“Descobrimos que as mulheres que fumam anseiam alimentos gordurosos mais frequentemente do que as que não fumam, e que o desejo por cigarros e o por comida estão relacionados de tal forma que, quanto mais elas querem o cigarro, maior é o desejo por carboidratos e alimentos ricos em gordura”, detalha Marta Pepino, integrante do estudo. Pepino e Julie Mennella partiram de constatações de que os fumantes têm hábitos alimentares insalubres se comparados aos não tabagistas.
A escolha por observar somente o comportamento das mulheres é justificada pelo fato de fumarem por razões diferentes das dos homens. Elas são, inclusive, menos propensas a parar influenciadas, entre outros fatores, pela preocupação sobre o ganho de peso pós-cessação e pela crença de que fumar emagrece. “Os fumantes não ganham menos peso corporal ao longo do tempo do que os não fumantes. Pior que isso, o fumo está associado ao aumento da obesidade central — melhor preditor de morbidade e mortalidade do que o índice de massa corporal”, detalham, no artigo publicado na revista científica Obesity.
Participaram do estudo 47 mulheres, que foram divididas em quatro grupos: 14 obesas fumantes, 11 obesas que nunca fumaram, 10 fumantes com peso normal e 12 mulheres com peso normal e não fumantes. “Demos a elas pudins que tinham como única diferença a quantidade de gorduras e açúcares adicionadas. As participantes tinham que definir quanto de cremosidade estava associado a cada sobremesa, quão doce e quanto de prazer em comer associavam a elas”, detalha Pepino.
As obesas e fumantes perceberam níveis menores de cremosidade, doçura e relataram sentir menos prazer quando provaram os pudins. Pepino avalia que essa combinação de desejo pela gordura e a dificuldade em percebê-la nos alimentos talvez ajude essas mulheres a comerem cada vez mais gordura e aumentar a quantidade da substância na dieta, colocando a saúde ainda mais em risco. “Nós já sabemos que a obesidade e o tabagismo independentemente são fatores que aumentam os riscos de doenças cardiometabólicas”, alerta.
As pesquisadoras também constataram que, da mesma forma que as fumantes, as obesas anseiam alimentos ricos em gordura com mais frequência, preferem alimentos com teor de gordura maior e consomem mais gordura do que os indivíduos magros. Segundo elas, os resultados contribuem para um crescente corpo de conhecimento que desafia a percepção persistente de que fumar ajuda a manter o peso saudável.
Gordura no abdômen
Estudos recentes também indicam que os fumantes costumam ter a razão entre a cintura e o quadril aumentados. Ou seja, tendem a ter um corpo com silhueta mais parecida como uma maçã do que uma pera. Esse formato sinaliza uma maior retenção de gordura no abdômen e nos quadris, considerada também um fator de risco para doenças cardíacas e problemas metabólicos.
Presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Mario Kedhi Carra explica que o tecido gorduroso abdominal é constituído por células grandes e o gorduroso periférico, por estruturas menores. O primeiro guarda mais ácidos graxos e, conforme aumenta, estimula a produção de hormônios que regulam a fome, como a leptina e adiponectina.
A maior produção desses hormônios promove o aumento da sensação de fome, o que faz aumentar a produção de outro grupo de substâncias que são tóxicas ao organismo, as chamadas de adipocitocinas, consideradas importantes fatores de necrose celular. “Não sentir bem o paladar e comer mais agravam essa situação. Até mesmo porque, quando você come, o alimento passa pelo estômago e produz uma substância responsável pela regulação da fome, a grelina. Quanto mais tem, mais fome e vice-versa.” Carra também imagina que, por outro lado, o ato de fumar talvez faça com que a pessoa ingira menos comida e, por consequência, produza menos desse hormônio.
Sensações bloqueadas
Segundo o pneumologista Luiz Carlos Corrêa da Silva, integrante da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), enquanto fuma a pessoa tem menos apetite, o que pode “ajudar” na manutenção do peso. “Há um bloqueio sensorial. O fumante tem quase uma anestesia do setor olfatório e do setor gustativo. Existe uma ação direta e local da fumaça, da nicotina e do cigarro na cavidade bucal e nasal”, explica.
O esperado é que essa percepção volte quando se abandona o vício, o que normalmente é acompanhado pelo aumento de peso. “Obviamente, as pessoas com essa tendência já têm um certo grau de hiperglicemia ou de depressão que influem muito no regime alimentar. Há pessoas que aumentam por volta de 10kg. Elas trocam o cigarro pela comida.”
Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade do Sul de Paris, na França, e da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, indica que, ao abandonar o cigarro, as pessoas engordam em média entre 4kg e 5kg no primeiro ano livre do vício, principalmente nos três primeiros meses.
O Instituto do Coração do Hospital das Clínicas também chegou a resultados semelhantes. Ao analisar indivíduos que ficaram 12 meses sem fumar, os cientistas detectaram que 73 % engordaram, 11% emagreceram e 16% mantiveram o peso. O ganho médio ficou entre 4,7kg e 5,6kg — sendo que a diferença foi maior entre as mulheres. Ainda assim, 85% das pessoas que ganharam peso disseram que se proteger dos perigos associados ao cigarro (veja quadro) é melhor do que a mudança na balança.
Hormônios e bactérias
Os conhecimentos e as informações mais clássicas da literatura mostram um efeito catabólico da nicotina. Ela aumenta os níveis de hormônios como a dopamina e a serotonina e tem algum efeito sob a leptina, que regula a fome . “Se a pessoa para de fumar, a serotonina cai, a dopamina também e a leptina sobe. Ela também começa a sentir mais vontade de comer, mas, ainda que coma a mesma coisa que antes, vai aumentar de peso. O efeito catabólico da nicotina fica suprimido”, detalha Luiz Carlos Corrêa da Silva.
Cientistas do Hospital Universitário de Zurique, na Suíça, descobriram que uma mudança na flora intestinal provocada pela cessação do tabagismo também causa o aumento de peso. Eles analisaram, durante nove semanas, amostras de fezes de fumantes, não fumantes e pessoas que haviam recentemente largado o cigarro.
Descobriram apenas no último grupo uma quantidade considerável de bactérias encontradas na flora intestinal de obesos. A presença desses micro-organismos, segundo eles, causa um aumento do peso mesmo o ex-fumante comendo e bebendo menos que o período do vício. “Nós conseguimos encontrá-las por seis meses, mas não sabemos quanto tempo o intestino permanece nesse estado e se esse estado é reversível”, explicou Gerhard Rogler, coordenador do estudo.
"Há um bloqueio sensorial. O fumante tem quase uma anestesia do setor olfatório e do setor gustativo. Existe uma ação direta e local da fumaça, da nicotina e do cigarro na cavidade bucal e nasal”
Luiz Carlos Corrêa da Silva,
integrante da Comissão de Tabagismo
da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
integrante da Comissão de Tabagismo
da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
Outros males
Confira o impacto do tabagismo sobre a saúde da mulher, segundo o Instituto Nacional de Câncer
1. O risco de infarto do miocárdio, embolia pulmonar e trombose em jovens que usam anticoncepcionais orais e fumam chega a ser 10 vezes maior que entre as não fumantes e que controlam a natalidade da mesma forma
2. Fumantes que não usam métodos contraceptivos hormonais reduzem a taxa de fertilidade de 75% para 57% devido ao efeito causado pelas taxas de concentração de nicotina no ovário
3. Mulheres que fumam de dois ou mais maços de cigarros por dia têm 20 vezes mais chances de morrer de câncer de pulmão do que as não tabagistas
4. Calcula-se que o tabagismo seja responsável por 40% das mortes de mulheres com menos de 65 anos e por 10% dos óbitos por doença coronariana entre as com mais de 65
5. Entre as mulheres que convivem com fumantes, principalmente o marido, há um risco 30% maior de desenvolvimento de câncer de pulmão, se comparado ao companheiro