Liderados por Yoshihiro Kawaoka, cientistas identificaram oito genes isolados de vírus da influenza obtidos em patos selvagens. As amostras encontradas na natureza apresentaram as similaridades que conferem o potencial devastador da gripe espanhola à aviária. Usando métodos de genética reversa – abordagem para descobrir como alguns fenótipos surgem a partir de sequências de DNA específicas –, a equipe gerou em laboratório um vírus que tinha apenas 3% de diferença genética em relação à influenza espanhola. O organismo criado mostrou-se mais patogênico em ratos e em furões do que os que causam a gripe aviária, mas não tão violento quanto o vírus de 1918.
Em uma segunda etapa, investigaram quantas alterações genéticas seriam necessárias para que o micro-organismo encontrado nos patos selvagens se tornasse transmissível entre furões, animais que reproduzem com fidelidade os mecanismos de transmissão e os sintomas da gripe que ataca humanos. Descobriram que bastam sete alterações nos genes virais para que ele se espalhe de forma tão agressiva quanto o da gripe espanhola.
Segundo eles, o resultado indica que a chance de ocorrência de uma pandemia global é real. Basta que, por meio da seleção natural, se destaquem vírus com alterações genéticas que os tornem mais violentos e aptos. “Quando a cepa de laboratório atingiu as sete mutações, ela conseguiu ser repassada de furão para furão, exatamente o que aconteceu com a gripe de 1918. Isso mostra que existe a possibilidade de uma cepa com potencial pandêmico emergir da gripe aviária, que já está em circulação na natureza”, alerta Kawaoka.
A gripe aviária causada pelo H1N5 não é transmitida de pessoa para pessoa. No ano passado, entretanto, autoridades chinesas reconheceram que alguns casos de infecção com H7N9, uma variação do vírus que causa a doença, se deram dessa forma.
Sem pânico Kawaoka ressalta que as descobertas não devem ser motivo de pânico. Pelo contrário, elas poderão auxiliar cientistas a detectar as cepas mutantes parecidas com o vírus de 1918 antes que elas comecem a circular globalmente. “Com mais informação e vigilância, poderemos identificar antecipadamente os vírus que oferecem mais risco e produzir vacinas e medicamentos que sejam efetivos”, explica.
A própria pesquisa indica que, embora exista a possibilidade de mutações genéticas transformarem a gripe aviária em uma pandemia mundial, o surto poderá ser contido com as vacinas contra H1N1 utilizadas hoje, além de medicamentos também existentes, como o antiviral oseltamivir.
Nancy Bellei, da Sociedade Brasileira de Infectologia, diz que o estudo de Kawaoka vem no encalço de outros produzidos há dois anos. Um grupo internacional de pesquisadores desenvolveu em laboratório cepas mutantes do vírus H5N1 que podiam ser transmissíveis a partir de espirros humanos. O próprio Kawaoka foi um dos especialistas que publicaram críticas sobre as questões de segurança ligadas à criação de cepas mutantes de H5N1 que poderiam ser transmitidas entre mamíferos por via oral.
Nancy, também professora do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destaca que, embora o pesquisador da Wisconsin-Madison também tenha criado em laboratório um micro-organismo com a força semelhante ao que devastou o mundo em 1918, os métodos utilizados por ele foram mais complexos. O avanço é especialmente maior porque Kawaoka oferece a possibilidade de prever se cepas similares às testadas nas cobaias podem ser encontradas, além de afirmar que os recursos atuais de prevenção, como vacinas e medicamentos, podem ser utilizados contra as ameaças.
“Isso é interessante porque a atual pesquisa não apenas cria, mas analisa e documenta as modificações que faltam para que a gripe aviária se torne muito perigosa. O estudo dá uma notícia ruim: a possibilidade de mutações naturais que levem a uma pandemia, mas também dá uma positiva: que podemos combater o mal”, avalia Bellei.