Um dos maiores sonhos (e realizações) da mulher é gerar um filho. É normal, entretanto, que o período de gravidez seja cercado de temores quanto à possibilidade de doenças cromossômicas fetais, como a síndrome de Down. A preocupação cresce ainda mais no caso de mulheres em idade um pouco mais avançada ou com histórico do problema na família. Os diagnósticos pré-natal são essenciais para indicar alguma alteração e, caso haja, no mínimo eles oferecem aos pais condições de enfrentar melhor a situação e de buscar prevenção contra problemas médicos normais a uma criança que nasce com a anomalia.
Leia amanhã: os testes básicos que o recém-nascido deve fazer
No início dos anos 1980, era possível fazer o exame cariótipo pré-natal por meio da retirada do líquido amniótico com 15 semanas de gravidez. Em 1986, o cariótipo pré-natal passou a ser feito em vilo corial, reduzindo o prazo para 10 semanas de gravidez. Ambos os procedimentos, apesar de seguros, eram invasivos à medida em que demandavam a introdução de uma agulha (na placenta, no primeiro caso, e nas vilosidades coriônicas, no segundo) para o recolhimento do material necessário ao exame. E os resultados demoravam em torno de duas semanas para ser conhecidos.
Certeza
O teste, chamado NIPT Panorama (de non-invasive prenatal testing), analisa os cromossomos 13, 18, 21, X e Y e informa, com mais de 99% de segurança, se há qualquer alteração no número deles, o que poderia causar graves doenças. Mas como a ciência nos permite examinar a saúde genética fetal usando simplesmente um exame no sangue da mãe? De acordo com Pena, tudo começou com a descoberta de que, durante a gravidez, há DNA fetal circulando livre no plasma da gestante. Esse DNA representa uma proporção pequena de todo o DNA circulante, que é predominantemente materno.
É preciso, então, separar as características do DNA fetal, e isso começa com uma pequena coleta de sangue da mulher grávida, que precisa ter mais de nove semanas completas de gestação. “A amostra de sangue é levada ao laboratório, onde é centrifugada para separar o plasma das células brancas. No plasma, está o DNA do feto misturado com o DNA da mãe. Já nas células brancas, está apenas o DNA da mãe. Então, separadamente, extraímos o DNA de ambos, o plasma e as células brancas. Em seguida, fazemos o sequenciamento do DNA extraído da mãe e do feto de forma independente”, explica o geneticista, revelando, entretanto, que isso não é feito ao acaso: o sequenciamento de DNA é dirigido especificamente paras os cromossomos 13, 18, 21, X e Y, que são os que interessam analisar.
Isso porque, segundo ele, as anomalias de número desses cromossomos são as causas mais comuns de doenças cromossômicas vistas em recém-nascidos, como a síndrome de Down, que é devida a três cópias do cromossomo 21 (chamada de trissomia 21). “Adicionalmente, o sequenciamento é mais direcionado ainda de forma a estudar apenas regiões geneticamente variáveis, chamadas SNPs. Isso permite identificar diferenças genéticas entre o genoma da mãe e o genoma do feto”, informa.
Sérgio Pena acrescenta que, usando as informação dessas diferenças, aplica-se uma metodologia bioinformática sofisticada para distinguir os SNPs do DNA fetal dos SNPs do genoma materno, que foram sequenciados a partir das células brancas. “Usando agora um processo de subtração computadorizada, podemos deduzir as características do genoma fetal. Finalmente, por meio de análise estatística avançada, utilizamos o conhecimento do genoma fetal para chegar a uma conclusão com certeza superior a 99% sobre o número normal ou anormal de cromossomos 13, 18, 21, X e Y presentes no bebê”, afirma o médico, acrescentando que os resultados do NIPT Panorama em mais de 600 gravidezes mostraram sensibilidade e especificidade de 100% para as trissomias 13, 18 e 21, ou seja, não houve nenhum caso falso-positivo ou falso-negativo.
Ainda assim, por ser um novo procedimento, resultados alterados do teste NIPT Panorama devem ser sempre confirmados por exames convencionais, como amostra de vilos coriônicos e/ou amniocentese. “O exame não invasivo pré-natal de DNA fetal nos permite, ainda, fazer um teste de paternidade antes do nascimento da criança e com risco zero para a gravidez”, completa.
Nova evolução
O NIPT Panorama começou a ser feito há pouco mais de um ano nos Estados Unidos. Praticamente na mesma época, Sérgio Pena passou a realizá-lo, em parceria com o laboratório norte-americano Natera Inc. O material colhido aqui é analisado e enviado para os Estados Unidos e os resultados são remetidos de volta pelo Natera em menos de 24 horas. O exame apresenta informações precisas das principais doenças cromossômicas: síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21), síndrome de Patau (trissomia do cromossomo 13), síndrome de Edwards (trissomia do cromossomo 18), síndrome de Klinefelter e monossomia do cromossomo X, além de revelar o sexo do feto.
A partir deste ano, porém, o teste ganhou novos ingredientes para se tornar ainda mais completo. Ganhou, inclusive, uma letra a mais na sua sigla, de NIPT para NIPTA (o A é de ampliado). “Passamos a detectar, além das anomalias já citadas, mais cinco síndromes de microdeleção, que são raras e muito graves. A continuar essa evolução, brevemente teremos condições de traçar todo o histórico genético de um feto, como já é possível fazer hoje com o ser humano”, acredita Sérgio Pena.