Saúde

Bebê a caminho: exames do olhinho, coração, orelhinha e pezinho devem ser feitos ao nascer

Testes podem ser feitos em maternidade, posto de saúde ou laboratório. Porém, eles não definem diagnóstico, apenas levantam suspeitas

Celina Aquino

Evaldo e Flávia Portela, como filho, Caio, de duas semanas de vida, ficaram atentos aos testes ainda no hospital
Não dá para perder tempo. Muitas doenças precisam ser detectadas logo nos primeiros dias de vida para que não prejudiquem o desenvolvimento da criança. Por isso, os pais precisam ficar atentos a quatro exames básicos neonatais, na maioria das vezes realizados na maternidade: os testes do olhinho, do coraçãozinho, da orelhinha e do pezinho. “Os exames são importantes porque muitas doenças só vão apresentar sinais com alguns meses de vida, ou seja, elas passam silenciosas e você pode perder tempo precioso sem tratar os recém-nascidos”, explica o pediatra neonatologista Cláudio Drummond Pacheco, do Hospital Mater Dei, em Belo Horizonte. Nenhum dos testes, porém, define um diagnóstico. Eles são considerados de triagem, pois apenas levantam uma suspeita que deverá ser confirmada por exames complementares e avaliação de especialista.

 

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O mais conhecido dos exames neonatais é o teste do pezinho, obrigatório no Brasil desde 2001. “Apesar de não ser definitivo, é capaz de prevenir problemas mais sérios no futuro, porque leva ao tratamento precocemente”, alerta o secretário do Departamento de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) Adauto Dutra Morais Barbosa, professor de neonatologia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Basicamente, o teste do pezinho detecta quatro doenças: hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, anemia falciforme e fibrose cística. Minas Gerais já entrou na fase IV do Programa Nacional de Triagem Neonatal e também oferece o exame para hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase. Dependendo do caso, o médico indica a avaliação de risco de outras doenças mais raras.


Normalmente, o teste do pezinho não é realizado na maternidade. A responsabilidade de levar a criança ao posto de saúde ou a um laboratório particular é dos pais, pois eles recebem alta com o pedido em mãos. “O pediatra é obrigado a solicitar o teste, mas não significa que ele será realizado, a não ser que o recém-nascido passe muito tempo internado na unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal”, pontua Barbosa.

Recomenda-se que o teste do pezinho seja realizado na primeira semana de vida do bebê. Cláudio Drummond reforça que o exame deve ser feito o quanto antes porque, caso seja observada alguma alteração, a indicação é repeti-lo. Além disso, o resultado pode demorar 10 dias. “É raro haver alteração, mas, quando encontramos algo no teste do pezinho, pode ser que precisemos correr contra o tempo”, destaca. Por outro lado, não dá para fazer o exame logo depois do nascimento porque algumas doenças, como a fenilcetonúria, dependem do contato do bebê com o leite para que sejam detectadas corretamente.

Os pais também devem saber que o recém-nascido precisa ser submetido aos testes do olhinho e do coraçãozinho ainda na maternidade. Atenta aos procedimentos, a psicóloga Flávia Andrade Franco Portela, de 29 anos, alertou o pediatra, antes de receber alta, de que não haviam feito a avaliação cardíaca do seu filho. “Soube dos exames em dois cursos que fiz durante a gravidez. Quanto mais informação, melhor”, comenta. Na primeira ida ao posto de saúde, Flávia aproveitou para fazer o teste do pezinho e marcar o da orelhinha, que pode ser realizado até um mês depois do nascimento. “É uma tranquilidade saber que dá para agir o mais rápido possível”, completa a mãe do pequeno Caio, que tem duas semanas de vida.

Normalmente, o teste do pezinho não é realizado na maternidade. A responsabilidade de levar a criança ao posto de saúde ou a um laboratório particular é dos pais
Apesar da abrangência dos testes de triagem, nenhum deles substitui o exame clínico. “De modo geral, costuma-se dar mais importância aos exames laboratoriais, mas antes de tudo existe uma avaliação física do recém-nascido, que é essencial”, destaca o neonatologista do Hospital Mater Dei, que considera complementares os testes neonatais. Geralmente, o exame clínico é realizado algumas horas depois do parto para dar tempo de o corpo do bebê se adaptar ao ambiente fora do útero. O pediatra ausculta o coração, escuta sons respiratórios e abdominais, observa o interior da boca e avalia os reflexos primitivos do recém-nascido, que mostram como está a parte neurológica. De qualquer maneira, os exames neonatais devem ser realizados na sequência, para descartar qualquer suspeita.

PRÉ-NATAL DE QUALIDADE
De acordo com Adauto Barbosa, os exames de triagem não excluem a necessidade de a gestante fazer um pré-natal de qualidade. “É claro que nem tudo pode ser diagnosticado antes, mas o pré-natal ajudar a neonatologia a fazer um diagnóstico precoce, diminuindo a mortalidade e a morbidade. Hoje, por exemplo, fazemos diagnóstico de cardiopatia congênita intraútero”, comenta. Barbosa se diz assustado com o número de crianças com sífilis congênita, casos em que a mãe não passou por exame ou não se tratou adequadamente. É necessário que todas as gestantes façam exames no pré-natal, incluindo HIV, toxoplasmose, hepatite B e citomegalovírus, menos de 30 dias antes do parto. Caso o resultado seja positivo, o recém-nascido terá que fazer testes específicos ao nascer.

O que eles podem indicar
» TESTE DO OLHINHO
(reflexo vermelho)

É rápido, simples e indolor. Utiliza-se um aparelho chamado oftalmoscópio para analisar o eixo óptico do recém-nascido. O normal é enxergar um reflexo vermelho, mesmo efeito do flash de uma câmera fotográfica, ao mirar a fonte luminosa na direção dos olhos do bebê. Quando o reflexo é branco, semelhante ao do olho de gato, pode haver alguma obstrução do eixo óptico causada por doenças como catarata, glaucoma e retinoblastoma, tumor maligno que se desenvolve na retina. A recomendação é realizar o teste do olhinho com poucas horas de vida do recém-nascido, ainda na maternidade. Exames complementares devem ser feitos por um oftalmologista para confirmar qualquer suspeita.

» TESTE DO CORAÇÃOZINHO
(oximetria de pulso)

Deve ser realizado mesmo que o exame clínico não levante suspeitas, pois consegue detectar cardiopatias congênitas graves não identificadas com a ausculta. Um sensor é aplicado na pele do bebê, sem a necessidade de retirada de sangue. Chamado de oxímetro de pulso, o equipamento mede na mão direita e em um dos pés do recém-nascido a saturação de oxigênio, geralmente acima de 94%, que é a capacidade da hemoglobina de carregar oxigênio. O teste do coraçãozinho costuma ser feito depois de 24 horas do nascimento, já que o processo de adaptação à vida fora do útero pode atrapalhar o resultado. É preciso dar tempo para que ocorram as adequações fisiológicas esperadas logo depois do parto.

» TESTE DA ORELHINHA
(emissões otoacústicas evocadas)

Antigamente restrito a grupos de risco, entre eles filhos de pais com deficiência auditiva e de mães que tiveram rubéola congênita durante a gestação, hoje é indicado para todos os recém-nascidos. Uma espécie de fone é colocado no ouvido do neném para avaliar a probabilidade de haver um problema de audição. O resultado varia de acordo com a maneira como o som emitido é captado. O teste da orelhinha pode ser realizado em até 30 dias depois do nascimento, mas a recomendação dos médicos é submeter o quanto antes o recém-nascido ao exame para que uma possível surdez seja detectada precocemente e o tratamento possa ser iniciado com rapidez, melhorando a qualidade de vida da criança.

» TESTE DO PEZINHO
Detecta uma série de doenças metabólicas, genéticas e infecciosas que podem gerar graves consequências. No exame básico, é possível descobrir a probabilidade de a criança desenvolver hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, anemia falciforme e fibrose cística. Os mais completos incluem, por exemplo, doenças como toxoplasmose e galactosemia. Precisa-se de uma gota de sangue do recém-nascido, normalmente retirada da sola do pé por ser a maneira mais fácil de fazer a coleta. O teste do pezinho deve ser realizado a partir de 48 horas de vida do bebê, para que dê tempo de haver contato com o leite da mãe, até uma semana depois do nascimento. O resultado demora cerca de 10 dias.

hipotireoidismo congênito: a falta de hormônios da tireoide, que normalmente não se manifesta nas primeiras horas de vida, pode comprometer o desenvolvimento mental da criança.

fenilcetonúria: as altas concentrações do aminoácido fenilalanina, presente no leite da mãe, detectadas quando a criança não consegue metabolizá-lo, causam déficit neurológico

anemia falciforme: doença genética que altera a formação de hemoglobinas, fazendo com elas fiquem com forma de foice, dificulta a oxigenação dos tecidos.

fibrose cística: doença incurável que se manifesta nos pulmões, pâncreas e glândulas sudoríparas e necessita de diagnóstico precoce para melhorar a qualidade de vida do paciente.

hiperplasia adrenal congênita: levam à masculinização do corpo da criança, à medida que o mau funcionamento das glândulas suprarrenais ou adrenais faz aumentar a produção de hormônios.

deficiência de biotinidase: é a falta da vitamina biotina, que resulta em convulsões, fraqueza muscular, queda de cabelo, surgimento de espinhas, acidez do sangue e baixa imunidade.

galactosemia: doença genética que dificulta a conversão de galactose (açúcar presente no leite) em glicose, podendo levar, por exemplo, a icterícia, catarata e hipoglicemia.

Entrevista: Especialista sugere teste da língua / Roberta Martinelli, Fonoaudióloga

Mais um exame pode ser incluído na triagem neonatal. A fonoaudióloga Roberta Martinelli, articuladora da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (SBFa), propõe a obrigatoriedade do teste da linguinha, que consiste na avaliação do frênulo lingual, pequena membrana que conecta a língua ao assoalho da boca. Ela defende que a língua presa prejudica a amamentação e pode comprometer a fala. Apesar de ter sido aprovada por unanimidade no Senado, necessitando apenas de sanção da Presidência, a proposta ainda é polêmica. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), por outro lado, alega que a língua é avaliada rotineiramente no primeiro exame físico e não necessariamente uma alteração no frênulo lingual gera consequência imediata para o recém-nascido.

Por que o teste da linguinha deve ser obrigatório?
O objetivo é detectar precocemente as limitações dos movimentos da língua causadas pela língua presa, que podem comprometer funções como sugar, engolir, mastigar e falar. Diversas publicações científicas nacionais e internacionais demonstram a importância da intervenção precoce.

Que tipo de problema ele pode evitar?
Inicialmente, o desmame precoce, uma vez que o impacto da língua presa na amamentação é muito grande. É oportuno ressaltar que bebês com língua presa mamam, mas cansam e não se saciam. Portanto, há um ciclo de alimentação ineficiente e estressante. Normalmente, são bebês que têm um intervalo muito pequeno entre as mamadas. Além disso, as mães relatam incômodo para amamentar e engasgos frequentes durante
o processo.

Como ele funciona?
O teste da linguinha é rápido, indolor e sem custo. Eleva-se a língua do bebê e observam-se as características do frênulo e da língua, bem como o movimento da língua durante o choro.Também é observado como o bebê suga o dedo do avaliador e como suga o mamilo materno.

Na sua visão, os pediatras analisam adequadamente a língua do recém-nascido?
Oque temos visto, na prática clínica, são muitos bebês com ciclo de alimentação ineficiente e muitas crianças, jovens e adultos que passaram pelo exame físico nas maternidades, não foram diagnosticados e apresentam distorções na fala em decorrência da língua presa.O objetivo é padronizar a avaliação para que todos os profissionais da saúde usem os mesmos critérios. O teste da linguinha pode ser realizado por qualquer profissional da saúde qualificado para isso, e não só por fonoaudiólogos.