Atualmente, de todos os alimentos que mais causam alergia na população, somente o glúten recebe destaque nas embalagens. Engajadas, um grupo de 600 mães com filhos alérgicos criou neste ano a campanha #poenorotulo, pedindo destaque a outros ingredientes. A advogada Maria Cecília Cury Chaddad, 34 anos, mãe de uma criança com alergia alimentar, é uma das coordenadoras do movimento. Após detectar a sensibilidade do filho à soja e perceber que teria de decifrar palavras para garantir a saúde do pequeno e, inclusive, telefonar para diversos Serviços de Atendimento ao Consumidor (Sacs), Cecília se engajou na missão de tornar esses produtos legíveis.
“Além de ter de conhecer os nomes, não existe nenhuma norma que obrigue a indústria a declarar os alérgenos por contaminação acidental. Isso pode acontecer, por exemplo, quando o mesmo maquinário que empacota um achocolatado com leite for usado para o café”, diz a advogada, que fez sua tese de doutorado em Direito sobre o assunto. Quando há a contaminação, podem ficar traços dos alimentos, o que também causa reações adversas. Mesmo quando o SAC é acionado, nem sempre as informações prestadas são claras.
Segundo a proposta da Anvisa, os principais alérgenos ganharão destaque. A indústria deverá ressaltar com a cor preta em um quadro branco a presença de leite, ovo, oleaginosas (castanhas), sulfitos (presentes no vinho), crustáceos, peixes e amendoim. Os traços dessas substâncias também deverão ser informados. Quando houver pelo menos 20 partes por milhão (ppm) de glúten, as indústrias também deverão acusar a presença dele.
O presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia do Distrito Federal, Paulo Eduardo Silva Belluco, explica que a alergia alimentar é diferente da intolerância. É um processo imunológico que pode causar reações e até levar à morte. Segundo ele, de 8% a 10% da população é alérgica, sendo a maior parte crianças. Belluco detalha que existem as alergias mediadas, identificáveis por meio de exames laboratoriais, em que é possível saber, por exemplo, a quais proteínas do leite a pessoa tem resistência e as não mediadas, em que as reações, normalmente tardias, levam ao diagnóstico. “Os efeitos podem ser coceira, urticária, até o choque anafilático, com o acometimento de vários órgãos, inclusive podendo fechar a glote.”
Pesquisa
Faz cinco anos que Priscilla Tavares, 35 anos, e o marido, Paulo Ribeiro, 39, têm de lidar com dietas especiais. Pouco tempo depois de nascerem, a filha Beatriz, 5 anos, e o filho João Pedro, 3 anos, começaram a apresentar reações adversas a determinados alimentos. Beatriz tinha alergia a leite de vaca e soja, mas criou tolerância. João Pedro continua sensível aos dois alimentos. “Com quatro meses, João começou a ter sangramento intestinal”, conta a mãe. Foi aí que se iniciou um processo para descobrir a quais alimentos o bebê era alérgico e, Priscilla eliminou determinadas substâncias da própria dieta — porque elas passavam pelo leite materno — até descobrir qual era aquela que João não podia ingerir. Comprar alimentos no mercado tornou-se uma saga e, hoje, Priscilla brinca que é quase química. “Já tive de fazer pesquisas sobre toda a minha dispensa diversas vezes.”
“Os efeitos podem ser coceira, urticária, até o choque anafilático, com o acometimento de vários órgãos, inclusive podendo fechar a glote” - Paulo Eduardo Silva Belluco, presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia