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Isso explicaria por que algumas pessoas acostumadas a se bronzear podem apresentar sinais de dependência física e psicológica, como maior tolerância e desejo pela luz do Sol. É possível até mesmo que alguns experimentem a síndrome de abstinência caso fiquem impossibilitados de receber a dose diária de raios UV.
O motivo está, segundo os pesquisadores, no fato de a exposição liberar no corpo endorfinas opioides, substâncias químicas produzidas naturalmente pelo organismo para aliviar a dor e gerar sentimentos de bem-estar. Os raios UV ativam o sistema de recompensa do cérebro, estimulando a repetição desse comportamento e fazendo com que a pessoa ignore os riscos de câncer de pele, envelhecimento precoce e queimaduras. Não é raro que os viciados em bronzeamento relatem sensação de relaxamento e melhora no humor como justificativas para o excesso de banhos de sol.
As amigas Crysthiane Carrara, 47 anos, e Deborah Resende, 45, confessam que esses motivos são suficientes para levá-las todas as manhãs ao Parque da Cidade, onde treinam vôlei de praia há cinco anos. “O sol melhora a produção do dia inteiro, sem ele não rendo nada. Para mim, é vida”, diz Chrystiane. “O negócio é o sol, somos realmente viciadas na energia dele”, completa.
Apesar de a bancária usar o termo viciadas, isso não significa que elas de fato tenham uma dependência ou adotem hábitos arriscados. Elas apenas constatam os efeitos de bem-estar que pode levar algumas pessoas a sofrerem com o problema. O mesmo pode-se dizer de Gilson Luiz Gonzaga, 54 anos, outro assíduo participante nas aulas de vôlei de praia. Natural de Santa Catarina, o autônomo comemora o clima da capital, que fornece muitas manhãs de Sol ao longo do ano. “O tempo de Brasília é perfeito para isso.”
Experimento
A equipe responsável pelo estudo constatou o poder viciante dos raios UV em ratos. Bastaram sete dias de pequenas doses de exposição para os animais apresentassem taxas de beta-endorfinas altas, provocando uma mudança de comportamento — essencialmente noturnos, os animais começaram a buscar a luz solar com ferequência.
Em uma segunda etapa, os pesquisadores observaram que os ratinhos manifestaram sintomas relacionados à sinalização de opioides, como baixa sensibilidade ao toque e à temperatura. O efeito foi revertido quando as cobaias receberam doses de substâncias que bloqueiam a atividade dos receptores de endorfina. Entretanto, na ausência do medicamento, as cobaias apresentaram tremores e ranger de dentes, indícios clássicos da abstinência.
“Esse estudo traz informações importantes que podem ajudar a explicar por que os humanos tornaram-se dependentes do sol ao longo de sua evolução. As beta-endorfinas são substâncias importantes para as sensações de prazer, e os pesquisadores demonstraram que a produção delas pelos raios UV faz com que a luz solar possa ser tão viciante quanto uma droga pesada”, diz Alessandro Leal, médico da unidade brasiliense do Centro de Oncologia do Hospital Sírio Libanês.
O neurologista Fabrício Hampshire, professor da Faculdade de Medicina de Petrópolis, contudo, diz que os resultados devem ser interpretados com ponderação. “Como o experimento foi realizado em animais, não é possível dizer que humanos também apresentarão esse comportamento aditivo. O que se pode dizer, entretanto, é que a produção de endorfinas está associada com a produção de vitamina D, um composto importante que evita diversas doenças como a esclerose múltipla. O sol, entretanto, não é a única maneira de se obter esse elemento”, afirma o também médico do Hospital Caxias D’or, no Rio de Janeiro.
Não compensa
David Fisher, um dos principais autores do estudo, observa que qualquer necessidade compulsiva é um dos critérios que qualificam o vício. Segundo ele, a exposição aos raios UV desencadeia processos de alívio da dor, os mesmos envolvidos no efeito de analgésicos, como morfina, e de drogas, como a heroína. Os resultados, ele afirma, oferecem evidências consistentes de que uma pessoa não precisa ser usuária de drogas para ser viciada nos efeitos opioides geralmente associados a elas.
“Além disso, conseguimos encontrar um padrão que pode ter responsabilidade parcial no aparecimento de câncer de pele, e essa informação é útil para os institutos de saúde pública”, complementa Fisher. Na opinião do cientista, é possível que estudos como esse consigam limitar o uso de câmaras de bronzeamento, especialmente entre adolescentes. O procedimento é proibido no Brasil desde 2009, após a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), ter incluído a exposição às radiações UV na lista de práticas e produtos carcinogênicos para humanos.
Para o norte-americano, o custo benefício do sol para a saúde não compensa o risco. “Sabemos que a vitamina D é importante para a força óssea e a regulação de cálcio, mas a obtenção dessas vantagens não é restrita ao costume de se expor à radiação com frequência. O comportamento pode ser, na realidade, mais perigoso do que benéfico”, alerta. Fisher observa também que os efeitos dos protetores solares não foram incluídos no experimentos. “A boa notícia é que existem algumas indicações que eles podem proteger as pessoas desses comportamentos aditivos e induzidos pela radiação UV”, completa.
Mudança de tendência
Nas décadas finais de 1800, as damas europeias evitavam o sol ao máximo porque a pele bronzeada era associada à pobreza e ao trabalho rural. A aparência pálida, por outro lado, era um indicativo de “bom berço”. Compromissos ao ar livre eram exceções, e, nessas horas, chapéus, mangas longas e guarda-sóis faziam-se indispensáveis. A moda só mudou em 1923, quando a estilista francesa Coco Chanel apareceu bronzeada após uma viagem de barco a Cannes. Acidentalmente, ela popularizou o dourado da pele no mundo ocidental. Desde então, o corpo bronzeado tem sido associado à saúde e a condições financeiras que proporcionam diversão e pouco trabalho.