Saúde

Ciência descobre a origem dos sintomas da esquizofrenia

Cientistas do EUA desvendam, em ratos, o mecanismo que leva às manifestações clínicas do distúrbio. A descoberta poderá ajudar no desenvolvimento de terapias mais eficazes em humanos

Vilhena Soares

Alucinações auditivas são um dos sintomas mais comuns sentidos por esquizofrênicos. O distúrbio psicológico, porém, pode gerar outras dificuldades. Entre elas, pensamento mais lento, delírios e alterações de afetividade. Além de os antipsicóticos diminuírem apenas alguns desses problemas, ingestão deles em excesso gera efeitos adversos também preocupantes, como alterações no sono. Uma descoberta de cientistas dos Estados Unidos sinaliza para intervenções terapêuticas mais eficientes. Em ratos, eles entenderam como um receptor determina a manifestação dos sintomas da esquizofrenia. Caso a falha genética seja confirmada em humanos, intervenções nela poderão otimizar os tratamentos.


O estudo partiu de um princípio conhecido pelos cientistas — de que desregulações da quantidade de dopamina no cérebro causam a esquizofrenia. Os pesquisadores também conheciam o receptor de dopamina e a ligação dele com a doença, mas precisavam esclarecer a relação direta com os sintomas. “Em estudos feitos com humanos e intervenções (por meio de remédios) em receptores de dopamina, vimos que eles aliviavam as alucinações em muitas pacientes. Isso a partir de 1970 e 1980”, destaca Stanislav Zakharenko, um dos autores do estudo publicado na edição desta semana da revista Science e integrante do Departamento de Neurobiologia do Hospital St. Jude Children's (EUA).

Utilizando esses dados iniciais, os cientistas conseguiram mapear, em camundongos, as conexões neurais sensíveis ao remédio. Observaram que um receptor de dopamina, o D2 — que, quando tem uma falha genética, expressa quantidade anormal do neurotransmissor —, reage mais à droga. Por isso, acreditam que os sintomas esquizofrênicos são causados pela superexpressão do receptor D2. “Agora, temos novos insights sobre os mecanismos que levam a defeitos de circuitos neuronais e à manifestação de sintomas da esquizofrenia chamados positivos, como delírios e alucinações, e os negativos e cognitivos, por exemplo, a perda de interesse em pessoas”, destaca Zakharenko.

Clique para ampliar e saber mais sobre a esquizofrenia
Segundo o pesquisador, os sintomas positivos (veja infográfico) são os únicos atualmente controlados por antipsicóticos. A comunidade científica tenta entender por que não há reação aos negativos e de deficit cognitivo. Uma vez identificadas as falhas nas conexões neurais ligadas a essas duas situações, terapias mais eficientes poderão ser desenvolvidas. “Experimentos específicos poderão ser realizados em busca de formas para tratar essas conexões, desenvolvendo moléculas para aliviar esses sintomas”, detalha.

“Ganho valioso”
Jorge Jaber, psiquiatra da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), acredita que, se o receptor D2 for confirmado em humanos como o principal responsável pelos sintomas do distúrbio, haverá um aumento na qualidade de vida de esquizofrênicos. “Muitas vezes, o paciente não consegue sanar todos os problemas com as doses iniciais de antipsicóticos e temos que aumentá-la. Mas isso dá mais sono ou a pessoa pode engordar. Esse trabalho ajudaria neste ponto: acabar com esses efeitos colaterais do excesso de medicamento”, destaca.

O psiquiatra explica que os remédios dão prioridade ao tratamento da alucinação auditiva, que é o sintoma mais comum do distúrbio. “Há também a visual, a de olfato. Caso tenhamos um remédio que atinja especificamente esse determinado gene causador desse sintoma e de outros, alterando a configuração genética, seria um ganho valioso”, completa.

Análise inédita
Há muitos cientistas que buscam desvendar a origem da esquizofrenia, mas a análise de receptores de dopamina específicos ainda não havia sido feita. Esse olhar diferenciado e mais aprofundado é o destaque do trabalho conduzido pelos pesquisadores norte-americanos, avalia Rodrigo Bressan, psiquiatra e coordenador do Programa de Esquizofrenia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “O remédio usado em tratamentos desse transtorno bloqueia esse tipo de receptor, mas ninguém nunca havia demonstrado isso. Agora, vemos, em ratos, como funciona a regulação gênica. A dopamina era conhecida, mas eles inovaram ao mostrar exatamente a área do cérebro afetada e como ela leva as alucinações”, destaca.

Apesar do sucesso alcançado no experimento, Bressan acredita que um trabalho mais aprofundado é necessário para que a possibilidade de um tratamento com humanos fique mais próxima. Jaber também acredita que o trabalho necessita de mais dados, como os efeitos colaterais nos ratos com receptor de dopamina D2 que foram tratados com antipsicóticos normais. “Temos que saber se, futuramente, humanos que sofrerem essa intervenção no receptor estudado reagirão bem ao uso dos remédios, o trabalho não fala de efeitos colaterais nos ratos, isso é um ponto importante a ser explorado”, sugere.

Zakharenko adianta que a pesquisa terá continuidade e que outros receptores deverão ser identificados, o que permitirá uma exploração detalhada dos componentes genéticos da doença. “O receptor D2 é apenas uma das muitas lesões genéticas conhecidas por causar a esquizofrenia, precisamos pesquisar mais. Esperamos que as moléculas que regulam a atividade dele possam ser alvo de drogas e que forneçam novas metas para as empresas farmacêuticas”, aposta.