Pesquisadores das universidades de Heidelberg e de Tubingen, na Alemanha, publicaram nesta quinta-feira, na revista científica Nature, um trabalho bastante promissor na busca por um imunizante capaz de retardar a corrida destruidora desse tipo de doença. O artigo foca na atuação da proteína IDH1, expressa em uma grande fração dos gliomas, especialmente nos astrocitomas — as neoplasias cerebrais primárias mais comuns — em grau II e III. Em ambos os quadros, existe uma mutação genética muito frequente (IDH1-R132H), percebida em mais de 60% dos gliomas que expressam a proteína estudada pelos alemães. “Essa terapia tem como base o conceito de que só as células do tumor expressam a versão mutante dessa enzima, as células normais, não”, resume Glaucia Noeli Hajj, bióloga e pesquisadora do A.C. Camargo Cancer Center.
Dessa forma, foi possível construir uma resposta imune específica contra a proteína mutante para desacelerar o crescimento do cancro. Não é uma vacina preventiva, mas terapêutica. “A proposta deles é que essa terapia poderia estimular o sistema imune do paciente a montar uma resposta contra um tumor que já esteja presente, diminuindo, então, a progressão dele para formas mais agressivas”, complementa Hajj. Essa consequência é muito comum em cânceres desse tipo. Um astrocitoma de grau IV, por exemplo, pode surgir com a progressão de um de graus II ou III. Ao atingir o quarto nível de gravidade, passa a ser chamado de glioblastoma. Ele é, ao mesmo tempo, o tipo mais grave e o mais comum de glioma diagnosticado — representa cerca de 55% dos casos.
Os camundongos portadores da mutação IDH1-R132H e vacinados pela equipe liderada por Michael Platten produziram anticorpos que atacaram as proteínas expressas pelas células mutantes. “Conceitualmente, as pessoas com gliomas de baixo grau e alta prevalência da mutação IDH1 (R132H) representam uma população de pacientes que pode se beneficiar de uma vacina de tumor, que pode permanecer estável ou minimamente crescendo por vários anos”, garante o pesquisador.
Experiência brasileira
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e responsável pela neurocirurgia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), Guilherme Lepski conta que conhece o trabalho do grupo da Alemanha, pois também é professor da Universidade de Tubingen. No Brasil, ele desenvolve estratégia de imunoterapia para combater o mesmo tipo de mal. “A doença é altamente maligna e a medicina ainda não tem meios adequados para tratá-la. Então, existe muito interesse na pesquisa para deter esse tumor.” Segundo Lepski, a doença não é rara, a incidência alcança 2% de todos os cânceres que acometem a população adulta.
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Remoção de tumores cerebrais com paciente acordado permite controlar risco de sequelasTransplante de neurônios combate o ParkinsonEstudo revela que neurônios são criados na vida todaEmbora raro, câncer cerebral apresenta baixas taxas de cura e sobrevidaBlogueira australiana que ficou famosa por sua luta contra o câncer confessa que nunca teve a doença Novo exame detecta tumor cerebral a partir de aminoácidoDescoberta alemã pode tornar tratamento de câncer cerebral menos invasivoAs vacinas de Lepski precisam ser individualizadas. Ele explica que a imunoterapia é a ideia de fazer o paciente com um tumor ativar o sistema de defesa de forma personalizada. Para cada doente, é preciso coletar amostras do cancro, das células sanguíneas e do sistema de defesa. Se o material for de outra pessoa, pode ser identificado como invasor e passar a ser alvo do sistema imune. Para participar do ensaio clínico, o paciente precisará estar sob condições específicas. Entre elas, já ter sido submetido ao tratamento convencional.
Batalha de um vencedor
Estrela do basquete mundial, Oscar Schmidt trouxe o glioma para os holofotes ao anunciar o tratamento contra o problema em 2011. O brasileiro foi diagnosticado com um câncer na parte frontal esquerda do cérebro. Em 2011, quando foi submetido à primeira cirurgia, o câncer foi identificado como maligno de grau 2, considerado baixo. Desde a última cirurgia, a doença aumentou para o grau 3 e hoje é considerada de grau 4. No último domingo, em um programa de televisão, o ex-atleta voltou a mostrar otimismo ao falar sobre a doença. Disse que ela “pegou o cara errado”.
Imunoterapia também contra a tuberculose
As novidades em torno da imunoterapia não giram em torno apenas do câncer. Uma nova estratégia também apresentada na edição de hoje da revista científica Nature mostra a utilização do impulso ao sistema imunológico para o tratamento da tuberculose. O grupo liderado por Katrin Mayer-Barber, do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, dos Estados Unidos, interferiu na ação de dois componentes do sistema imune de cobaias. Os autores acreditam que, se os resultados puderem ser traduzidos para humanos, a estratégia pode funcionar como uma opção ao tratamento convencional da tuberculose.
Um dos grandes desafios contra a doença transmitida pelo bacilo de Koch está na busca por uma alternativa terapêutica. O mal se transfere de uma pessoa para a outra pelas gotículas eliminadas durante a respiração, a tosse e os espirros. Uma faceta ainda desconhecida é que a infecção do organismo desencadeia respostas inflamatórias reguladas por proteínas chamadas citocinas. Uma delas, a interleucina-1 (IL-1), parece ter efeitos protetores, enquanto o excesso de outra, a interferon tipo I (IFN), está ligado à exacerbação da doença.
Os pesquisadores identificaram uma condição de equilíbrio entre os dois componentes nas cobaias criadas em laboratório como modelos da doença. A alteração desse balanço com o uso de medicamento já clinicamente aprovados foi capaz de aumentar a sobrevivência dos animais.
As duas citocinas encontram-se ligadas por meio de um mediador chamado prostaglandina E2 (PGE2). A IL-1 aumenta a produção de PGE2, que ajuda a conter o patógeno. Os cientistas dos Estados Unidos descobriram que uma quantidade excessiva de IFN aumenta a expressão da doença em camundongos. A correção terapêutica em busca do desequilíbrio da ação da IL-1 e da IFN melhoraria os sintomas e aumentaria a sobrevivência dos animais.
Além dos cientistas estrangeiros, o trabalho conta com a participação do pesquisador brasileiro Eduardo Amaral, ligado ao Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP).