de câncer quanto para cosméticos”, aponta o engenheiro de alimentos.
Outro ponto levantado é a capacidade antibacteriana que o pigmento apresenta. Segundo Volnei Souza, há bactérias que causam problemas quando presentes em alimentos, as chamadas bactérias patogênicas. “Elas causam infecção e intoxicação alimentar. Testamos, então, o poder do pigmento de inibir quatro bactérias e conseguimos um resultado positivo para duas delas, a Staphylococcus aureus e a Listeria monocytogenes, relacionadas a infecções de origem alimentar”, revela Volnei. Ele diz que essa atividade antimicrobiana pode ser aproveitada, por exemplo, para inibir o crescimento dessas bactérias em diferentes produtos alimentícios.
As amostras ainda tiveram alta inibição da atividade da enzima arginase, associada ao metabolismo e à reprodução da Leishmania, protozoário causador da leishmaniose. “O pigmento poderia ser testado na produção de alguma droga para o tratamento da doença”, sugere o pesquisador, concluindo que o pigmento obtido no estudo poderia substituir os corantes sintéticos, que podem ser tóxicos. “O pigmento é natural, solúvel em água, não tem gosto e remete à uva por causa da cor roxa. Pode ser empregado em bebidas, iogurtes e cosméticos, entre outros”, acrescenta. O trabalho contou com a colaboração do professor Edson Roberto da Silva, da FZEA, e da professora Maria Inés Genovese Rodriguez, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP.
RICAS EM ANTIOXIDANTES
Não só a uva bordô, mas todas as uvas escuras são benéficas para a saúde, conforme comenta a coordenadora do curso de nutrição do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), Sabrina Fabrini. “Quanto mais escura é a casca, maior é seu poder antioxidante”, diz. Reconhecendo que a uva bordô não é tão usada pelos brasileiros, ela indica para uma alimentação saudável o uso do suco dessa uva, já que o vinho tem álcool. A nutricionista afirma que para uma dieta balanceada, 100 gramas de uva rubi, encontrada com facilidade em supermercados e feiras, contêm cerca de 70 calorias. “A uva não é uma fruta calórica. É rica em vitamina dos complexos B e C, é fonte de carboidrato, além de conter potássio, fósforo e magnésio. As uvas-passa, por exemplo, são uvas concentradas e contêm muitas fibras. O ideal é que sejam consumidas, no máximo, 10 unidades por dia”, indica.
MUITO ALÉM DO PALADAR
Conheça os benefícios da casca e da semente da uva bordô, de acordo com estudo da USP:
Antioxidante: o pigmento apresentou, entre suas propriedades funcionais, capacidade antioxidante,
que protege o corpo dos efeitos prejudiciais dos radicais livres (substâncias geradas no organismo, responsáveis por reações que prejudicam as células).
Antibacteriana: o pigmento foi testado contra a ação de quatro bactérias patogências, conseguindo inibir o crescimento de duas delas: Staphylococcus aureus e Listeria monocytogenes, relacionadas a infecções de origem alimentar.
Leishmaniose: o pó teve alta inibição da atividade da enzima arginase, associada ao metabolismo e à reprodução da Leishmania, protozoário causador da leishmaniose.