Do balão intragástrico à redinha costurada na língua, os últimos 15 anos foram pródigos na popularização de artefatos para o emagrecimento. Alguns métodos contam com apoio e reconhecimento de grande parte da sociedade médica e científica, como o balão; mas outros permanecem sob dúvida e recebem duras críticas, caso da famosa redinha, queridinha dos venezuelanos; e também da técnica de 'costura da mandíbula', popular nos Estados Unidos no início dos anos 2000 e que obrigava a pessoa a ingerir porções menores de comida.
O princípio por trás disso é o período de tempo que a informação de saciedade leva para chegar ao cérebro - em torno de 15 a 20 minutos. A ansiedade e o tipo de alimento ingerido - mais gorduroso ou mais leve - interferem nesse mecanismo. Quem come muito rápido pode acabar não respeitando esse tempo e sentir vontade de comer além do necessário.
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A orientação é que ela seja colocada 15 minutos antes da refeição, para haver tempo de adaptação ao volume interno da boca diminuído. “O objetivo é modificar o comportamento da pessoa, alterando a forma como ela ingere e mastiga o alimento. Ela deverá ingerir porções menores e mastigar mais vezes para que consiga engolir. Lembrando que deverá haver acompanhamento médico e nutricional sempre, uma vez que o aparelho não ensina o que comer, e sim como comer”, destaca o profissional.
Segundo Vieira, o dispositivo foi criado por uma dentista norte-americana portadora de tórus palatino, um crescimento ósseo que diminui o espaço interno da boca. Observando a diferença entre a alimentação dela e do marido, chegou à conclusão que não engordava porque comia mais devagar,em porções menores. “O sucesso do uso da placa depende da pessoa que usa, é claro. Se ela não realizar refeições com os nutrientes adequados e não praticar exercícios, o efeito será mínimo”, alerta o dentista. “É importante manter o hábito de mastigação depois de suspender o uso da placa. O resultado prático só vem se a pessoa estiver comprometida”, acrescenta.
Problema multifatorial
A médica endocrinologista Amanda de Souza Silva lembra que a obesidade é uma doença crônica e multifatorial. “A busca de uma solução para esse problema já saiu dos consultórios e instituições de pesquisa e passou a ocupar revistas, academias, empresas em geral. A grande questão - e talvez a mais complexa de ser respondida - é entender a causa para o grande aumento desta patologia nas diversas faixas etárias, independentemente do gênero. Minha grande aposta está na mudança comportamental, com rotinas mais intensas e menos saudáveis”, destaca.
De acordo com os dados mais recentes da Pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), divulgados em abril de 2014 pelo Ministério da Saúde, 50,8% dos brasileiros estão acima do peso ideal – destes, 17,5% são obesos. Na primeira edição da Vigitel, a proporção de pessoas acima do peso era de 42,6% e a de obesos era de 11,8%. Os dados mostram que a proporção de obesos entre homens e mulheres é a mesma: 17,5%. Já em relação ao excesso de peso, os homens sofrem mais com a condição: 54,7% para eles e 47,4% para elas.
As doenças metabólicas e a mortalidade acompanham o cenário. No Brasil, entre 2006 e 2013, o diagnóstico de diabetes passou de 5,5% para 6,8% da população. Já o número de mortes por complicações diretamente relacionadas à obesidade triplicou em um período de dez anos, apontou um levantamento feito pelo Estadão Dados, com base em informações do Datasus. Em 2001, 808 óbitos tiveram a doença como uma das causas. Em 2011, último dado disponível, o número passou para 2.390, crescimento de 196%.
Segundo a especialista, a maioria das pessoas não tem tempo de fazer as refeições em casa, por exemplo. “Algumas chegam a ter que 'enganar' o estômago, alimentando-se cada vez mais rápido e fazendo várias outras atividades ao mesmo tempo. Não se tem mais aquele momento dedicado à refeição, no qual há tempo para escolher os alimentos, degustar e ter prazer”, aponta Amanda.
Assim, o uso de métodos externos, por exemplo, pode até levar ao emagrecimento pela redução na quantidade ingerida. “Mas não se deve esquecer de forma alguma que as escolhas saudáveis e equilibradas são obrigatórias. Seguindo uma regra matemática simples, quando a ingestão calórica é menor, normalmente há perda de peso. O que deve ser salientado é que perder peso, simplesmente, nem sempre pode ser considerado um emagrecimento saudável”, lembra a endocrinologista.
Para Amanda, todos os novos métodos devem ser muito bem avaliados e acompanhados, para se ter a confirmação da real eficácia e dos possíveis malefícios à saúde em longo prazo. “Os micro e macronutrientes devem ser levados em consideração para o bom funcionamento do organismo. O emagrecimento saudável vai muito além de números absolutos de índice de massa corporal (IMC), por exemplo”, reforça.
Todo e qualquer tipo de tratamento deve ter como premissa a participação e a consciência da pessoa no processo escolhido. É preciso haver o reconhecimento do desejo de mudança e as etapas a serem seguidas. Em muitas situações, é necessário acompanhamento psicológico com o intuito de ajudar a pessoa na identificação de problemas que contribuem para a insatisfação com o corpo e a saúde, ou ainda questões que levam a compensar as frustrações com a comida”, alerta Amanda. “Costumo brincar com as pessoas que me procuram para auxiliar no emagrecimento que o problema tem que ser resolvido primeiramente na cabeça”, completa.
Comprovação ou dúvida
Há poucos estudos, até hoje, que avaliaram e apontaram comprovação da influência da mastigação na perda de peso. Uma dessas pesquisas, que envolveu 32 adultos, foi realizada pela própria empresa fabricante do DDS System. Os voluntário foram avaliados durante dois dias. No segundo dia, o grupo com o aparelho ingeriu 23% menos comida, ou 533 calorias. Os dados são utilizados pelo próprio Aonio Vieira na divulgação do método - “Pesquisas comprovam que dispositivo reduz cerca de 533 calorias por refeição”.
Vale destacar que o estudo chegou a esse número após comparar o comportamento dos participantes no dia 1 e no dia 2, considerando três momentos (café da manhã, almoço e jantar); e não uma única refeição.
De acordo com a fonoaudióloga Débora Rossi, integrantes do Instituto Mineiro de Obesidade, o que mais preocupa no uso da placa é a falta de uma equipe multidisciplinar que acompanhe o uso. “É um fato que, quanto mais degradado o alimento na boca e quanto mais lenta a refeição, mais tempo haverá para o hipotálamo processar a sensação de saciedade. Mas os princípios da deglutição e da mastigação levam em conta todo os conceitos biomecânicos que envolvem cabeça e pescoço. Qualquer intervenção deve considerar o equilíbrio funcional anatômico e fisiológico, tanto da parte mole (musculatura orofacial, por exemplo) quanto da parte dura (ossos e dentes)”, afirma a especialista.
Débora explica que, por mais que haja cuidado com a moldagem, o trabalho não contempla todas as nuances da mastigação, deglutição, postura de língua, fala e respiração. “O preenchimento do palato com a placa diminui a cavidade oral e afeta os movimentos da língua. Com espaço reduzido, o músculo não conseguirá levar grandes quantidade de alimento para o aparelho digestivo. Será necessário um ciclo mastigatório maior. A relação de prazer com o alimento também vai ser alterada; e a adaptação a essa mudança de comportamento deve ser observada por uma equipe que inclua médico, fonoaudiólogo, nutricionista e psicólogo”, completa.
Compensação
De acordo com as características preexistentes de cada um, será necessário avaliar a mastigação com a placa, ou seja, se haverá algum tipo de 'compensação' feita de forma inconsciente pelo usuário. E se ela poderá ser corrigida pela fonoaudiologia. “Já foi comprovado que a função mastigatória é aprendida, tanto que o bebezinho passa por uma 'evolução' nos alimentos ao longo dos primeiros anos de vida. Ou seja, com o treino fonoaudiológico e sem necessidade de aparatos, é possível modificar de forma duradoura a forma como realizamos essa função, mesmo depois de adultos”, ressalta a especialista.
É necessário verificar se já há um histórico de bruxismo ou problemas de oclusão, se a mastigação é bilateral, alternada, unilateral ou se causa sobrecarga da articulação temporomandibular, entre outros aspectos. “Um paciente que passa por uma cirurgia bariátrica, por exemplo, e não tem acompanhamento global, pode voltar a engordar. Quando alteramos o que seria natural para aquela pessoa, é preciso reabilitá-la dentro da nova condição, de forma ética e responsável”, salienta a fonoaudióloga.
A opinião acompanha a de Marlei Braude Canterji, fonoaudióloga do Grupo de Estudos das Cirurgias de Obesidade e Metabólica do Rio Grande do Sul, pioneira nas pesquisas brasileiras que relacionam os problemas de mastigação e o pós-operatório de pacientes com obesidade cirúrgica. Para ela, uma nova modalidade de alimentação exige a conscientização para uma nova forma de mastigação, deglutição, respiração, sucção e fala. Um dos grandes desafios é tornar algo automático, como a mastigação, uma função consciente e realizada da maneira adequada, principalmente em adultos.
Débora vai começar, agora em 2014, uma pesquisa – inédita no Brasil - no Centro de Especialidades Médicas da Santa Casa de Belo Horizonte. O estudo, em parceria com endocrinologistas, vai avaliar, durante 120 dias, cerca de 60 pacientes com obesidade clinica (aquela em que não há indicação cirúrgica). Um grupo terá acompanhamento fonoaudiológico e outro, não. A ideia é comparar os resultados alcançados com a terapia global e com o acompanhamento restrito aos médicos. "É uma área muito nova, com trabalhos ainda muito restritos. Ainda não foram realizados, por exemplo, estudos amplos que analisem essa função mastigatória, do ponto de vista fonoaudiológico, em casos de obesidade clínica", acrescenta.
Sobre a placa, a especialista não se apressa em tirar conclusões. “São vários aspectos a serem considerados. Há pacientes que precisam ver algo físico, material, precisam despender dinheiro para dar valor ao processo. Metade da população mundial está acima do peso, ou seja, temos em mãos um problema de saúde pública. Mas é preciso acompanhar e respeitar o ser humano como um todo. Se uma pessoa quer e precisa emagrecer, mas apresenta anatomia e funções biomecânicos equilibradas, valerá a pena introduzir uma placa que pode prejudicar esse equilíbrio?”, pondera.
Segundo Amanda de Souza Silva, é preciso ter consciência do comportamento individual, em um esforço para reconhecer os pontos fracos e as possibilidades de mudança na rotina e nos hábitos, de forma realista. “Esse, a meu ver, é o grande desafio!”, ensina a médica.