“Tivemos casos em que a notícia foi dada por enfermeiros e, só depois, o médico explicou o problema com cuidado, sendo que, muitas vezes, isso não ocorreu em um lugar fechado, desrespeitando o momento de choro e desespero dos pais”, relata Talitha. A estudiosa conversou com 24 mulheres entre junho de 2012 e março de 2013, no Setor de Oncologia da Clínica Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP), ligado à USP. “Realizamos conversas em grupo para que elas dessem suas opiniões e ouvissem as das outras, o que ajudou na hora de chegarmos às conclusões”, relata.
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A opção por saber e entender o câncer e, depois, falar sobre a doença para o rebento doente também foi muito relatada pelas entrevistadas. Tânia Mara Batista, de 21, ouviu de um médico a notícia de que a filha Kamila Vitória Santos, de 4, tinha um tumor bilateral no rim longe da criança e com todo o cuidado possível. Segundo ela, o cuidado tomado foi essencial para a compreensão da doença. “A Kamila não estava pronta e acho que isso foi importante pois, depois de entender tudo, pude explicar para ela com as minhas palavras. Mesmo sendo pequena e entendendo pouco, foi o melhor caminho. Hoje, ela já entende sobre o tratamento e a situação por que passamos.” Em uma sala reservada, Tânia ouviu do especialista que a menina não estava em uma situação crítica e que a chance de cura do tumor era bastante alta. “Ele me explicou com cuidado e me deu esperanças.”
O outro lado Informar a existência de um câncer também não é uma tarefa fácil para os profissionais da saúde. Por conta disso, países como os Estados Unidos adotam um protocolo, chamado Spikes, composto por um passo a passo de como dar a notícia . “O documento aponta justamente a necessidade de estar em um local fechado, tranquilo, privativo e que o profissional precisa estar disponível para a conversa”, destaca Talitha Mello. A pesquisadora acredita que um esquema do tipo traria grande auxílio aos profissionais brasileiros nessa tarefa. “Acredito que, assim como nos EUA, deveríamos ter uma disciplina que abordasse a comunicação entre o médico e o paciente, além de, quem sabe, elaborar um relatório”, avalia.
Para Sílvia Coutinho, supervisora técnica de psicologia do Hospital da Criança do Distrito Federal, os protocolos poderiam auxiliar os médicos, mas trariam um resultado muito mais positivo se fossem elaborados com base na cultura brasileira. “Esses passos são um método que funciona mais em uma sociedade de perfil mais frio em relação aos comportamentos. No nosso caso, somos mais emocionais. Acredito que, com adaptações, poderíamos tirar mais proveito dessa estratégia”, destaca.
A especialista também acredita que uma boa medida seria o acompanhamento de psicólogos no momento em que a notícia é repassada aos familiares e ao paciente. Isso porque os oncologistas têm uma formação voltada para a análise biológica do problema. “Precisamos de profissionais treinados que possam ajudar, dar suporte e falar de uma forma mais direcionada, pois, muitas vezes, também não sabemos do temperamento desses pais, algo que conta e pode fazer diferença na reação. É necessário ter cuidado com esses fatores, que podem influenciar em uma reação”, diz.
Para o oncologista Fernando Maluf, chefe do Centro de Oncologia Antonio Ermírio de Moraes, do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo, a relação médico-paciente deve ser sempre melhorada e as faculdades estão se empenhando nesse aspecto. “Mas acredito que, a despeito das aulas ou dos artigos sobre o tema, um grande componente vem da nossa casa, da educação dos nossos pais, da nossa afetividade, pois o ato de cuidar de alguém não é dever somente dos médicos, mas de todos. E esses preceitos começam no lar”, argumenta. Em parceira com Drauzio Varella e Antonio Carlos Buzaid, o oncologista acaba de lançar o livro Vencer o câncer, que tem o objetivo de repassar aos leigos informações claras sobre a doença (leia Três perguntas para).
A continuidade do projeto de Talitha Bordini também focará na linha de melhor esclarecimento sobre os tumores malignos. “Acredito que, futuramente, iremos trabalhar com um protocolo direcionado a brasileiros. Com isso, poderemos ajudar nessa comunicação”, diz. As entrevistas com as mães fizeram parte do trabalho de mestrado da enfermeira. Segundo ela, um artigo está sendo finalizado para publicação em revistas especializadas.
Natureza embrionária
Os tumores malignos em crianças têm predominantemente natureza embrionária. Como são constituídos de células indiferenciadas, em geral, há uma melhor resposta do organismo ao tratamento terapêutico. No adulto, em muitas situações, o surgimento do câncer está associado claramente aos fatores ambientais, como fumo e câncer de pulmão. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), as neoplasias mais frequentes na infância são as leucemias (glóbulos brancos), tumores do sistema nervoso central e linfomas (sistema linfático). Também acometem os pequenos o neuroblastoma (tumor de células do sistema nervoso periférico), o tumor de Wilms (renal), o retinoblastoma (retina do olho), o tumor germinativo (células que vão dar origem às gônadas), o osteossarcoma (ósseo) e os sarcomas (nas partes moles do corpo). Estima-se que em torno de 70% das crianças acometidas pela doença podem ser curadas se o câncer for diagnosticado precocemente e tratado em centros especializados.
Fernando Maluf - oncologista, chefe do Centro de Oncologia Antonio Ermírio de Moraes, do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo e autor do livro Vencer o câncer
Quais são os cuidados que precisam ser tomados pelo médico ao lidar com uma doença tão séria e o que o paciente deve esperar desse momento de diagnóstico?
O médico deve ser claro e informativo, ao mesmo tempo afetuoso e deixar claro que essa é uma batalha de todos (paciente, família e médico). Eu sempre ensino aos meus residentes que, para fazer a oncologia de modo completo, devemos sentar na cadeira do paciente a fim de contemplar o que ele ou ela está sentindo no momento. O paciente precisa de um bom médico acima de um bom técnico.
Uma das motivações para a publicação do livro seria um certo combate à desinformação sobre o câncer promovida principalmente pela internet. Como o senhor vê essa interferência?
O doutor Google pode ser útil em algumas ocasiões, mas pode ser danoso em outras. Não é incomum as informações disponíveis em uma busca de internet serem providas por profissionais sem grande profundidade ou experiência no tema ou até mesmo por pessoas de outras áreas que não de saúde. Além disso, nem sempre as palavras de procura remetem a um texto que as descreve com exatidão. Isso muitas vezes não é percebido pelo leigo e, portanto, as informações são mal interpretadas. Sem falar no fato de que o texto de internet muitas vezes é simples e sem uma discussão ampla que contemple os detalhes da doença, do paciente e do meio ambiente. Esses três fatores são críticos e podem influenciar de modo importante o prognóstico e os tratamentos oferecidos.
Como isso refletiu no projeto do livro Vencer o câncer?
O projeto Vencer o câncer na figura do livro e do site procura, por meio de especialistas de renome nacional e internacional, prover informação clara, transparente, simples e, ao mesmo tempo, detalhada para permitir que pacientes e famílias se munam do melhor modo possível para abater o bandido, no caso, o tumor. Esse projeto não auxilia somente quem passa pela doença, mas também boa parte da população, saudável no momento, que quer se orientar sobre o modo de vida mais saudável e cuidadoso para não passar por essa, muitas vezes, dura experiência.