Conduzido na Universidade de Oxford, no Reino Unido, o principal estudo a ser apresentado nessa linha oferece uma nova visão sobre a relação da obesidade e a mortalidade por câncer de mama. A pesquisa envolvendo 80 mil pacientes com a doença em estágio inicial indica que o excesso de peso está associado a um risco 34% maior de morte relacionada aos tumores na mama em mulheres prestes a entrar na menopausa e com receptores de estrogênio (ER) positivos para a doença. “De uma forma geral, a obesidade aumenta substancialmente os níveis de estrogênio no sangue apenas em mulheres na pós-menopausa. Por isso, ficamos surpresos ao descobrir, na nossa pesquisa com mulheres ER positivo, que ela tem impacto negativo apenas nas pacientes em pré-menopausa”, declarou Hongchao Pan, um dos responsáveis pelo estudo.
Os resultados, avalia Pan, indicam que os cientistas ainda não entendem os principais mecanismos biológicos pelos quais a obesidade afeta os prognósticos. Das 20 mil pacientes na pré-menopausa com ER positivo, a taxa de mortalidade por câncer de mama foi um terço maior entre as obesas do que naquelas que tinham o peso normal. Isso significa, por exemplo, alterar um risco de mortalidade por câncer de mama de 15% para 20% num período de 10 anos. Em contraste, a obesidade teve pouco efeito sobre o resultado desse tipo de tumor nas 40 mil participantes que estavam na pós-menopausa e tinham o ER positivo e nas 20 mil com o ER negativo para a doença.
É, então, possível que a mudança do estilo de vida mude o prognóstico para pacientes com câncer de mama? Pesquisadores da Universidade de Yale, nos EUA, acreditam que sim. O trabalho que também será apresentado no Asco deste ano incluiu 97 pacientes obesas com a doença e demonstra que a perda de peso é associada a menores níveis de várias substâncias associadas ao tumor, como fator de necrose, insulina e glicose. “Esses importantes dados dão suporte para uma composição de várias estratégias usadas no processo de cura das pacientes que devem, a fim de otimizar os resultados, envolver não só os tratamentos cirúrgicos, radioterápicos, quimioterápicos e anti-hormonais, mas também nutricionais, endocrinológicos e de exercício físicos”, defende Fernando Maluf, oncologista da Clínica Oncovida, em Brasília, e chefe do Departamento de Oncologia Clínica do Centro Oncológico Antônio Ermério de Moraes, da Beneficência Portuguesa, em São Paulo.
Maluf está presente no evento e destaca um terceiro trabalho na área. Um estudo do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York (EUA), com 238 mulheres vítimas do câncer de mama demonstrou, pela primeira vez, que a associação entre obesidade e maior risco da doença provavelmente se dá pelo aumento da inflamação no tecido mamário, bem como dos níveis de aromatase, enzima que atua no estrogênio — hormônio feminino ligado aos tumores na mama. “Além desses mecanismos, outros explicam esses achados, como o fato de existir nas obesas uma maior produção hormonal no tecido gorduroso, de haver substâncias que estimulam o crescimento do tumor no tecido gorduroso e de o excesso de peso e o diabetes provocarem modificações nos níveis de insulina e em seus fatores de crescimento, levando a um estímulo no desenvolvimento e no crescimento do câncer.”
Esforços a longo prazo
Ainda neste ano, a Asco emitirá uma declaração política e convocará uma reunião de cúpula para pesquisadores de uma gama de disciplinas relacionadas à obesidade, a fim de identificar e priorizar futuros esforços de pesquisa na área . A Sociedade Americana de Oncologia Clínica também declarou que foca seus esforços para integrar o treinamento em gerenciamento de peso junto à oncologia e, dessa forma, contribuir para a formação de uma nova geração de oncologistas preparados para gerir eficazmente os desafios relacionados à obesidade.
Mudanças na dieta
A restrição calórica, dieta em que a ingestão de alimentos é reduzida, tem sido apontada como estratégia de longevidade. Uma nova pesquisa sugere que a prática pode gerar outros benefícios, incluindo melhoras no tratamento contra o câncer de mama. De acordo com um estudo publicado ontem na revista Breast Cancer Research and Treatment, o subtipo triplo negativo da doença – uma das formas mais agressivas – é menos provável de se espalhar (metástase) quando cobaias são alimentadas com uma dieta restrita. Segundo os pesquisadores do Departamento de Radiação Oncológica da Universidade Thomas Jefferson, a alimentação indicada se transformou em um programa epigenético que protegeu os ratos de doença metastáticas. De fato, quando modelos de camundongos com câncer triplo-negativo foram alimentados com 30% menos do que o que eles comiam quando tinham acesso livre à comida, as células cancerosas diminuíram a produção de microRNAs, moléculas de RNA que agem em outros genes das células e muitas vezes são aumentadas em câncer triplo-negativo que sofrem metástase.
Risco maior de recidiva
As evidências científicas mais fortes mostram uma ligação entre o excesso de gordura corporal e tumores malignos de endométrio (nas mulheres), colorretal, esôfago, rins, pâncreas, assim como o câncer de mama na pós-menopausa. “Existem algumas possibilidades. Sabemos que os pacientes obesos e com sobrepeso têm geralmente mais gordura e, junto a isso, um nível de inflamação baixo, mas crônico, que também leva a um maior risco de câncer”, diz Gilberto Lopes, oncologista do Hospital do Coração de São Paulo (HCor-SP) e membro do Comitê Consultivo do 50º Encontro Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco 2014).
Os médicos tratam o excesso de peso como um fator independente de risco. Ou seja, não está necessariamente ligado à falta de exercício físico ou a uma alimentação ruim. O tecido adiposo (formado por gordura) é considerado um órgão endócrino que produz diversas substâncias, toxinas e fatores inflamatórios capazes de induzir a proliferação celular e, em última instância, os tumores. “O tecido gorduroso produz substâncias que vão causar uma série de ativações celulares em diversos órgãos, não só no aparelho digestivo, elevando o aparecimento de câncer”, detalha Marcelo Cruz, oncologista do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes.
Cruz observa que o tecido adiposo é um órgão ativo que precisa ser melhor estudado não só para pacientes obesos que desenvolvem a doença, mas para aqueles com excesso de peso que já tiveram o câncer e que têm a quimioterapia como tratamento indicado. Isso porque os riscos não se restringem ao desenvolvimento da doença, mas também à recorrência do mal. “Pacientes obesos tem 52% a mais de chances que a população geral de desenvolver um câncer fatal. Nas obesas, o percentual é de 62%. Para essas pessoas, o risco após o tratamento de ter recaída é muito maior”, garante Lopes. “Eles também precisam emagrecer porque a obesidade aumenta o risco de aparecer um novo câncer depois do tratamento, aumentando o risco do câncer voltar.” O oncologista ressalta ainda que as chances de metástase são maiores se comparados os paciente com excesso de peso àqueles que mudaram os hábitos de vida e emagreceram. (BS)