No Brasil, cerca de 48% dos homens após os 40 anos apresentarão alguma queixa relativa à disfunção erétil, temporária ou regularmente. Além de ter a consciência de que é muito comum, quem sofre com o problema deve considerá-lo como uma questão global de saúde. Segundo o médico Daniel Alcantara, especialista do Núcleo de Urologia do Hospital Samaritano, de São Paulo, uma queixa relativa à ereção pode ser um marcador precoce de risco de doença coronariana no futuro. "A disfunção de hoje poderá ser o infarto do miocárdio daqui a quatro ou cinco anos", destaca.
O urologista explica que as artérias do pênis têm cerca de um milímetro. Já as coronarianas têm, em média, 4 milímetros. Assim, se a causa do problema sexual – seja ele leve, moderado ou acentuado, quando a pessoa deixa de ter relações durante longos períodos - for uma obstrução circulatória, é preciso uma avaliação criteriosa. O fator que impede o fluxo de sangue para o pênis, dificultando a ereção, pode afetar também o coração, principalmente entre os pacientes que já apresentam outras variáveis de risco, como o sobrepeso, a hereditariedade, a hipertensão, o tabagismo, o sedentarismo, o colesterol e a glicemia em níveis indesejáveis.
Os elementos que aumentam a propensão ao infarte e à disfunção erétil (DE) são muito semelhantes. “Por isso, uma obstrução arterial em um vaso sanguíneo de calibre menor, como no pênis, deve ser avaliado como indicador global de saúde”, reforça Alcântara. Para o urologista, é um marcador que não pode ser ignorado mesmo entre os homens que não fazem questão de tratar a DE; ou não colocam a relação sexual com outra pessoa como prioridade. “Alguns pacientes chegam ao meu consultório dizendo que não fazem questão de resgatar a ereção – seja por uma questão de interesse próprio ou da parceira; ou qualquer outra razão íntima. Respeitamos isso, mas a função erétil, ainda que não seja considerada como indicador de qualidade de vida por todos, deve ser vista, sim, como sinal de organismo saudável”, garante.
Dentro dessa lógica, o sistema nervoso também dá sinais de que algo não vai bem. “Se há algum estímulo sexual, seja um toque ou um filme, por exemplo, a excitação vai até o córtex cerebral e de lá seguem uma série de reações – taquicardia, pelo arrepiados. os músculos das artérias relaxam para permitir o fluxo aumentado de sangue... Se há alguma deficiência nesse mecanismo - no caso de diabetes, há maior propensão a neuropatias, só para citar uma possibilidade - o primeiro alerta pode vir da disfunção erétil”, explica Alcântara.
Da mesma maneira, as queixas podem ser sinais precoces do risco de aneurisma. “Esses danos neurológicos podem também facilitar a ocorrência de um acidente vascular cerebral (AVC) obstrutivo das carótidas, que são as artérias responsáveis por levar sangue oxigenado ao cérebro”, acrescenta o especialista.
A disfunção erétil deve ser vista, segundo o médico, como doença relacionada ao estilo de vida. “Uma boa saúde sexual nada tem de secundária ou de 'mera recreação'. Ela está diretamente ligada a uma boa saúde global e deve receber investimentos para ser tratada de forma mais ampla também no Sistema Único de Saúde (SUS)”, pondera Daniel Alcantara.
Preconceito e tratamento
Com exceção dos casos em que o paciente passa por uma cirurgia radical de próstata ou de intestino, por exemplo, ou ainda um trauma de bacia, geralmente os casos de disfunção erétil relacionam-se a insatisfações psicológicas e condições específicas em nervos e artérias. Pode haver também a influência de efeitos colaterais dos tratamentos para doenças como a depressão e hipertensão, entre outras. “Sempre digo que a relação, do ponto de vista do homem, é um barco a vela – o pênis é um barco, alimentado por sangue e nervos; a vela é a cabeça, que pode ser afetada pelo stress, pelo trânsito, pelas dúvidas, por problemas na relação conjugal. E o vento é justamente a parceria com a outra pessoa na cama”, compara o urologista.
De acordo com o médico, apesar de multicausal, a disfunção erétil sempre está vinculada ao desequilíbrio entre a contração e o relaxamento da musculatura lisa dos corpos cavernosos. Os motivos que levam a esse desequilíbrio podem ser orgânicos, de origem psicológica e também mista (orgânico %2b psicogênico). O diagnóstico é feito pela história clínica, exame físico, exames de laboratório e teste de ereção. "O tratamento tem que ser individualizado e cada caso deve ser avaliado em detalhe. Mas a primeira linha de terapia utiliza medicamentos orais. A segunda é a autoinjeção intracavernosa e/ou bomba de vácuo. E a terceira linha é o implante de prótese peniana. Em todos esses casos, recomenda-se o acompanhamento psicoterápico”, resume. Na maioria das ocorrências, a primeira linha é suficiente.
Com a evolução dos medicamentos orais, foi possível também estabelecer um tratamento com dose diária, em horários preestabelecidos. “Assim, retiramos a pressão do 'tomei o remédio agora, então tem que funcionar' ou 'tomei o remédio, então sou obrigado a ter relação'. Conseguimos diminuir o estigma em torno do fármaco. O controle é feito de forma mais tranquila”, acrescenta o urologista. A medicação para disfunção erétil de uso contínuo foi lançada em 2010, com o objetivo de que a dose diária trouxesse mais espontaneidade nas relações sexuais, sem prejuízo no resultado final. "Mas muitas pessoas continuam com a imagem da época em que as 'pílulas azuis' foram lançadas, o que gera receio e insegurança", salienta Alcantara.
O urologista lembra que o mais importante para encontrar a solução é, primeiramente, a quebra do preconceito entre os pacientes – cerca de 40% das consultas são marcadas por mulheres. De acordo com o especialista, eles não tomam a iniciativa. E, quando os homens marcam a visita ao médico, geralmente é por indicação de um amigo próximo que teve um problema grave. O motivador é o medo. “Apesar de tantas mudanças na sociedade, muitos homens mantêm aquela imagem de que devem ser infalíveis. Se ele estiver doente, vai deixar de ser o macho alfa, vai demonstrar fragilidade”, avalia Daniel Alcântara.
O médico lembra ainda que raciocínio semelhante se aplica a elas, no que diz respeito à relação entre saúde global e sexual. Em estudos recentes, a queda do desejo e a baixa lubrificação foram associadas a um risco maior de doenças coronarianas também nas mulheres. “As disfunções sexuais são sinais importantes, que devem ser avaliados como indicadores da saúde física e mental plena", reforça Alcantara.
Um terço dos entrevistados disse que havia diminuído a frequências das relações. Um quinto afirmou ter abandonado completamente. Além disso, uma em cada sete pessoas afirmaram que o desejo havia diminuído, devido ao impacto emocional do diagnóstico.
Cerca de 30% das pessoas entrevistadas não haviam, no entanto, discutido o problema com o médico. “Fica claro que os pacientes precisam de mais apoio e informações. A disfunção erétil, por exemplo, pode e deve ser tratada em pacientes cardíacos. O sexo é uma parte importante da vida e não está recebendo a atenção devida nos consultórios. As pessoas precisam se sentir confortáveis e confiantes para levantar essas questões, e não simplesmente desistir”, ponderou, em comunicado, a Fundação Britânica do Coração (BHF), organizadora do levantamento.