A curiosidade sobre a relação entre anos de estudo e recuperação cerebral surgiu quando os pesquisadores notaram diferenças significativas no progresso de pacientes atendidos no hospital da universidade. “Depois de terem esses tipos de lesões, algumas pessoas ficam desabilitadas para o resto da vida e nunca são capazes de voltar ao trabalho, enquanto outras pessoas, com problema semelhante, se recuperam totalmente”, afirma, em um comunicado à imprensa, Eric Schneider, professor da Faculdade de Medicina da instituição. “Conhecemos alguns fatores que levam a essas diferenças, mas não podemos explicar toda a variação. Esse trabalho buscou por mais peças do quebra-cabeça”, completa.
Na investigação, a equipe acompanhou um grupo de 769 pessoas com lesões cerebrais traumáticas graves, muitas delas decorrentes de acidentes de carro ou quedas. Os participantes já haviam passado um período no hospital e participavam da reabilitação. Os pesquisadores dividiram o grupo em três categorias: pessoas que não cursaram o ensino médio, pacientes que tinham concluído o ensino médio e, por fim, aqueles que tinham um curso de graduação.
Ao final de um ano de acompanhamento, 214 pacientes se recuperaram totalmente da lesão. E desses, quase a totalidade tinha, pelo menos, o ensino médio completo. E quanto mais anos de estudo, maior a taxa de sucesso. “As pessoas com um diploma universitário apresentaram sete vezes mais chances de se recuperar totalmente da lesão do que as que não terminaram o ensino médio”, constata Schneider. “E as pessoas com alguma educação universitária tinham quase cinco vezes mais chances de se recuperar totalmente do que aqueles sem instrução suficiente para ganhar um diploma do ensino médio”, acrescenta.
Na avaliação dos cientistas envolvidos no trabalho, o diferencial positivo das pessoas com maior formação foi alcançado graças ao que chamam de reserva cognitiva. Indivíduos com mais educação teriam um conhecimento acumulado maior, o que beneficiaria a recuperação dos problemas neurais. Para Renato Anghinah, chefe do Serviço de Reabilitação Cognitivia Pós-Trauma de Crânio da Universidade de São Paulo (USP), a pesquisa da equipe americana ilustra bem esse famoso conceito na área neurológica. “Para entender bem, podemos dizer que esse conhecimento adquirido, essa reserva cognitiva que guardamos ao longo da vida, fica guardada em uma pequena poupança, que usamos quando é necessário. Em casos como essas lesões, por exemplo, ela auxilia um número maior de sinapses neurais e um aumento de conexões. E essas conexões são ações que ajudam o cérebro a trabalhar melhor”, explica o brasileiro, que não participou do estudo.
Segundo Anghinah, essa recuperação mais rápida é observada nos consultórios diariamente. “Nos casos que acompanhamos aqui no centro de tratamento, já notamos que pacientes com mais educação conseguem se recuperar mais rapidamente. Com pessoas que sabem outros idiomas, por exemplo, temos mais recursos de tratamento, podendo explorar suas atividades de retomada”, diz.
Atrasando distúrbios Os especialistas da Johns Hopkins acreditam que outros trabalhos podem ajudar a decifrar mais minuciosamente as vantagens do conhecimento para a saúde cerebral. “Precisamos aprender mais sobre como a educação ajuda a proteger o cérebro e como afeta a lesão e a resiliência. Explorando essas relações, esperamos ajudar a identificar formas de ajudar as pessoas a reverterem uma lesão cerebral traumática”, destaca Eric Schneider.
O norte-americano explica ainda que a reserva cognitiva tem sido estudada a fundo como “protetora” de doenças comuns na idade avançada. “Estudos têm focado principalmente em pacientes com evolução crônica neurodegenerativa, como o Alzheimer. Trabalhos recentes feitos com pacientes idosos indicam que escolaridade é um fator de independência cognitiva, que mais tarde pode contribuir para o desempenho das pessoas de idade mais avançada”, escrevem os autores no trabalho.
De acordo com Rogério Gomes, neurologista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o estudo traz dados interessantes sobre o tema. “O trabalho é muito interessante e expande uma ideia que já conhecíamos, a reserva cognitiva, que sempre foi associada a problemas causados pela demência. Sabemos que estudar e explorar novos assuntos impede que doenças neurodegenerativas incapacitem o idoso. Aprender não impede que a doença chegue, mas a atrasa, o que auxilia na vivência”, destaca.
Gomes ressalta que o trabalho é inicial e que outras análises podem ser feitas para que exista total certeza dos benefícios do nível de escolaridade. Porém, ele frisa que um ponto positivo do trabalho é apontar mais benefícios dos estudos. “A ideia de que devemos estimular mais nosso cérebro é algo muito importante em todos os sentidos. Faz bem também para a saúde”, avalia.
Anghinah, da USP, também acredita que o trabalho cumpre a importante missão de valorizar a educação. “Sabemos que níveis de escolaridade dependem muito de outros fatores, como a situação socioeconômica do indivíduo, principalmente quando criança, já que, nessa época, a pessoa começa a formar a base do seu conhecimento. Alguém que começa a ler mais tarde na vida, por exemplo, já não possui o mesmo nível de reserva cognitiva. Ainda precisamos de mais trabalhos que mostrem detalhes precisos da relação entre conhecimento e proteção do cérebro, mas, ainda assim, já podemos tomar como de grande importância a vontade de aprender algo novo e exercitar a mente”, completa.