Iniciado há quatro anos, o estudo tinha como objetivo encontrar mecanismos para evitar a falência do fígado e a necessidade dos transplantes, nem sempre suficientes para salvar a vida do doente. O que se verificou foi que a ingestão excessiva não só de remédios – mas também de anabolizantes e alguns chás para emagrecer – faz com que parte do fígado morra pela sobrecarga. Na tentativa de proteger o organismo, o sistema imunológico reage por meio de uma resposta inflamatória. “Nosso trabalho é impedir que isso ocorra”, diz o professor de biologia celular Gustavo Menezes, orientador da pesquisa.
Grupo de imunobiofotônica da UFMG que participou do trabalho: meta agora é descobrir como e porque o DNA da célula morta se espalha nos vasos do fígado (Foca Lisboa/UFMG/Divulgação)
Grupo de imunobiofotônica da UFMG que participou do trabalho: meta agora é descobrir como e porque o DNA da célula morta se espalha nos vasos do fígado
E, ao que tudo indica, os alunos do doutorado e pós-doutorado Pedro Elias Marques e André Gustavo Oliveira parecem ter encontrado a solução para o problema. Todo o estudo está documentado em imagens captadas com técnicas de microscopia intravital usando microscópio confocal – instrumentos que permitem a visualização das células sem técnicas invasivas. Em uma delas, há um órgão cheio de DNA, material que foi destruído poucos minutos depois da aplicação de uma enzima.
Outras imagens revelam a ação de substância que impede que o receptor do DNA TLR-9 (presente no sistema imune) reconheça o material genético expulso da célula, evitando assim a reação inflamatória. Os dois medicamentos usados na pesquisa já existem no mercado e são indicados para outras patologias. No entanto, a pesquisa realizada no ICB demonstrou que eles teriam atuação eficaz para evitar a resposta negativa no organismo humano.
De acordo com o professor Gustavo Menezes, a Coordenadoria de Transformação e Inovação Tecnológica da UFMG (CT&IT) já entrou com o processo para obter a patente da formulação e o uso desses remédios no tratamento de doenças hepáticas. O próximo passo será buscar o apoio financeiro e tecnológico da indústria farmacêutica para a realização do teste clínico em humanos – processo que poderá levar de cinco a 10 anos.
Transplante
Com a descoberta, a ciência está trazendo à medicina a possibilidade de evitar a falência do fígado – quadro em que mais de 70% do órgão já esteja tomado e que, uma vez constatada, não traz outra alternativa ao doente senão o transplante. “O paciente com a falência hepática é grave, tem um custo enorme para o sistema de saúde e muitas vezes não é salvo pelo transplante”, ressalta Menezes. Além disso, o novo procedimento poderá ser realizado até mesmo para o fígado que será transplantado, aumentando as chances de sucesso.
Embora todo o trabalho tenha sido voltado para o fígado, o professor da UFMG diz que é possível a sua aplicação em outros órgãos. Até porque um problema hepático pode trazer reflexos para o resto do corpo, pois os produtos de células mortas liberados entram na circulação sanguínea e podem ativar o sistema imunológico em outros órgãos, como por exemplo o pulmão, que tem vasos muito finos e cheios de leucócitos, que, ao serem ativados de forma errada, provocam a sua destruição.
E engana-se quem pensa que o trabalho realizado na UFMG chegou ao fim. O próximo passo do grupo de cientistas é descobrir como e por que o DNA da célula morta se espalha pelos vasos do fígado. O objetivo? Chegar a outro medicamento, desta vez, que impeça a ocorrência do fenômeno.
A PESQUISA
» Problema
Como o sistema imunológico lida com a morte de células causada pela ingestão exagerada ou errônea de medicamentos?
» Objetivo
Criar alternativas para o tratamento de pacientes com doenças hepáticas, evitando a falência do fígado.
» Conclusão
Durante o processo de morte da célula pela ingestão de remédios, parte do DNA se acumula no fígado. O sistema imunológico reage para destruir esse DNA, mas, junto, ataca células vivas, agravando a lesão.
» COMO FOI O TRABALHO
Para chegar ao resultado, a equipe de 11 profissionais do grupo de imunobiofotônica da UFMG usou animais geneticamente modificados para que as células do sistema imunológico brilhassem, permitindo sua visualização.
» O primeiro passo foi visualizar o acúmulo hepático de material genético oriundo de células mortas (DNA), por meio não invasivo;
» Em seguida, imagens do fígado do animal foram analisadas em alta resolução por microscopia intravital confocal;
» Para elucidar ainda mais os mecanismos, foram isoladas células hepáticas (hepatócitos) e produzidas imagens do mesmo fenômeno in vitro.