A deficiência de células-tronco límbicas (LSC) — encontradas no limbo, a fronteira entre a córnea e o branco do olho — está entre as principais causas de cegueira no mundo. O problema tem como única opção terapêutica o transplante de tecidos saudáveis. Esse tratamento, porém, pode ser malsucedido se o número de LSC for baixo. Uma condição que esbarra em um barreira técnica: não há procedimento capaz de identificar essas células. Dois estudos publicados nesta quinta-feira na revista científica Nature prometem mudar esse cenário, abrindo novas possibilidades de procedimentos que provoquem a regeneração das córneas.
Pesquisadores de hospitais de Boston, nos Estados Unidos, descobriram uma forma de restaurar a visão usando o gene ABCB5, que atua como um marcador de LSC presentes no olho. Assim, não há dúvida sobre a presença, no tecido transplantado, das células-tronco que ajudam a manter e regenerar a córnea. “Atualmente, não existem marcadores moleculares para as LSC. Partimos da hipótese de que, como outras células pluripotentes, as LSC têm o gene ABCB5 e conseguimos, dessa forma, identificar quais células do limbo seriam próprias para a regeneração”, detalha Markus Frank, líder do estudo.
Com a equipe de estudiosos, Frank usou anticorpos para detectar a presença do ABCB5 e ampliar o número de células-tronco límbicas em córneas de doadores humanos. Após a interferência, conseguiran recriar córneas totalmente funcionais em camundongos. A pesquisa mostrou ainda que a molécula é necessária para a manutenção das LSC, assim como para o desenvolvimento e a reparação da membrana ocular.
Segundo Tarciso Schirmbeck, do Visão Institutos Oftalmológicos, o epitélio da córnea é trocado continuamente, assim como os tecidos de outros órgãos, a pele, por exemplo. Essa mudança acontece por meio das células do limbo, que normalmente são suficientes para a recuperação. “Mas, no caso de lesões, elas precisam ter uma capacidade regenerativa maior, o que nem sempre acontece”, explica. As LSC, de acordo com o especialista, produzem substâncias que desencadeiam um processo no qual a regeneração se dá de maneira correta, mas, sem a presença do ABCB5 ou em manifestações pequenas do gene, a capacidade regenerativa pode ser inadequada.
Isolador de molécula
Para demonstrar o potencial terapêutico do ABCB5, os autores transplantaram tecidos com LSC e o gene em roedores modificados para ter deficiência desse marcador. Eles descobriram que as células-tronco que apresentam a molécula foram capazes de restaurar as córneas dos camundongos. Os autores sugerem que esses resultados reforçam que tratando o ABCB5 como um marcador para isolar as LSC, é possível usá-las depois em um transplante clínico com chances de ser mais bem-sucedido. “As LSC são muito raras e os transplantes dependem dessas células que têm a capacidade de se regenerar e não podem ‘morrer’ durante o processo”, ressalta Frank. “Essa descoberta promete fazer novos tratamentos baseados em células-tronco viáveis para deficiência de LSC.”
De acordo com Rubens Belfort, professor da Escola Paulista de Medicina, ligada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é importante ressaltar que, apesar dessas propriedades apresentadas pelas LSC, existem restrições quanto ao uso delas. “Não é porque estão associadas a células-tronco que podemos pensar em resolver problemas cardíacos ou até mesmo de retina com elas. As LSC só possuem essa capacidade de transformação e regeneração para a córnea”, reforça.
O especialista afirma que, no momento, não existem trabalhos feitos com células-tronco na oftalmologia, e que o estudo apresentado pelas instituições americanas está em uma etapa inicial. “Ele traz novidades para a área, mas ainda é muito experimental, feito apenas com animais de laboratório. Ainda tem cinco a 10 anos pela frente para essa descoberta ter alguma utilidade prática”, estima.
Atualmente, Frank trabalha no desenvolvimento de um anticorpo do ABCB5 que atenda os padrões de aprovações regulatórias norte-americanas. Aplicada em diferentes tecidos humanos, essa substância indicaria a presença do gene, facilitando o processo de regeneração de diferentes partes do corpo.
Esperança médica
São estruturas adultas, mas que têm capacidade de se transformar em células com outras funções, apresentando, assim, alta propriedade regenerativa. Cientistas acreditam que o uso clínico delas não esbarraria na possibilidade de rejeição porque os pacientes seriam tratados com estruturas do próprio corpo.
Produções mais eficientes Outras duas pesquisas publicadas na revista Nature de hoje também envolvem experimentos realizados com células-tronco. Em uma delas, cientistas de universidades americanas avaliaram os métodos de produção de células-tronco pluripotentes a partir do mesmo doador humano. Eles compararam as versões derivadas de embriões fertilizados, as obtidas por transferência nuclear e por células adultas reprogramadas, e concluíram que a segunda é a mais eficiente.
De acordo com Shoukhrat Mitalipov, líder do estudo conduzido principalmente na Universidade de Oregon, a constatação pode otimizar a forma como os cientistas desenvolvem células-tronco e terapias com elas. Mitalipov explica que, desde 2006, a conversão de células adultas em células-tronco embrionárias se dá pela introdução de quatro genes específicos. O resultado da reprogramação são s células-tronco pluripotentes induzidas, ou iPS, pela sigla em inglês.
O procedimento defendido por Mitalipov é chamado de SCNT e consiste em transplantar o núcleo de uma célula com DNA de um indivíduo para um óvulo cujo material genético tenha sido removido. O óvulo não fertilizado se desenvolve e produz células-tronco. Os resultados da pesquisa apontam que as iPS são mais propensas a desenvolver uma formação incompleta, enquanto as obtidas por meio de SCNT adquirem a mesma estabilidade genética vista em células-tronco de embriões fertilizados, apontando para uma nova possibilidade de terapia celular.
Sangue
Devido à dificuldade de encontrar doadores para transplantes de medula por causa da compatibilidade sanguínea, um estudo conduzido por Shahin Rafii, da Weill Cornell Medical College, aponta para um método de conversão de células adultas em precursoras de células do sangue, as células-tronco hematopoéticas. Essas estruturas, quando injetadas via intravenosa, conseguem regenerar toda a linhagem de células sanguíneas no corpo.
A proposta consiste em gerar células-tronco hematopoéticas a partir de outras células do paciente, processo que atualmente sofre com as limitações da cultivação de células-tronco em laboratório e a dificuldade em enxertar essas células na medula. Rafii e a equipe induziram a conversão direta de células endoteliais humanas, que compreendem o revestimento dos vasos sanguíneos, em hematopoéticas com atividade multipotente a longo prazo.
As células reprogramadas foram enxertadas em camundongos imunodeficientes e se diferenciaram de células sanguíneas adultas. Os autores afirmam que, por esse método, criou-se um nicho vascular que produz sinais importantes para orquestrar e sustentar o desenvolvimento e a especificação de células hematopoéticas. Essa abordagem, de acordo com eles, pode ser útil para a criação de células hematopoéticas de longa duração e, consequentemente, para tratamentos potenciais de doenças no sangue. (FF)
Pesquisadores de hospitais de Boston, nos Estados Unidos, descobriram uma forma de restaurar a visão usando o gene ABCB5, que atua como um marcador de LSC presentes no olho. Assim, não há dúvida sobre a presença, no tecido transplantado, das células-tronco que ajudam a manter e regenerar a córnea. “Atualmente, não existem marcadores moleculares para as LSC. Partimos da hipótese de que, como outras células pluripotentes, as LSC têm o gene ABCB5 e conseguimos, dessa forma, identificar quais células do limbo seriam próprias para a regeneração”, detalha Markus Frank, líder do estudo.
Com a equipe de estudiosos, Frank usou anticorpos para detectar a presença do ABCB5 e ampliar o número de células-tronco límbicas em córneas de doadores humanos. Após a interferência, conseguiran recriar córneas totalmente funcionais em camundongos. A pesquisa mostrou ainda que a molécula é necessária para a manutenção das LSC, assim como para o desenvolvimento e a reparação da membrana ocular.
Segundo Tarciso Schirmbeck, do Visão Institutos Oftalmológicos, o epitélio da córnea é trocado continuamente, assim como os tecidos de outros órgãos, a pele, por exemplo. Essa mudança acontece por meio das células do limbo, que normalmente são suficientes para a recuperação. “Mas, no caso de lesões, elas precisam ter uma capacidade regenerativa maior, o que nem sempre acontece”, explica. As LSC, de acordo com o especialista, produzem substâncias que desencadeiam um processo no qual a regeneração se dá de maneira correta, mas, sem a presença do ABCB5 ou em manifestações pequenas do gene, a capacidade regenerativa pode ser inadequada.
Isolador de molécula
Para demonstrar o potencial terapêutico do ABCB5, os autores transplantaram tecidos com LSC e o gene em roedores modificados para ter deficiência desse marcador. Eles descobriram que as células-tronco que apresentam a molécula foram capazes de restaurar as córneas dos camundongos. Os autores sugerem que esses resultados reforçam que tratando o ABCB5 como um marcador para isolar as LSC, é possível usá-las depois em um transplante clínico com chances de ser mais bem-sucedido. “As LSC são muito raras e os transplantes dependem dessas células que têm a capacidade de se regenerar e não podem ‘morrer’ durante o processo”, ressalta Frank. “Essa descoberta promete fazer novos tratamentos baseados em células-tronco viáveis para deficiência de LSC.”
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O especialista afirma que, no momento, não existem trabalhos feitos com células-tronco na oftalmologia, e que o estudo apresentado pelas instituições americanas está em uma etapa inicial. “Ele traz novidades para a área, mas ainda é muito experimental, feito apenas com animais de laboratório. Ainda tem cinco a 10 anos pela frente para essa descoberta ter alguma utilidade prática”, estima.
Atualmente, Frank trabalha no desenvolvimento de um anticorpo do ABCB5 que atenda os padrões de aprovações regulatórias norte-americanas. Aplicada em diferentes tecidos humanos, essa substância indicaria a presença do gene, facilitando o processo de regeneração de diferentes partes do corpo.
Esperança médica
São estruturas adultas, mas que têm capacidade de se transformar em células com outras funções, apresentando, assim, alta propriedade regenerativa. Cientistas acreditam que o uso clínico delas não esbarraria na possibilidade de rejeição porque os pacientes seriam tratados com estruturas do próprio corpo.
Produções mais eficientes Outras duas pesquisas publicadas na revista Nature de hoje também envolvem experimentos realizados com células-tronco. Em uma delas, cientistas de universidades americanas avaliaram os métodos de produção de células-tronco pluripotentes a partir do mesmo doador humano. Eles compararam as versões derivadas de embriões fertilizados, as obtidas por transferência nuclear e por células adultas reprogramadas, e concluíram que a segunda é a mais eficiente.
De acordo com Shoukhrat Mitalipov, líder do estudo conduzido principalmente na Universidade de Oregon, a constatação pode otimizar a forma como os cientistas desenvolvem células-tronco e terapias com elas. Mitalipov explica que, desde 2006, a conversão de células adultas em células-tronco embrionárias se dá pela introdução de quatro genes específicos. O resultado da reprogramação são s células-tronco pluripotentes induzidas, ou iPS, pela sigla em inglês.
O procedimento defendido por Mitalipov é chamado de SCNT e consiste em transplantar o núcleo de uma célula com DNA de um indivíduo para um óvulo cujo material genético tenha sido removido. O óvulo não fertilizado se desenvolve e produz células-tronco. Os resultados da pesquisa apontam que as iPS são mais propensas a desenvolver uma formação incompleta, enquanto as obtidas por meio de SCNT adquirem a mesma estabilidade genética vista em células-tronco de embriões fertilizados, apontando para uma nova possibilidade de terapia celular.
Sangue
Devido à dificuldade de encontrar doadores para transplantes de medula por causa da compatibilidade sanguínea, um estudo conduzido por Shahin Rafii, da Weill Cornell Medical College, aponta para um método de conversão de células adultas em precursoras de células do sangue, as células-tronco hematopoéticas. Essas estruturas, quando injetadas via intravenosa, conseguem regenerar toda a linhagem de células sanguíneas no corpo.
A proposta consiste em gerar células-tronco hematopoéticas a partir de outras células do paciente, processo que atualmente sofre com as limitações da cultivação de células-tronco em laboratório e a dificuldade em enxertar essas células na medula. Rafii e a equipe induziram a conversão direta de células endoteliais humanas, que compreendem o revestimento dos vasos sanguíneos, em hematopoéticas com atividade multipotente a longo prazo.
As células reprogramadas foram enxertadas em camundongos imunodeficientes e se diferenciaram de células sanguíneas adultas. Os autores afirmam que, por esse método, criou-se um nicho vascular que produz sinais importantes para orquestrar e sustentar o desenvolvimento e a especificação de células hematopoéticas. Essa abordagem, de acordo com eles, pode ser útil para a criação de células hematopoéticas de longa duração e, consequentemente, para tratamentos potenciais de doenças no sangue. (FF)