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Nos pacientes com menos de 30 anos, as cirurgias no nariz aumentaram em 10%, os transplantes capilares 7% e as cirurgias de correção das pálpebras 6%. A estadunidense Triana Lavey, de 38 anos, gastou R$30 mil em cirurgias plásticas em busca da 'selfie perfeita', e parece que a ideia deu certo - ela foi contratada por uma agência para promover diversas marcas em seus perfis nas redes sociais, e o cachê pode alcançar meio milhão de reais. “Continuo sendo eu, só que agora com Photoshop”, brincou a mulher, em entrevista à TV americana. Triana fez modificações no queixo, no nariz e nas bochechas, além de regularmente fazer aplicações de botox para disfarçar as rugas. “A presença nas redes sociais é tão importante quanto na vida real. Botox, para mim, é tão básico quanto pagar o aluguel ou fazer o supermercado”, acrescentou.
Para muito além do rosto, essa preocupação com a foto perfeita chegou também às mãos. Achou esquisito? Mas tem gente realizando procedimentos estéticos radicais para deixar a pele mais lisa e alcançar a ‘foto de anel de noivado’ mais bonita entre as amigas. Marcas de sol, veias salientes ou ossos muito saltados não são bem-vindos. Até editores de revistas para noivas consideraram o procedimento um exagero, mas as noivas norte-americanas insistem.
O aumento de cirurgias plásticas entre os mais jovens é um tema delicado. Se, para os adultos, já é um desafio chegar a um denominador comum entre o que o paciente deseja e o que uma vida plenamente saudável permite; quando se trata de adolescentes o debate ganha mais variáveis - é mesmo necessária uma cirurgia tão cedo na vida de alguém? Em quais situações isso se justifica?
Na contramão das cirurgias plásticas e das dietas malucas e na direção da vida saudável e da autoestima, uma cantora e videologger estadunidense conseguiu colocar o Instagram em uma posição embaraçosa, justamente por causa de uma selfie. Meghan Tonjes passou recentemente por um processo de emagrecimento, sem deixar, no entanto, de ser uma moça curvilínea. Apesar de não corresponder ao padrão midiático, Meghan sempre posta fotos de corpo inteiro das partes que mais gosta, como o bumbum, com a hashtag #honro_minhas_curvas (#honormycurves). As selfies não contém nudez.
Só que uma das imagens foi retirada pelo Instagram. Essa postura da rede social motivou um vídeo, hoje já com mais de 745 mil acessos, em que Meghan mostra exemplos de fotos de pessoas magras e 'bonitas' que, mesmo sendo ainda mais explícitas que a dela, foram mantidas. Ela questiona a política do Instagram – se fotos de biquíni e lingerie fossem sempre retiradas, tornaria-se impossível tirar uma selfie na praia, por exemplo – e aproveita para pontuar questões de autoestima que envolvem as meninas consideradas plus-sized. “Se celebridades magras sempre postam fotos ainda mais reveladoras, por que a minha foi removida?”, pergunta.
Meghan faz parte de uma comunidade de mulheres que tenta criar uma mundo mais positivo e menos cruel em relação aos corpos femininos. “Esta foi uma oportunidade para começar um diálogo muito importante, ainda que o Instagram não veja esse vídeo. Só porque alguém se sente desconfortável em ver uma pessoa gorda, isso não significa que a foto vai contra as regras da rede”, pondera a cantora. “Gostar do seu corpo e estar confortável com ele é uma das coisas mais rebeldes que a gente pode fazer neste mundo. É uma revolução, mas há pessoas que não concordam e querem lutar contra isso”, dispara, no vídeo.
Acontece que os administradores da rede social assistiram ao depoimento e admitiram o erro em um comunicado oficial: “Nós sempre tentamos encontrar um bom equilíbrio entre permitir que as pessoas se expressem e manter o Instagram como um lugar divertido e seguro. Nossa política limita nudez e conteúdo para adultos, mas reconhecemos que nem sempre nós avaliamos corretamente. Neste caso, nós cometemos um erro e restauramos o conteúdo”.
Se você entende bem inglês, assista ao vídeo de Meghan Tonjes. Se não, continue lendo a matéria e avalie como a exposição nas redes sociais te afeta. Você não posta fotos de si mesmo, mas acompanha o que os outros estão fazendo? Você gosta de indicar lugares interessantes a seus amigos? Você fica esperando uma curtida quando muda a foto do perfil?
Na Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), a visão é um pouco diferente, mas não é totalmente oposta à dos colegas norte-americanos. O presidente da SBCP, João de Moraes Prado Neto, não acha que a moda da 'selfie', isoladamente, é capaz de atrair novos clientes ao consultório. “Já consultei meus colegas em duas ocasiões diferentes, nos últimos meses, e nenhum deles relatou demandas motivadas pelo autorretrato na web”, afirma o especialista.
O médico pondera, no entanto, que o culto à beleza propagado pelos diversos meios de comunicação tem efeito sobre o aumento de procedimentos, principalmente entre os mais jovens. “A influência da mídia e a precocidade cada vez mais acentuada das crianças e adolescentes criam uma falsa 'necessidade' de fazer a cirurgia. A obrigação de fazer acaba sendo mais forte que a verdadeira vontade do jovem. Não vejo isso com bons olhos e acho que é necessário um limite”, aponta o presidente da entidade.
Prado Neto acrescenta que essa postura nada tem a ver com legislar contra a própria causa – a cirurgia plástica. “Pelo contrário. Para que um procedimento tenha sucesso e deixe a pessoa realmente satisfeita, é preciso haver uma avaliação criteriosa do ponto de vista emocional e psicológico. Há pacientes que, independentemente da idade, têm maturidade; e outros não”, acrescenta. “E há diferença entre as cirurgias também. A de orelhas de abano, por exemplo, já pode ser feita a partir de 6 anos, porque a estrutura não vai se modificar depois disso e podemos evitar os constrangimentos que vêm a partir dessa característica”, enumera.
Para o cirurgião, intervenções em partes do corpo que ainda não atingiram desenvolvimento pleno – caso das mamas e do nariz, por exemplo – devem ser realizadas em um momento de mais estabilidade emocional. “Essa constatação deve ser em conjunto, com os pais, com o jovem, com um psicólogo, se necessário. É comum que eu recomende à família que volte para casa e pense mais um pouco, antes de tomar a decisão”, orienta Prado Neto.
A procura pelas intervenções estéticas entre os adolescentes brasileiros cresceu 141% entre 2008 e 2012. As plástica em adultos cresceram 38% no mesmo período. “A relação entre médico e paciente precisa ser transparente e inspirar confiança para que, caso a caso, a melhor solução seja encontrada. As inseguranças típicas da idade, somadas às mudanças rápidas que o corpo sofre nessa época, sempre foram variáveis importantes e que pesam para formar os desejos dos adolescentes”, alerta o médico.
A psicóloga Fernanda Seabra, especialista em Terapia Familiar Sistêmica e integrante do Projeto Adolescer, foi a profissional que ouviu a frase que abre a matéria. Com aquelas palavras exatas. Ela aponta que o narcisismo, apesar de sempre parecer a explicação mais fácil nesses casos, realmente está inserido nesse contexto, mas não é o único argumento. “Parte dos usuários – não todos, é claro – vive no mundo virtual aquilo que não consegue viver na realidade. São pessoas em sua maioria carentes, com autoestima debilitada e que dependem de 'curtidas' e comentários para se sentirem bem, para terem a sensação de que são amados”, explica.
Fernanda salienta que essa 'necessidade' não é nova, o que mudou foi a rapidez com que a informação e a imagem circulam. Com o ambiente virtual, tornou-se possível construir uma imagem de glamour e ganhar visibilidade com essa pose, ainda que seja uma meia-verdade. “Quem conquista essa visibilidade passa a ser 'seguido' e as marcas estão de olho nesses porta-vozes. O transtorno de personalidade narcisista, caracterizado, entre outras coisas, pela pessoa que precisa constantemente de aprovação externa, sempre fará parte dessa relação”, avalia. Um outro complicador é que o narcisista quer que o outro veja tudo que ele faz, mas não quer que as outras pessoas tenham a mesma oportunidade.” Aos poucos, essa pessoa vai perdendo parte de suas características humanas – a bondade, a compaixão, o altruísmo”, destaca a psicóloga.
A desumanização vem acompanhada de um pensamento com foco em imagem, poder e status. No caso das mulheres, principalmente, em magreza. Fernanda cita dois exemplos – a 'selfie' pós-sexo e o 'Ken brasileiro'. “A selfie #aftersex, que se tornou moda nos últimos meses, tem alguma outra função que não dizer ao mundo que se é uma pessoa amada, que se tem vida sexual satisfatória – ainda que a realidade não seja tão cor de rosa assim?”, questiona a psicóloga.
No caso do modelo Celso Santebañes, mais conhecido como o Ken brasileiro, uma declaração recente chamou a atenção de Fernanda - “quando estou triste, olho no espelho, aí não fico mais triste”, disse em entrevista na televisão. Aos 20 anos, ele já gastou R$30 mil em cirurgias plásticas – nariz, queixo, peito. “O entrevistador questionou porque o rapaz não olhava nos olhos dele na entrevista. Ele disse que preferia olhar o monitor. É um sinal de desumanização”, exemplifica a especialista.
É claro que existe uma parcela das pessoas que faz uso saudável da rede - por motivos profissionais, para dar notícias aos amigos e familiares em momentos de viagem, por exemplo. “São pessoas que vivem o mundo real, têm amigos reais, não 'precisam' de curtidas e comentários. Conseguem dividir seu tempo, conseguem ir e vir entre as duas faces. Mas quando esse hábito se torna uma compulsão, integra uma necessidade de ostentação e de aprovação constante, é hora de questionar”, orienta Fernanda. Conectar-se no virtual para fugir do real é o perigo, destaca a terapeuta.
Nada de novo no front?
Há um outro lado nessa história toda – o de quem curte. A exposição pode criar, além de admiradores, uma rede de inveja. Existem aqueles perfis de usuários de redes sociais que, apesar de não postarem nada de si mesmos, acompanham a vida do outro. E pautam sua vida pela rotina alheia – não por admiração.
A vontade de pertencer a um grupo é velha conhecida dos seres humanos. O que mudou é a instantaneidade e os critério de pertencimento. Se antes esperávamos dias pela revelação de uma foto, hoje ela está no ar em segundos. “Posso mostrar o que eu tenho, o que eu consumo. É isso que vai me tornar alguém diante dos olhos de várias pessoas – o ter; e não o ser. A imagem que eu quero passar está diretamente ligada ao consumo”, aponta Fernanda.
De acordo com a psicóloga, a imagem construída na sociedade do consumo e da performance contrasta com as queixas no consultório – solidão, dificuldade para encontrar um companheiro (a), carência. “O selfie traduz bem isso – eu gasto para me transformar em quem eu quiser e ficar bonito de acordo com os critérios alheios. Segue-se a moda dos outros; e não a própria moda”, pondera Fernanda.
Um dos maiores desafios do ser humanos é, segundo a especialista, tolerar quem nós somos. “Não vejo problemas em uma intervenção cirúrgica, desde que o significado seja realmente importante para aquele indivíduo; e não por uma moda ou para ganhar exposição”, conclui.
Identidade
E por que sempre os mais jovens são os mais afetados? Esses impactos são mais fortes na turma com menos de 30 anos porque é justamente até essa idade que a pessoa está construindo sua identidade.
Os mais jovens têm ansiedade para experimentar, mas ainda não têm crivo para avaliar plenamente. “Entre os 18 e 30 anos, é comum que a maioria das pessoas faça o que todo mundo faz - tira a carteira, entra para a faculdade. É a cultura do 'seu mestre mandou'”, esclarece Fernanda.
Por volta dos 30 anos é que os questionamentos verdadeiramente acontecem e a pessoa passa a reavaliar o que traz significado para a vida. Mas nem sempre – até isso está mudando “As crianças têm que ser miniadultas, usa roupas de adulto, crescer rápido. Depois entram na juventude e não conseguem sair dela. Têm vida sexual ativa, emprego, renda, mas não querem sair da casa dos pais, não querem assumir responsabilidades”, aponta a psicóloga.
Fernanda avalia que os adultos de hoje são 'adulterados', pessoas que têm idade para serem adultos, mas não entendem o que é responsabilidade ou consequência. Não sabem como lidar com a tristeza, porque não há lugar para isso no mundo em que viveram. A tristeza afasta as pessoas no mundo virtual, faz perder 'amigos'.
O resultado é o excesso de remédios para afogar os sentimentos, é o foco no mundo virtual, no poder, na beleza. É a não-aceitação do envelhecimento ou os efeitos da gravidez no corpo. “Quando a amiga vai visitar a outra que teve bebê, a primeira reação é – olha, como você está magra, ótima. E depois é que vem o bebê. Ficamos distantes de nós mesmos, sem saber quem somos. Não aceitamos que o tempo traz coisas boas”, define a especialista.
Inversão de valores
A questão do aumento das cirurgias plásticas entre os adolescentes esbarra também na inversão de valores – pais inseguros resolvem assumir a posição de 'amigos' dos filhos, e jamais dizem ‘não’. O ‘não’ vai gerar um trauma; e o trauma é ruim. “Os pais geram um ciclo muito negativo para o ser em formação. Eles pensam - se eu repreender meu filho, ele vai se tornar rebelde, vai usar drogas. E a criança fica sem limites e sem referência”, exemplifica a profissional. Fernanda Seabra provoca: o jovem que só ouve ‘sim’ dos pais, aceitará um não da namorada?
No caso da filha que pede uma lipoaspiração ‘de presente’, é comum que a mãe também esteja na mesma onda. “Se eu quero ver a minha filha feliz, ela tem que fazer isso”, é a frase que vem à cabeça. “Muitos pais não entendem a alternativa do diálogo franco - explicar que neste momento ainda é cedo para uma intervenção desse porte. A vontade no futuro pode ser outra, pode ser até oposta”, pondera.
A psicóloga completa esse raciocínio com a questão das pequenas misses, submetidas a tratamento de beleza quando ainda têm 3, 4 anos. “Não é uma realização da criança, é da mãe”, alerta.
Fernanda considera que as consequências de 'pular etapas' refletem-se de forma drástica na vida desses adolescentes, e não só na estética. “Se há falta de limites e permissividade total, a vida sexual também se inicia mais cedo. Quando ela começa antes que o corpo esteja pronto, corremos o risco de ter uma geração de meninos e meninas que simplesmente não têm prazer. Eles transam mesmo assim, porque 'todo mundo transa'”, alerta a especialista.
Mundo interior desconectado
Todas essas questões, que parecem mais externas – o cabelo liso, o corpo escultural, o peito grande – estão vinculadas, na verdade, a uma dificuldade de construir o mundo interior. Fernanda aponta que, para haver conexão verdadeira consigo mesmo, é necessário perguntar-se: do que eu gosto? O que me satisfaz? O que me deixa feliz? Do que eu não gosto em mim? Como lido com essas coisas que eu não gosto? “Se a resposta a essas perguntas for relacionada apenas às aparências e a objetos de consumo, é tempo de parar e pensar”, diz Fernanda.
Quando não há pausa para pensar, só teremos tempo para o mundo das imagens, para as dietas malucas e os transtornos alimentares. “É por isso que o nariz imperfeito torna-se fonte de sofrimento. É por isso que não toleramos as outras pessoas, é por isso que nós nos desumanizamos. Muitas vezes, só na dor e na perda é que conseguimos fazer essa conexão interior. Temos que ensinar nossos filhos a questionar”, reforça. “E isso vale para a obsessão pela beleza, para a dependência química (hoje, meninos de 12 anos já são internados para tratar a dependência do álcool), para as crises naturais da adolescência. Você deve mostrar ao seu filho ou filha que ele tem valor, mesmo que a vida traga alguma frustração - e ele tenha que lidar com ela”, conclui a psicóloga.
Fernanda Seabra lembra que o problema não está na ferramenta ou na rede social em si. Ela oferece uma infinidade de aplicações positivas. A preocupação está no preparo para avaliar as posturas virtuais e o uso que cada um adota. Em todos os casos, a dica é: questionamento. Perguntar-se, de tempos em tempos, sobre os efeitos do online na vida real é sempre uma postura válida.
Sinais de alerta:
Caso você apresente algumas dessas características, está na hora de parar para pensar, segundo a psicóloga Fernanda Seabra:
-dificuldade para desconectar das ferramentas online, causando atrasos em compromissos reais, por exemplo; ou noites insones;
-sentir-se menos bonito ou interessante em comparação com os 'amigos' das redes sociais;
-o número de curtidas e comentários em 'selfies' no Instagram ou Facebook é motivo de preocupação e de verificação constante;
-você tira mais fotos para mostrar que você está em determinado lugar do que para celebrar o momento ou indicar o programa aos amigos;
-você não posta nada pessoal, mas acompanha a rotina dos 'amigos' e quer imitá-los;
-você se sente tentado a fazer intervenções estéticas em função de fotos que vê nas redes sociais.